Page 30 - Revista da Armada
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                  REVISTA DA ARMADA | 552


                                                                VIGIA DA HISTÓRIA                             118





                                                                COMUTAÇÃO


                                                                DE PENAS





                                                                 á por diversas vezes aqui se referiu que entre os portugueses que
                                                                Jse iam fi xar, ou prestar serviço, nos diversos territórios ultramarinos
                                                                sob jurisdição portuguesa, grande número deles, ou eram presos reco-
                                                                lhidos nas diversas prisões do Reino, ou eram compelidos, de forma
                                                                arbitrária a ali prestarem serviço, recrutamento esse que, na linguagem
                                                                da época se designava por “arrebanhados” ou “presos para o serviço
                                                                da Coroa”; sucedia igualmente, com bastante frequência, seguirem
                                                                também os condenados a degredo, muitas das vezes, por toda a vida.
                                                                 IdênƟ ca situação ocorria quanto ao serviço a bordo, quer quanto
                                                                às viagens de ida, mas mais em especial para as viagens de regresso
                                                                desses territórios.
                                                                 É, pois, bastante natural que muitos desses homens tentassem, a
                                                                todo o custo, regressar ao Reino, mesmo que para isso Ɵ vessem de
                                                                se sujeitar ao serviço de bordo.
                                                                 A uƟ lização de degredados e condenados para o serviço de bordo
                                                                conheceu, no Brasil, um “pico” nos fi nais do séc. XVIII e no início do
                                                                séc. XIX, devido a grande escassez de gente interessada em embarcar.
                                                                Nada mais natural do que o capitão de um navio com falta de gente,
                                                                quer por moƟ vo de doença, quer por falecimento ou ainda por deser-
                                                                ção, procurasse arregimentar um qualquer interessado em embarcar
                                                                que se lhe apresentasse, isto apesar dos eventuais problemas que lhe
                                                                poderia vir a causar no decurso da viagem, em especial os de natureza
                                                                disciplinar.
                                                                 As autoridades locais, por seu lado, aparentemente sem grandes
                                                                problemas, procuravam esƟ mular esses embarques com a aliciante da
                                                                comutação das penas a que os degredados haviam sido condenados,
                                                                na condição de embarcarem nos navios que dali saíam para o Reino,
                                                                situação essa que, como seria de esperar, agradava, e de que maneira,
                                                                à maioria dos abrangidos.
                                                                 É por demais evidente que a resolução adoptada se por um lado
                                                                resolvia um problema, por outro criava outros que, por vezes, assu-
                                                                miam caracterísƟ cas de anedota, como aquela situação que o juiz
                                                                                        1
                                                                encarregado da visita do ouro  aos navios chegados a Lisboa, em
                                                                carta escrita em Lisboa em 29 de Agosto de 1801, relatava ao Inten-
                                                                dente Pina Manique.
                                                                 Referia ele que a práƟ ca de se comutarem as penas levava a que
                                                                muitos dos condenados não cumprissem as penas a que haviam sido
                                                                condenados, situação já de si inaceitável, como até já lhe sucedera,
                                                                com um tal barbeiro Vicente Salas que viera do Brasil, para onde
                                                                Ɵ nha sido condenado a desterro na sequência de o ter prendido, e
                                                                que voltara de novo a prender por tornar a infringir a Lei.

                                                                                                          Cmdt. E. Gomes


                                                                Nota
                                                                1  A visita do ouro era uma inspecção efectuada, em Lisboa, à chegada dos navios mercantes,
                                                                para detectar eventuais casos de contrabando de ouro.
                                                                Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino CU 035 cx. 13 doc. 1073

                                                                N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co


              30   JUNHO 2020
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