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REVISTA DA ARMADA | 560
DR
O CARÁCTER PREJUDICIAL DA PASSAGEM derá, certamente, da apreciação do caso concreto, variando a pon-
deração de cada um dos dois elementos.
Além de estabelecer os interesses a defender, prioritariamente,
na perspecƟ va do Estado costeiro, o nº 1, do arƟ go 19º, concede Dr. Luís da Costa Diogo
um critério de aferição dos Ɵ pos de passagem, abordando a ques- Director Jurídico da DGAM
Dra. Inês Alves
tão no senƟ do da passagem que não seja prejudicial . Quanto Mestre em Química
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à sua qualifi cação, suscita-se a questão de saber se só será rele- CienƟ sta forense
vante quando da passagem advier um dano efecƟ vamente real, N.R. Os autores não adotam o novo acordo ortográfi co
ou basta, outrossim, que seja potencial? Ronziƫ defendia que
se deve entender por ambas as possibilidades. E entende-se que
assim seja: senão, poder-se-ia suscitar que efeitos prevenƟ vos ou Notas
práƟ cos teria uma intervenção do Estado costeiro já depois de 1 Ver desenvolvimentos desta matéria que aduzimos em “Direito Internacional do
ocasionados os danos. Isto é, fará senƟ do poder actuar somente Mar e Temas de Direito MaríƟ mo”, de 2000.
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O nº 1, do arƟ go 15º, da Convenção de Genebra sobre o mar territorial e a zona
depois de produzido o dano? Ao estar-se a tratar de um conceito conơ gua, aprovada na 1ª Conferência do Direito do Mar estatuía que “1. A soberania
que envolve os fenómenos da paz, segurança e de boa ordem do do Estado estende-se, para além do seu território e das suas águas interiores, a uma
Estado costeiro, há que poder actuar perante um cenário em que zona de mar adjacente às suas costas, designada sob o nome de mar territorial”.
Como é o caso da Zona Económica Exclusiva.
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o dano seja previsível e potencial, naturalmente sem recorrer ao 4 Neste âmbito de estudo, ver Marques Guedes, Lynce de Faria e o que defendemos
abuso de autoridade, sempre a evitar quando estão em causa na obra em questão de 2000.
mecanismos jurídicos de Direito internacional. 5 Já o The Legal Status of the Territorial Sea, um projecto de Resolução elaborado
Quanto à intensidade do dano produzido, defende aquele ilustre no fi nal da reunião da Sociedade das Nações – e incorporado na Acta Final da Con-
ferência de Haia de 1930 –, previa este princípio, num modelo de análise que lan-
académico italiano a actuação perante a existência de um dano sig- çou as bases para as codifi cações do Séc. XX.
nifi caƟ vo. Há autores que não defendem esta forma, como Bacelar 6 Especialmente atendendo a matérias como o desembarque de pessoas ou bens
Gouveia; refere este jurisconsulto que dos nºs 1 e 2 do normaƟ vo em violação das leis e regulamentos sobre estrangeiros, imigrações e clandesƟ nos,
tratada na alínea g), do nº 2, do arƟ go 19º, da Convenção de Montego Bay, a per-
(19º) não se reƟ ra qualquer interpretação quanto à intensidade do petração de ilícitos de pesca, alínea i), e que recentemente, em 2019, foi objecto
dano, pelo que, apenas havendo uma dimensão qualitaƟ va, a viola- de reforma legislaƟ va interna em Portugal pelo Decreto-Lei nº 35/2019, de 11 de
Março, e as acções criminosas de poluição dos mares, de que trata a alínea h),
ção dos bens do Estado poderá ser graduada, por exemplo, através matéria já com antecedentes normaƟ vos em direito interno desde 2000.
de um processo de indemnização internacional, designadamente os 7 E que resultou dos debates em âmbito do transporte maríƟ mo e da protecção
regulados por convénios que preveem este mecanismo . contra ameaças terroristas ao tráfego maríƟ mo ocorridas no quadro dos trabalhos
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da Conferência DiplomáƟ ca de 12 de Dezembro de 2002, e de alterações à Conven-
Atentem-se, ainda, nos aspectos de ordem subjecƟ va. O crité- ção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS), de 1974.
rio determinante na avaliação do carácter prejudicial, no entendi- 8 Preceitua o arƟ go 18º da Convenção que “Passagem” signifi ca a navegação pelo
mento de alguns, deveria mesmo ter uma feição subjecƟ va. Assim, mar territorial com o fi m de: a) Atravessar esse mar sem penetrar nas águas inte-
riores nem fazer escala num ancoradouro ou instalação portuária situada fora das
segundo Raestad, fundamental seria a intenção manifestada águas interiores; b) Dirigir-se para as águas interiores ou delas sair ou fazer escala
durante a passagem. Por seu lado, François defende que apenas num desses ancoradouros ou instalações portuárias. Estabelecendo, ainda, o nº 2,
se pode valorar a forma como a passagem se desenvolve, havendo do arƟ go 18º, que “A passagem deverá ser conơ nua e rápida. No entanto, a passa-
gem compreende o parar e o fundear mas apenas na medida em que os mesmos
que analisar dados objecƟ vos, nomeadamente a parƟ r da apa- consƟ tuam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por moƟ vos de
rência que advém da navegação, ou acções assumidas durante a força maior ou por difi culdade grave ou tenham por fi m prestar auxílio a pessoas,
navios ou aeronaves em perigo ou em difi culdade grave”.
mesma. Outros, ainda, assumem que a apreciação deve ser feita, 9 Pressupostos que o nº 4, do arƟ go 14º, da Convenção de Genebra já previa
casuisƟ camente, a parƟ r de dados subjecƟ vos e objecƟ vos. Bacelar expressamente.
Gouveia defende que a polémica está parcialmente ultrapassada 10 Sobre esta matéria em parƟ cular ver Henry Bonfi ls e Paul Fauchille, bem como os
pelo próprio conteúdo normaƟ vo da Convenção, porquanto em desenvolvimentos que fi zemos no Tomo I do Manual de Direito Internacional, 2020.
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Ou ofensiva.
relação à grande maioria dos casos Ɵ pifi cados no nº 2, do arƟ go 12 Entre outras matérias, veja-se o contexto e âmbito objecƟ vo de aplicabilidade da
19º, o peso dos elementos subjecƟ vo e objecƟ vo é resolvido pela InternaƟ onal ConvenƟ on on the Establishment of an InternaƟ onal Fund for Compen-
sua própria formulação: por exemplo, na alínea k) valora-se mais o saƟ on for Oil PolluƟ on Damage (IOPC FUND, de 1971) e a InternaƟ onal ConvenƟ on on
Civil Liability for Oil PolluƟ on Damage (CLC, de 1969), quanto a prejuízos ocasionados
factor subjecƟ vo, na alínea i) é notória a prevalência do elemento com o derrame de hidrocarbonetos de navios petroleiros e de substâncias perigosas
objecƟ vo e, ainda, na alínea a) releva-se a consideração de ambos. transportadas por navios mercantes, o que engloba, no comum das vezes, avultadas
somas a ơ tulo de indemnizações a víƟ mas de acidentes maríƟ mos que envolvam
Quanto aos casos não Ɵ pifi cados, ou seja, no âmbito da previsão ofensas e diversos Ɵ pos de prejuízos, designadamente a comunidades piscatórias.
da acima mencionada alínea l), a solução segura de análise depen-
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