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REVISTA DA ARMADA | 560

              que difi cilmente conseguirá encontrar esta ilha em pleno oceano
              sem um método rigoroso de navegação aérea.
               Em Portugal, foi sobretudo o entusiasmo causado pelo pro-
              tagonismo do país, na primeira travessia aérea do AtlânƟ co
              pelos Americanos (em aeronaves NC), que tornou a aviação
              num tema muito aliciante para a opinião pública. Augusto de
              Castro, o novo diretor do  Diário de Noơ cias,  vai aproveitar
              bem esta tendência lançando, com grande destaque, em julho
              de 1919, um desafi o aos aviadores portugueses para o pri-
              meiro raid Lisboa-Guiné. A parƟ r daqui e até outubro, o Diá-
              rio de Noơ cias vai publicar diariamente noơ cias de primeira
              página sobre este repto, o que entusiasmou bastante todos os
              aviadores do Exército e da Marinha.
               Na Aviação Naval, os tenentes Pedro Rosado e Santos
              Moreira consƟ tuíram uma equipa para tentar o voo à Guiné.
              Sacadura Cabral, ciente que não seria possível efetuar em
              1920 o voo ao Brasil, começa a desviar o foco do seu interesse
              para este novo desafi o e consƟ tui também uma equipa com o
              2TEN Azevedo e Silva. Aproveitando os preços vantajosos da
              venda dos stocks de guerra britânicos, vai-se conseguir obter
              autorização para adquirir dois hidroaviões Felixstowe F3 para
              se tentar o voo à Guiné.


              VIAGEM CALSHOTLISBOA
               Após a aquisição, havia que modifi car as aeronaves e qualifi car
              as tripulações, pelo que só em maio de 1920 os hidroaviões Feli-
              xstowe 4017 e 4018 puderam voar para Portugal. A tripulação
              do 4017 foi composta pelo CTEN Sacadura Cabral, 2TEN Aze-
              vedo e Silva, Roger Soubiran e o 1MAR José Marreiros. O 4018
              foi tripulado pelo 1TEN Pedro Rosado, 1TEN Santos Moreira,
              1TEN EMQ Ernesto José da Costa e o 1MAR David dos Santos.
               ParƟ ram de Calshot (Southampton) em 8 de maio de 1920,
              para uma viagem  que acabou por ser algo atribulada devido à
              meteorologia adversa (obrigando as aeronaves a voar afastadas
              e com vento de frente, o que levou a alterações à rota e a ater-
              ragens separadas) e a avarias. A primeira paragem foi em Brest.
               No dia seguinte, de novo com más condições meteoroló-
              gicas, cada tripulação tomou uma rota diferente. O 4017 de
              Sacadura alternou para o CAM HourƟ n (França) e daqui para El
              Ferrol (Espanha), enquanto Pedro Rosado regressou novamente   blema do vento, foi criado em conjunto um calculador gráfi co, que
              a Brest, parƟ ndo posteriormente para Caminha. Por coincidên-  foi designado por “Plaquê do abaƟ mento”, e adotado um sistema
              cia, ambas as aeronaves amararam em Lisboa a 16 de maio, ape-  de medição de derivas mediante observação do desvio angular de
              nas com uma hora de diferença. Mas esta foi uma missão pla-  boias de fumo, lançadas ao mar.
              neada para três dias e que demorou oito.              Para obter linhas de posição astronómicas com rigor, seria então
               Na sequência desta viagem, o  raid  Lisboa-Guiné foi posto de   uƟ lizado o sextante anteriormente descrito. Gago CouƟ nho tam-
              lado, uma vez que calcularam que seria uma viagem de nove dias,   bém reformulou e simplifi cou os cálculos, para reduzir drasƟ ca-
              mais tempo do que demoraria um navio ronceiro, o que seria algo   mente o tempo de determinação das linhas de posição astronó-
              embaraçoso para a Aviação MaríƟ ma. Por outro lado, esta foi tam-  micas, pondo assim em práƟ ca um método inédito de pré-calculo
              bém a primeira grande viagem aérea de Sacadura Cabral e, de   de vários elementos a uƟ lizar em voo. Referindo-se a tal fato,
              alguma forma, reatou-lhe o projeto da viagem ao Brasil. Mas agora   escreveu em 1997 o Comandante Silva Soares: Estes trabalhos
              ganha força a inclusão duma escala em Fernando de Noronha, ou   conduziram à criação do que podemos defi nir como o primeiro
              seja, o sucesso deixou de estar dependente do desenvolvimento   “sistema integral de navegação aérea cienơ fi ca”, na História da
              de uma aeronave de grande alcance, para passar a depender do   Aviação. (...) Foi um trabalho plenamente inovador, que propor-
              desenvolvimento de um sistema de navegação aérea sufi ciente-  cionou um passo decisivo para tornar a Aviação defi niƟ vamente
              mente rigoroso para achar no mar a pequena ilha brasileira.  autónoma das referências terrestres.


              NASCE A NAVEGAÇÃO AÉREA                             A TENTATIVA DO CAVALEIRO NEGRO
               Uma aeronave desloca-se numa massa de ar que, invariavelmente,   Em outubro de 1920, dois aviadores da AeronáuƟ ca Militar, o
              tem movimento, e que afeta diretamente a sua trajetória, vulgar-  capitão Brito Pais e o tenente Sarmento de Beires, anunciam que
              mente designado por “vento”. A intensidade e direção do vento   estão a planear um raid à Madeira num Breguet XIV modifi cado
              variam com a alƟ tude, pelo que a simples observação do seu efeito   e pintado de preto, poeƟ camente chamado de Cavaleiro Negro.
              no mar não é sufi ciente para o seu cálculo. Para a resolução do pro-  Volta-se a animar a cena aeronáuƟ ca portuguesa.


              14   MARÇO 2021
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