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REVISTA DA ARMADA | 560

               O raid – uma arrojada iniciaƟ va recorrendo apenas a técnicas de   Durante o voo, o vento esteve sempre favorável e os navios que
              navegação esƟ mada – é tentado a 18 de outubro; os pilotos terão,   iam sobrevoando davam-lhes uma clara indicação que manƟ -
              eventualmente, alcançado a Madeira, mas a nebulosidade impediu-  nham a rota sobre a linha de navegação Lisboa-Madeira. Ao fi m
              -os de avistar o arquipélago e Ɵ veram de amarar junto a um navio   de 7h40m de voo e percorridas 530 milhas, amararam em segu-
              mercante, que os resgatou. Este voo foi algo aventureiro, já que não   rança na baía do Funchal. Nesta viagem foram obƟ das 15 retas de
              Ɵ nha sido autorizado pelo Ministro da Guerra, que inclusivamente   altura, em média uma linha de posição a cada meia hora. Com-
              manifestou a intenção de lhes aplicar uma punição disciplinar. Con-  parando o rigor das posições obƟ das entre o hidroavião e o navio
              tudo, o entusiasmo popular (muito incenƟ vado pelo Diário de Noơ -  mercante Porto, que naquele dia também navegava de Lisboa para
              cias) teve, como consequência, que acabassem por ser louvados.   a Madeira, inicialmente verifi cou-se um desvio de 5 milhas; mais
               Por esta altura Sacadura Cabral e Gago CouƟ nho estariam já a   tarde veio a apurar-se haver concordância completa, pois a dis-
              considerar efetuar uma viagem longa, para testar os seus métodos   tância contada a bordo do hidroavião fora feita a parƟ r do Bugio,
              de navegação. Este reavivar do interesse da opinião pública na avia-  enquanto a do Porto era indicada pelo odómetro que Ɵ nha sido
              ção, assim como a oportunidade de suplantar a rival do Exército,   posto na água em Cascais, depois de largarem o piloto.
              seguramente terá acelerado a decisão de se efetuar uma viagem
              aérea à Madeira.                                    O REGRESSO A LISBOA


              VOO LISBOAFUNCHAL                                    Durante os dias seguintes os tripulantes da aeronave foram
                                                                  agraciados com inúmeros eventos sociais, que foram retribuídos
               Nos fi nais de 1920 é então apresentado à Direção da AeronáuƟ ca   com voos de cortesia às elites madeirenses. O vento desfavorável
              Naval e ao Ministro da Marinha o planeamento de um voo até à   reteve-os no Funchal até ao dia 1 de abril e obrigou a que a via-
              Madeira num dos Felixstowe. Estes hidroaviões estavam colocados   gem de regresso se iniciasse a parƟ r de Porto Santo, para reduzir
              em Aveiro e, devido à falta de pessoal especializado, só nos fi nais de   a distância em 50 milhas. A primeira tentaƟ va foi efetuada no dia
              fevereiro de 1921 é que Pedro Rosado conseguiu aprontar o 4018,   4 de abril, mas após três horas de voo concluiu-se que não seria
              para iniciar voos de experiência à carga máxima. A tripulação seria   possível alcançar o conƟ nente e houve que regressar. Na manhã
              consƟ tuída por Sacadura Cabral, Gago CouƟ nho (navegador), OrƟ ns   de 6 de abril voltaram a tentar, descolando na direção da ilha.
              de BeƩ encourt (2.º piloto) e Roger Soubiran (mecânico de voo). Para   Durante a volta para evitar terra, a aeronave terá perdido altura
              navio de apoio foi indigitado o contratorpedeiro Guadiana, que lar-  e embateu violentamente no mar. Uma boia de fumo defeituosa
              gou de Lisboa rumo ao Funchal em 21 de março.       acabou por infl amar o combusơ vel derramado. Perdeu-se a aero-
               Sem aviso prévio à imprensa, o hidroavião descolou do Tejo às   nave no incêndio, mas não houve feridos. Regressaram todos a
              10h25m do dia 22 de março de 1921. Conta-nos Sacadura Cabral:    Lisboa no dia 8 de abril, a bordo do NRP Guadiana.
              “Uma vez no ar, e sem que possa explicar as razões, deixei de ter as   Mesmo com este acidente, a viagem teve boa projeção na
              naturais preocupações sobre o resultado da viagem. Uma confi ança   imprensa nacional e algumas referências na imprensa aeronáu-
              absoluta no sucesso se estabeleceu no meu espírito e entregando o   Ɵ ca internacional, porém não tão entusiásƟ ca como Ɵ nha sido a
              governo ao tenente BeƩ encourt, dei-me a gozar o soberbo espetá-  chegada dos NC-4 a Lisboa, ou até mesmo a tentaƟ va de Pais e
              culo de me senƟ r levado a 140 quilómetros à hora. (…) o espetáculo   Beires. Já na Marinha o reconhecimento foi grande, sobretudo do
              encantador de voar com bom tempo, entretendo-me a ver CouƟ nho   Ministro da Marinha Fernando Brederode, que para além de atri-
              atarefado a tomar alturas de empreitada, BeƩ encourt, consciente   buir louvores à tripulação do 4018, diligenciou também para que
              do seu papel de piloto, mantendo cuidadosamente o rumo e Soubi-  fossem condecorados com o grau de Ofi cial da Ordem Militar da
              ran ocupado a despejar latas de gasolina para o tanque de vante,   Torre e Espada, a mais importante Ordem Honorífi ca portuguesa.
              lamentando apenas ser proibido saborear as delícias de um cigarro”.
                                                                                     NA ONDA
                                       Chegada do Felixstowe F3 4018 ao Funchal em 22 de março de 1921.
                                                                                      A Aviação Naval estava nos píncaros e o
                                                                                     Ɵ ming e as circunstâncias eram as ideais
                                                                                     para Sacadura Cabral solicitar à tutela o
                                                                                     necessário fi nanciamento para a viagem
                                                                                     ao Brasil. Desta vez vai aliciar o poder
                                                                                     políƟ co com a perspeƟ va desta viagem
                                                                                     se efetuar em 1922 e consƟ tuir-se assim
                                                                                     como um relevante contributo de Portu-
                                                                                     gal para as comemorações do primeiro
                                                                                     centenário da independência do Brasil.
                                                                                     Obviamente que a proposta foi aceite.
                                                                                      Com a primeira viagem aérea Lisboa-
                                                                                     -Funchal, não só  fi cou  defi niƟ vamente
                                                                                     comprovada a efi cácia do primeiro sis-
                                                                                     tema integral de navegação aérea ciênƟ -
                                                                                     fi ca criado por Portugueses, como tal fato
                                                                                     permiƟ u que Sacadura Cabral assegu-
                                                                                     rasse a concreƟ zação da sua ambicionada
                                                                                     travessia Lisboa-Rio de Janeiro.

                                                                                                          BapƟ sta Cabral
                                                                                                                  CFR


                                                                                                        MARÇO 2021  15
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