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Independentemente da problemáƟ ca que ressoavam nas ruas lisboetas, o ofi cial publicada no Diário do Governo, 1ª série,
em torno do texto posteriormente ofi cia- de Marinha e poeta Henrique Lopes de nº 199, de 4-9-1957, foi aprovada na sua
lizado , é certo que este hino se manteve Mendonça . Juntamente com o compositor atual versão.
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vigente e foi executado até à Implantação Alfredo Keil, no compasso de espera que Reiterada na ConsƟ tuição de 1976, no
da República. mediara a sobremesa e o café de um jantar n.º 2 do seu arƟ go 11.º, como um dos sím-
de amigos onde, entre outros, haviam fi gu- bolos nacionais, A Portuguesa é executada,
A PORTUGUESA rado como comensais, em jeito de impro- ofi cialmente, em cerimónias nacionais,
viso, conceberam este canto nacional e civis e militares, onde se presta homena-
Tem sido entendimento consensual da his- patrióƟ co gem à Pátria, à Bandeira Nacional ou ao
toriografi a portuguesa explicar a génese do Presidente da República.
atual hino nacional – A Portuguesa – como “cujas notas nos recordam as canções
ato de manifesto ao Ul matum inglês de e os hinos mais portugueses, a poesia João Andrade Nunes
11 de janeiro de 1890. Há verdade neste que ao som dessa música se canta não CAB B
entendimento, porquanto a criação do é menos patrió ca e levantada, porque Doutorando em História do Direito
mencionado hino, datando de 12 de janeiro nas suas estrofes se recordam as nossas
de 1890, sobrevém no âmago de uma forte glórias passadas, como as de um povo
reação popular, de pendor nacionalista, des- de navegadores audaciosos e de guer- Notas
pertando os interesses da Pátria como um reiros vitoriosos, que não deve esquecer 1 AÙݹÝ, J.J. N.[?], Historia Contemporanea ou
o passado para que lhe seja es mulo no D. Miguel em Portugal. Mo vo de sua exaltação, e
a causa da sua decadencia, Typographia do Centro
presente” . Commercial, Lisboa, 1853, p. 90
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2 C«ù, C½ç®Ê , Excerptos Historicos e Collec-
ção de Documentos rela vos á guerra denomina da
Fora tal o entusiasmo que, de imediato, Peninsula e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e
se decidira, por expensas próprias, proce- Catalunha, Imprensa Nacional, Lisboa, 1865, p. 354.
Neste senƟ do, AÙݹÝ, J.J. N.[?], Historia Contem-
der à edição deste novel canto nacional 3 poranea ou D. Miguel em Portugal, op. cit., p. 87.
para que se propagasse “como protesto á 4 Com este entendimento, ainda que sem citação
aff ronta feita a Portugal por Inglaterra” . de fontes primárias, veja-se CÙçþ, MÄç½ IòÊ, “Os
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Assim sucedeu, com uma primeira Ɵ ragem hinos de Portugal”, in A Monarquia Portuguesa.
Reis e Rainhas na História de um Povo, coord. João
de 12.000 exemplares distribuídos, gratui- Aguiar e Bento de Moraes Sarmento, Selecções do
tamente, pela capital do Reino. Reader´s Digest, Lisboa, 1999, p. 373.
VÝÊĽÊÝ, HÄÙ®Øç SÙÖ , “O hino da Real
Não obstante a sua aceitação, o sucesso 5 Academia dos Guardas-Marinhas”, in Revista da
do hino não foi, de todo, imediato. Em Armada n.º 353, ano XXXI, janeiro de 2002, p.35.
rigor, as primeiras manifestações contra 6 Sobre as diferentes letras associadas à composi-
o UlƟ mato ocorreram ao som do Hino da ção de D. Pedro vide CÙÊÝÊ, L®ÄÊ A½Ã®,
O Som Social. Música, poder e sociedade no Brasil
Restauração e do Hino da Carta que estava (Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX), 1.ª ed., Edição
vigente. Assim, o hino que havia sido con- do Autor, São Paulo, 2011, pp. 285-286.
cebido para unir os portugueses em torno 7 Cfr. Idem.
Alfredo Keil nasceu em Lisboa, em 8 Autor de inúmeros textos literários e cienơ fi cos,
1850. Estudou no Colégio Britânico, de um senƟ mento comum, não só acabaria no âmbito da História Naval, destaca-se a obra
onde desde cedo mostrou ser talentoso por ser desconsiderado pelos monárqui- “Estudos sobre Navios Portugueses nos Séculos XV
e XVI” com data de publicação de 1872. Reformou-
em desenho e música. Aos 12 anos, com- cos, como também viria a ser proibida a -se da Marinha em CMG, em 25 de maio de 1912.
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pôs a sua primeira obra Pensée Musicalé. sua execução em atos ofi ciais ou solenes . Por fi m, entre outros cargos de relevo exercidos na
Após o colégio, estudou Artes, em A semente havia caído em boa terra, mas sociedade civil, foi também presidente da Acade-
mia de Ciências de Lisboa. Para uma leitura mais
Nuremberga, onde teve aulas com per- seria necessário esperar para que se pudes- detalhada da sua biografi a, vide O½®ò®Ù, LÊĽ
sonalidades importantes do mundo sem colher bons frutos. Neste senƟ do, no (coord.) – Portugal século XX: portugueses céle-
bres, Círculo de Leitores, Lisboa, 2003.
arơ sƟ co. âmbito da Implantação da República, A Por- 9 Cfr. A Portuguesa”, in O Ocidente, 21 de Março de
Apesar de Alfredo Keil signifi car, para tuguesa – ressurgida, espontaneamente, na 1890, p. 68.
a maioria dos portugueses, apenas voz do Povo – e a Bandeira Nacional acaba- 10 Idem.
o compositor do Hino Nacional, este ram por fi gurar como o motor da transfor- 11 RÃÊÝ, Rç®, “O cidadão Keil: ‘A Portuguesa’ e a
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luso-alemão foi, também, escritor, fotó- mação de um novo país . cultura do patrioƟ smo cívico em Portugal no fi m
do século XIX”, in Alfredo Keil 1850-1907, António
grafo, poeta, colecionador de obras de Vigorando como símbolo nacional, de Rodrigues (coord.), Ministério da Cultura, Lisboa,
arte e pintor. facto, desde 5 de outubro de 1910, de 2001, p. 486.
Embora a Portuguesa e a Bandeira Nacional se
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iure, apenas o viera a ser a parƟ r de 19 de tenham converƟ do nos polos fundamentais da repu-
junho de 1911, por via da sua aprovação, blicanização, as alterações idenƟ tárias de rutura
valor coleƟ vo. Podendo ser esta a explica- enquanto tal, na Assembleia ConsƟ tuinte. com o passado foram bem mais amplas. Assim,
logo nos dias seguintes ao 5 de outubro, o Governo
ção histórico-políƟ ca a si inerente, na rea- Divulgado e conhecido por todo o país ao Provisório decretou que as palavras Real ou Coroa
lidade, os factos mostraram-se verdadeira- longo dos anos subsequentes, mormente seriam omiƟ das ou, no seu lugar, passariam a cons-
tar as palavras República, Nacional ou Portugal (v.g.
mente espontâneos. por via da oralidade, o Hino Nacional rapi- Procuradoria-Geral da República, Biblioteca Nacio-
Atentando nos relatos coevos – em espe- damente conheceu múlƟ plas variantes nal, Banco de Portugal, Conservatório de Lisboa,
cial, no periódico O Ocidente, de 21 de interpretaƟ vas. Para obstar a tais conse- Academia das Ciências, Academia de Belas-Artes,
estradas nacionais, entre outros). De igual modo
março de 1890 – julgamos ser possível quências nefastas, em 1956 o poder exe- foi prontamente insƟ tuído um sistema próprio de
reconstruir a sua história com considerá- cuƟ vo nomeou uma comissão de especia- festas e comemorações em que foram declarados
novos feriados nacionais e suprimidos outros. Sobre
vel fi dedignidade. Considerando o aludido listas para que se estudasse e fi xasse uma o assunto, vide RÃÊÝ, Rç®, “A estranha morte da
texto informaƟ vo, tudo se houvera recon- versão ofi cial de A Portuguesa. Depois Monarquia em Portugal”, in História de Portugal,
direção de José MaƩ oso, vol. VI, Círculo de Leitores,
duzido à noite de 12 de janeiro de 1890. Por de alguns meses de trabalho, através 1993, pp. 421 e ss.
certo inspirados pelos brados patrióƟ cos da resolução do Conselho de Ministros,
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