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REVISTA DA ARMADA | 554


               ESTÓRIAS                                                                                        62





























                QUE TAL ESTÁ LÁ EM CIMA?






                 s submarinos foram feitos para navegar em imersão. É contra-  Só depois as galochas. No fim as luvas. Como o interior do subma-
              Onatura navegar com um submarino à superİ cie. Mas alturas há   rino geralmente era quenƟnho, nesta fase já se estava a transpirar.

              em que não  se consegue escapar a esse desƟ no.       Esta operação poderia ser precedida de uma viagem à propul-

               Com o submarino à superİcie, para além do enjôo, alguns ele-  são mecânica, pois aí era o local onde a roupa era deixada a secar
              mentos da guarnição ainda são sujeitos a outros tormentos, sobre-  quando no quarto anterior se Ɵ nha apanhado muita água, por ser
              tudo no inverno.                                    o local mais quente de bordo. E a roupa que lá era deixada poderia

               Normalmente, nos trânsitos à superİcie, os geradores encontra-  ser apenas o fato impermeável e as galochas, nas situações mais cal-
              vam-se a trabalhar à carga máxima. Nesta situação, nos submarinos   mas, ou tudo, inclusive as cuecas, quando o mar e a chuva estavam
              da classe Albacora, o ar para os alimentar era aspirado pela torre,   mais agrestes.
              passando pelo posto de controle e pelo corredor higiénico, até ser   O desânimo surgia quando, durante o processo de montagem
              finalmente sugado pelo motor do gerador, já na propulsão mecâ-  da roupa se via passar o vigia que saía de quarto já sem as suas

              nica. Como tal, mesmo nos dias quentes de verão, no posto de con-  camadas. Normalmente isso signifi cava  que  Ɵnha ido deixar a

              trole fazia sempre frio. Nas noites de inverno do norte da Europa,   roupa a secar na propulsão.

              ficava um ambiente glacial. Por isso, o pessoal de quarto ao posto   Nestas ocasiões o diálogo era simples e curto:

              de controlo Ɵnha que se agasalhar bem, não sendo incomum ver o   – “Que tal está lá em cima?”
              chefe de posto de controlo envergar o capote de abafo, com o capuz   – “Está mau, chefe.”


              colocado, e embrulhado em cartões, numa vã tentaƟva de retardar   ExisƟa ainda uma outra variante do suplício de Tântalo, que
              o inevitável arrefecimento corporal.                consisƟa em não subir imediatamente para a ponte após entrar


               Mas na ponte ainda era pior. O oficial de quarto e o vigia estavam   de quarto, mas em ficar a marinar no posto de comando, a ver a


              sujeitos à temperatura exterior, ao vento, à chuva se a houvesse,   hora faơdica de ter de aparelhar e subir a aproximar-se inexora-
              e ainda às ondas, quando o mar estava mais alterado. Em certas   velmente, repeƟndo-se tudo o que foi anteriormente descrito.



              ocasiões, ainda podiam ser lavados por baixo, pois o mar entrava   Felizmente Ɵve a sorte da maioria dos oficiais que me acompa-
              pelas aberturas inferiores do casco exterior, e subia pelas escadas   nhavam no quarto serem fumadores. Como tal, muitas vezes não

              de acesso pelo exterior até ao paƟm da torre. Para piorar tudo, o   se importavam de suportar as agruras do exterior para poderem
              espaço era exíguo pelo que nem dava para caminhar um pouco,   usufruir do prazer do tabaco.
              para aquecer.
               Fazer o quarto da alva  nestas circunstâncias era um suplício. Esta                        Mamede Alves
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              é a altura do dia em que normalmente se aƟnge a temperatura                                         CFR
              mínima. Além disso imaginem estar a dormir confortavelmente e   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co

              quenƟnhos, e serem acordados cerca dos 15 minutos para as 4 horas
              da manhã. Levantam-se, lentamente começam a despertar para a
              vida, e se vos calhar ser o primeiro a subir para a ponte , começam a   Notas
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              cobrir-se de camadas de roupa, quase como as saias das nazarenas:   1  Quarto das 4 às 8 da manhã.
              por cima da roupa que já têm vesƟda começam por envergar uma   2  Cada quarto Ɵnha 2 oficiais. Um permanecia no posto de comando e o outro na



              sweatshirt, depois um casaco, a seguir a camisola de lã da ordem,   ponte, dividindo o período do quarto entre cada um dos locais.
                                                                      Nome dado a um fato seco existente a bordo. Pertencia à dotação de bordo, pelo
                                                                    3
              depois o preservaƟ vo . Seguidamente, um cachecol ou trapos enro-  que não era de uso individual.
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              lados a volta do pescoço. Depois as calças e o casaco impermeável.
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