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REVISTA DA ARMADA | 557
pobreza e o desemprego, criando as con-
dições para um possível aumento dessas
aƟ vidades ilícitas. Complementarmente,
está a verifi car-se também uma diminui-
ção da capacidade de muitos Estados em
combater essas ameaças, uma vez que
as suas preocupações e recursos estão
centrados no combate à pandemia.
Cabe aqui referir que todas essas amea-
ças têm expressão no domínio maríƟ mo,
sendo que a falta de vigilância maríƟ ma
propicia ainda outras aƟ vidades ilícitas,
como a pesca ilegal, não declarada ou
não regulamentada.
3) Aumento da frequência e da intensidade
das calamidades naturais e dos riscos
biológicos
A COVID-19 foi apenas mais um alerta
para os perigos da degradação da rela- Navio-hospital “Comfort”, da Marinha Americana, a entrar em Nova Iorque, para apoiar os esforços sanitários,
ção do Homem com a Natureza. EfeƟ - durante a pandemia de COVID-19.
vamente, ao invadir habitats até aqui
sem presença humana, o homem está a de segurança, com a NATO à cabeça. Ainda necessário e quando os meios navais não
aumentar a proximidade a animais que neste quadro, os países não deixarão de estão empenhados noutras tarefas, para
são vetores de doenças, aumentando acautelar a sua autonomia estratégica, para serem encaradas como missões integrantes
bastante a probabilidade de ocorrência, a qual contribuem meios como fragatas do núcleo do poder naval. Neste quadro,
por exemplo, de surtos virais. As próprias (que são a base da esquadra de qualquer importa realçar que os arquipélagos dos
alterações climáƟ cas estão a trazer inse- nação maríƟ ma e o meio fundamental para Açores e da Madeira têm sido historica-
tos que transmitem doenças, como a assegurar o controlo do mar nos respeƟ - mente fusƟ gados por recorrentes catástro-
malária, o dengue, a febre amarela e o vos espaços maríƟ mos), submarinos (que fes naturais, que deram origem a frequen-
zika, para áreas onde não são endémicos possuem um extraordinário potencial de tes missões de assistência humanitária e de
e durante períodos cada vez mais alarga- dissuasão) e navios-reabastecedores (que apoio a emergências civis.
dos. Além disso, as alterações climáƟ cas garantem autonomia de atuação no mar).
têm vindo a provocar um aumento na A segunda dinâmica remete para uma REFLEXÃO FINAL
frequência e na severidade dos desas- maior prioridade para as missões de segu-
tres naturais, com parƟ cular incidência rança maríƟ ma, apontadas ao combate ao Para concluir, gostava de deixar uma refl e-
no litoral. terrorismo, à proliferação de armamento, xão fi nal, ligada a uma situação bastante
ao narcotráfi co, às redes de migração irre- paradoxal. EfeƟ vamente, por um lado,
TRÊS LINHAS DE FORÇA PARA gular, à pirataria maríƟ ma e à pesca ilegal, antecipa-se uma grande pressão sobre os
O PODER NAVAL não declarada ou não regulamentada. Essa orçamentos de defesa, fruto da crise eco-
necessidade de reforçar a segurança marí- nómico-fi nanceira resultante da pandemia.
Estas dinâmicas, no atual contexto de pan- Ɵ ma implicará, também, o robustecimento Recorde-se que, após a crise fi nanceira de
demia, devem merecer um olhar atento dos mecanismos de cooperação entre os 2008, os governos europeus reduziram
sob a perspeƟ va do poder naval. Nesta diversos atores envolvidos na segurança os orçamentos de defesa entre 8%, nos
óƟ ca, importa começar por sublinhar que maríƟ ma, pois os desafi os que se colocam maiores países, e 30%, nos mais pequenos,
a COVID-19 está a ter um impacto negaƟ vo no mar possuem um carácter reconheci- sendo que só em 2014 é que esses orça-
no recrutamento militar, no treino e na dis- damente transversal. Além disso, a impor- mentos começaram a recuperar, devido
ponibilidade dos meios, que não deixará de tância da segurança maríƟ ma em espaços à manifesta degradação do ambiente de
afetar a capacidade de atuar no mar. Feito onde a capacidade de atuação é mais débil, segurança. Por outro lado, as crises sani-
este reparo, irei então abordar, de forma como o Golfo da Guiné ou a costa oriental tária e social, que vão acentuar a insegu-
naturalmente breve, três linhas de força de África, aconselhará ao reforço das mis- rança geral, contribuirão para aumentar os
que poderão caracterizar o poder naval no sões de capacitação maríƟ ma e de treino, empenhamentos das marinhas no quadro
pós-pandemia. nos países dessas regiões. das organizações internacionais, da segu-
Assim, assumindo que os países ocidentais A terceira dinâmica obriga a valorizar, cada rança maríƟ ma e de missões de assistência
conseguem ultrapassar, de vez, a falta de vez mais, as missões de assistência humani- humanitária e resposta a catástrofes.
solidariedade patenteada na primeira vaga tária e de apoio a emergências civis, até por- O futuro ditará a resultante destas tendên-
da pandemia e que a gestão da produção e que as forças navais possuem caracterísƟ cas cias, aparentemente contraditórias, sendo
da distribuição das vacinas não compromete disƟ nƟ vas (como a pronƟ dão, a mobilidade, que é nestas circunstâncias complexas que
(novamente) a coesão ocidental, então é a autonomia e a fl exibilidade), que as tor- o planeamento estratégico se torna essen-
de esperar que a dinâmica confrontacional nam extremamente úteis nessas situações. cial, como instrumento de priorização da
acima referida leve a um reforço do treino No presente e no futuro, essas missões alocação dos recursos escassos do País.
para operações de alta intensidade e a um devem deixar de ser encaradas como uma
maior empenhamento no âmbito das orga- espécie de bónus que as marinhas disponi- Sardinha Monteiro
nizações estruturantes da nossa arquitetura bilizam para apoio à proteção civil, quando CMG
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