Page 30 - Revista da Armada
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                  REVISTA DA ARMADA | 552


                                                                VIGIA DA HISTÓRIA                             119





                                                                PORTUGUÊS


                                                                SUAVE





                                                                  esengane-se o eventual leitor mas, contrariamente ao que o ơ tulo
                                                               Dpoderá sugerir, o assunto que hoje pretendo aqui apresentar nada
                                                                tem a ver, de qualquer forma, com o tabaco.
                                                                 O recurso ao nome de uma marca portuguesa de tabaco ocorreu-

                                                                -me como forma de caracterizar um Ɵpo de pessoas que estão sem-
                                                                pre atentas, como hoje se diria, a qualquer janela de oportunidade
                                                                que lhes possibilite o enriquecimento rápido, mesmo quando tal se
                                                                traduza em grande prejuízo de outros e seja levado a cabo de forma
                                                                manifestamente ilegal.
                                                                 Como já aqui, por diversas vezes, se referiu, um dos principais pro-

                                                                blemas com que a navegação portuguesa, pelos finais do séc. XVIII,
                                                                se deparava, decorria dos assaltos levados a cabo pelos corsários, em
                                                                especial de nacionalidade francesa, que actuando nas proximidades
                                                                dos portos portugueses atacavam a navegação, tanto a nacional como
                                                                a estrangeira, que demandavam ou largavam desses portos.
                                                                 Um dos aspectos curiosos que se recolheram nos relatos desses ata-
                                                                ques é o de uma  aparente dualidade de actuação desses corsários;
                                                                enquanto nuns casos se limitavam a saquear a carga e, por vezes, parte
                                                                do equipamento dos navios atacados, noutros, para além do saque da
                                                                carga, espoliavam os tripulantes de todos os seus bens, inclusive da pró-

                                                                pria roupa que vesƟam, chegando para isso a agredi-los, muitas vezes de
                                                                forma extremamente violenta, por forma a que estes revelassem onde
                                                                eventualmente haviam escondido os seus bens, sendo depois, com fre-
                                                                quência, abandonados nus em qualquer lugar da costa.
                                                                 Tão diferentes actuações, que eventualmente poderiam ser jusƟfi ca-

                                                                das pela diversa índole dos atacantes, parecem contudo ter uma outra


                                                                jusƟficação bem mais plausível, jusƟficação essa que o Intendente Pina


                                                                Manique, em carta que dirigiu, em 18 de Novembro de 1798, ao Secre-
                                                                tário D. Rodrigo de Sousa CouƟnho, indica claramente qual fosse.

                                                                 Na carta em causa escreve Pina Manique o seguinte:
                                                                 “Consta também que alguns navios de comércio portugueses têm
                                                                inteligência com os corsários franceses e que muito de propósito se

                                                                lhes entregam voluntariamente por pacto parƟcular em que se ajus-
                                                         Retrato de Pina Manique – Ofi  cina Portuguesa do século XVIII-XIX
                                                                tam para roubarem, por este modo, por uma parte a Companhia onde
                                                                seguram o navio e a carga, em muito mais do seu valor, e por outro o
                                                                prémio que convencionaram com os interessados no corsário francês.

                                                                 Isto que refiro a V. Exª, se conhece das averiguações a que me dei
                                                                proceder e me dá parte, que nomeei, para executar as Reais ordens de
                                                                Sua Majestade e que V. Exª me parƟ cipou“.
                                                                 Até hoje não encontrei qualquer indicação de que alguém, envol-

                                                                vido em tal acƟvidade, tenha sido objecto de qualquer sanção, ou
                                                                até mesmo invesƟgação, mas se eventualmente tal tenha alguma vez

                                                                sucedido, não deverá ter sido suficiente para fazer cessar a existência

                                                                dos dois tão diferentes Ɵpos de actuação dos corsários franceses, os

                                                                quais conƟnuaram a verifi car-se.


                                                                                                          Cmdt. E. Gomes
                                                                Fonte : Arquivo Histórico Ultramarino Maços do Reino cx. 197 pasta 14
                                                                N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co

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