Page 4 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 556


                               COVID-19


                     E A RESILIÊNCIA






              “A crisis is a terrible thing to waste”, Paul Romer

                 o arƟ go do mês passado, constatou-se   ameaças híbridas procuram excluir deli-  comunicado ofi cial, como num documento
              Nque as ameaças híbridas se têm inten-  beradamente o envolvimento das  forças   específi co subscrito pelos chefes de Estado
              sifi cado durante a corrente pandemia.   armadas, mantendo a confrontação abaixo   e de Governo, inƟ tulado  precisamente
              Como estas visam desgastar e enfraquecer   do limiar do confl ito e fazendo-a incidir em   Compromisso para melhorar a resiliência.
              as sociedades,  İ sica e psicologicamente,   áreas que não se enquadram nos domínios   Nesses documentos, reconhece-se que
              mantendo o nível de atuação abaixo do   militares tradicionais.       a resiliência é a base de uma dissuasão e
              limiar do confl ito, concluiu-se que as   De facto, o objeƟ  vo principal dos atores   de uma defesa credíveis, salientando-se
              ameaças híbridas são, de certa forma,  a   híbridos consiste em afetar a vontade da   a sua importância perante ciberataques
              conƟ nuação da guerra por outros meios,   população e a credibilidade do  governo,   ou ataques terroristas, sobretudo quando
              invertendo, assim, a máxima Clausewit-  causando um desgaste cumulaƟ vo  nos   integrados em contextos híbridos. Importa
              ziana de que a guerra é a conƟ nuação da   pilares da sociedade, minando a coesão   referir que a resiliência se enquadra no
              políƟ ca por outros meios.         social e difi cultando o desenvolvimento   art.º 3.º do Tratado de Washington, que
               Interessantemente, as ameaças híbridas   económico e o bem-estar. Dessa forma,   estabelece que os aliados “manterão e
              convocam outro conceito do grande estra-  a resposta às ameaças híbridas passa por   desenvolverão, […] tanto individualmente
              tegista alemão: o da trindade da guerra.   aumentar a capacidade de absorver cho-  como em conjunto, […] a sua capacidade
              Com efeito, Clausewitz via a guerra como   ques e de recuperar rapidamente – ou seja,   individual e colecƟ va para resisƟ r a um
              uma “maravilhosa trindade” consƟ tuída   passa por aumentar a resiliência nacional.   ataque armado”. Neste quadro, a NATO
              por três elementos:                 A resiliência é a capacidade de uma   defi niu sete requisitos base da resiliência
               (1) a paixão,                     sociedade para resisƟ r e recuperar com   de cada país, idenƟ fi cados na tabela que
               (2) as probabilidades, e          facilidade de choques que causem grande   acompanha este arƟ go.
               (3) a razão.                      impacto, como ataques armados ou híbri-  RelaƟ vamente à UE, esta desenvolveu
               Segundo Clausewitz o primeiro elemento   dos, calamidades (sismos, cheias, incên-  o seu conceito de resiliência em paralelo
              está ligado à população (cuja paixão sus-  dios ou riscos biológicos) ou falhas de   com o de ameaças híbridas e como res-
              tenta as guerras), o segundo às  forças   infraestruturas críƟ cas. A resiliência de um   posta a estas. Assim, o Quadro comum em
              armadas (que procuram, com a sua com-  país assenta em dois pilares essenciais:   matéria de luta contra as ameaças híbri-
              petência, explorar todas as probabilidades   •  Preparação do setor civil (designada   das – Uma resposta da União Europeia,
              em seu favor) e o terceiro ao governo (que   em inglês como  civil preparedness e em   aprovado em abril de 2016, idenƟ fi cou os
              procura, de forma racional, que a guerra   francês como préparaƟ on du secteur civil),   seguintes eixos de atuação, no âmbito da
              tenha um objeƟ vo ou um propósito).   que consiste na capacidade de assegurar   resiliência:
               Ao longo da história militar, a maioria dos   a conƟ nuidade das funções essenciais do   •  Proteção das infraestruturas críƟ cas,
              confl itos envolveu, sobretudo, os governos   Estado, em tempo de paz ou de crise; e  nomeadamente redes de energia,
              e as forças armadas, sendo que apenas nas   • Capacidade militar, i.e., capacidade de   transportes, cadeias de abastecimento
              guerras de grande envergadura a popula-  aguentar e de ultrapassar choques estraté-  e infraestruturas espaciais;
              ção foi mais diretamente envolvida.   gicos que afetem, de forma críƟ ca, a capa-  • Proteção das capacidades de defesa;
               Já no caso das ameaças híbridas, a popu-  cidade de conduzir operações militares   •  Proteção da saúde pública e da segu-
              lação é exatamente o alvo primário, pro-  com sucesso.                  rança dos alimentos; e
              curando-se afetar a sua coesão e unidade,   Na NATO, o conceito de resiliência sur-  •  Proteção da componente cibernéƟ ca
              bem como a sua confi ança  no  governo.   giu pela primeira vez, de forma pública,   dos sistemas industrial, energéƟ co,
              Verifi ca-se, até, a singularidade de que as   na cimeira de Varsóvia, em 2016, tanto no   fi nanceiro e de transportes.

















               Módulo Sanitário, montado no Campus de Saúde Militar. As capacidades sanitárias das Forças Armadas contribuem para o 5.º requisito base da resiliência nacional.



              4    NOVEMBRO 2020
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