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REVISTA DA ARMADA | 555
O “Santo António” visto pela amura de BB. O “São Paio” no exterior do Museu de Exeter.
1965-1966 no Furadouro. A decadência veio no úlƟ mo quartel do enfrentarem a rebentação assassina do AtlânƟ co Norte) não usam
séc. XX. Não tão esmagadora como a da “Xávega” algarvia, mas, leme, nem instrumentos, nem cartas, nem portos…!
em todo o caso, fez-se senƟ r. E assim se chegou ao presente. No seguimento da movimentação das comunidades locais e dos
próprios pescadores (que em 2013 criaram uma associação repre-
COMBATENDO A DECADÊNCIA sentaƟ va, a nível nacional, com sede na Praia de Mira), o Governo
criou a 07 de Janeiro desse ano uma Comissão de Acompanha-
A “Xávega”, do Algarve, agonizou desde os anos 70 do séc. XX, mento, na Direção Geral de Recursos do Mar (do Ministério do Mar)
asfi xiada pelo turismo e especulação imobiliária, e está hoje quase e a Assembleia da República aprovou, a 07 de Junho, a Resolução
completamente exƟ nta; mas a “Arte” da Beira Litoral, agora ofi - n.º 93/2013 (D.R. 08.07.2013) em que recomenda ao Governo a
cialmente dita “Arte-Xávega”, conƟ nua viva, pois é praƟ cada por valorização desta arte e o seu enquadramento, no futuro, num
muitas centenas de homens e mulheres, com as suas famílias no “regime derrogatório para artes de pescas imemoriais”, devido às
litoral oeste conƟ nental – quer recorrendo às belas e inconfundí- “especifi cidades desta arte ancestral”. O signatário integrou essa
veis embarcações em forma de “meia-lua” das praias de Espinho Comissão de Acompanhamento na qualidade de observador/con-
até à Vieira (agora centrada na Praia de Mira, anƟ gamente no Fura- vidado por presidir ao CEMAR. A dita Comissão produziu, em Junho
douro), quer com embarcações mais polivalentes e incaracterísƟ cas de 2014, um “Relatório de Caracterização da Pesca com Arte-Xá-
na Costa de Caparica (para onde foi levada desde a Beira Litoral). vega”, o momento mais marcante do esforço colecƟ vo para se sal-
Seria necessária uma inteligente junção de esforços para todos var este Ɵ po de pescas tradicionais portuguesas [vide hƩ ps://drive.
trabalharmos pela sobrevivência e salvaguarda deste invulgar Ɵ po google.com/fi le/d/0B2xiUdRpMxk6SWxYbEkwSVdid00]. O texto
de pesca no mar, único no mundo, em que estes pescadores portu- “ASPECTOS HISTÓRICOS DAS COMUNIDADES DOS PESCADORES
gueses (tecnicamente “surfi stas” e de uma coragem denodada ao DA ARTE -XÁVEGA”, que consƟ tui o respecƟ vo Anexo I, é da res-
ponsabilidade do signatário.
REPTO DA CLASSIFICAÇÃO
Esta pesca portuguesa de cerco e alar para terra no grande Mar
Oceano Ocidental é uma realidade humana, sociológica, tecnoló-
gica e civilizacional absolutamente única e fascinante, que não tem
equivalente em qualquer outra parte da Europa e do Mundo; seria
um enorme crime deixá-la morrer. Em Dezembro de 2012 foi feita
pelo CEMAR, na Praia de Mira, a proposta pública de que Portugal
venha a avançar a candidatura desta sua heróica faina a Patrimó-
nio Cultural Imaterial da Humanidade, na UNESCO.
Na sua pobre essencialidade, julgamos que ela é a mais emble-
máƟ ca da Cultura Popular MaríƟ ma Portuguesa, e ilustraƟ va da
secular familiaridade dos Portugueses com o Mar. É um dos exem-
plos visualmente mais marcantes, e culturalmente mais signifi ca-
Ɵ vos – e, por isso, desde sempre, mais invocados e mais uƟ lizados
como cartaz turísƟ co e como paradigma – da Etnografi a, da Histó-
ria e da IdenƟ dade Nacional deste país.
Tão pobre. E, no entanto, o verdadeiro símbolo, da verdadeira
elegância, na paisagem geográfi ca e humana portuguesa. É preciso
salvá-la, ou, como antes havia dito Paulo Rocha, “erguer um monu-
mento à sua glória”.
Alfredo Pinheiro Marques
Director do Centro de Estudos do Mar Luís de Albuquerque-CEMAR
(Figueira da Foz - Praia de Mira)
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
24 SETEMBRO/OUTUBRO 2020