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REVISTA DA ARMADA | 555


              A ARTE-XÁVEGA DA BEIRA LITORAL


              E AS SUAS EMBARCAÇÕES






              O Ɵ po de pesca artesanal e heróica que sobrevive na Beira Litoral, de Espinho e Ovar até Pedrógão e Vieira, hoje chamado ofi cial-
              mente “Arte-Xávega” (e, até recentemente, muitas vezes erroneamente chamado “Xávega”), é uma arte de cerco e alar para terra,
              herdeira da que, nos séculos passados, foi chamada “arte de arrasto para terra”, ou simplesmente “Arte”, quer pelos próprios pes-
              cadores, quer por quem melhor e mais pioneiramente os estudou, ConstanƟ no Botelho de Lacerda Lobo em 1812, ou o CMG António
              Arthur Baldaque da Silva em 1891.


              QUESTÕES TERMINOLÓGICAS

                 hamar “Xávega” a este Ɵ po de pesca – como se chamava no Algarve a uma outra relaƟ vamente parecida
              C(também, muitas vezes, de arrasto para terra, mas bastante diferente, com redes muito mais pequenas, com
              embarcações totalmente disƟ ntas, com lances às vezes para a embarcação e não para terra, etc.) – é um erro que
              foi massifi cado através da simples via burocráƟ ca da normalização da terminologia para efeitos administraƟ vos
              e fi scais, e depois ganhou ofi cialização “cienơ fi ca”, mais presƟ giada, em Lisboa, a parƟ r dos círculos do Museu
              de Etnologia, cujos autores falharam em relação a esta matéria da “Arte” da Beira Litoral, deixando-a contaminar
              pelas pescas aparentadas da “Xávega” algarvia (oriunda de Málaga e do sul).
               Esse erro, apesar de um ou outro autor local e/ou mais sabedor não o ter nunca aceitado (caso do CMG Fernando
              Alberto Gomes Pedrosa, ou de Ana Maria Lopes, em Ílhavo, ou de Maria Adelaide Godinho Arala Chaves,
              no verdadeiro centro da irradiação anƟ ga deste Ɵ po de pesca, o Furadouro-Ovar), havia-se no entanto
              espalhado e generalizado ao longo do séc. XX, e estava a ser cada vez mais repeƟ do (até entre
              os próprios pescadores, os menos velhos…), por causa de ser massifi cado pela aculturação
              devida à documentação ofi cial, e ao eco dos invesƟ gadores, publicistas e jornalistas. Para
              além, claro, da escola ofi cial de pesca, que, em Lisboa, durante décadas, “ensinou” aos
              pescadores mais novos que a pesca e a rede a que os seus pais e avós na Beira Litoral
              chamavam só “arte” se chamava, em vez disso, “xávega”, como no Algarve...
               A correcção, remetendo não só para o testemunho dos pescadores mais velhos
              mas também para a autoridade dos autores mais anƟ gos e de mais indubitável
              competência que haviam estudado e publicado sobre a matéria (sobretudo o
              CMG Baldaque da Silva), foi feita a parƟ r dos anos 90 do séc. XX por mem-
              bros do Centro de Estudos do Mar Luís de Albuquerque (CEMAR),
              na Figueira da Foz e Praia de Mira, sobretudo João
              Pereira Mano e o autor destas linhas.






























              Um Barco do Mar mais recente, de dois remos, da Praia de Mira: o “São José” do arrais José Monteiro (fotografi a em LOPES, Helena; LOPES, Paulo Nuno, A Safra,
              Lisboa: Livros Horizonte, 1995).



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