Page 7 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 560
Digital (ideia lançada por Xi Jinping em
2017, visando um fórum de cooperação
nas áreas da economia digital, da Inteli-
gência ArƟ fi cial, da nanotecnologia, da
computação quânƟ ca, dos megadados
e da computação em nuvem), a Rota
da Seda Espacial (que é o nome meta-
fórico dado ao desenvolvimento do sis-
tema de radionavegação por satélites
chinês, designado como Beidou – equi-
valente ao GPS norte-americano) e,
até, uma Rota da Seda Verde (que visa
um desenvolvimento sustentável, com
foco nas fontes de energia ‘limpas’ ou
renováveis, mas cujos contornos ainda
não são perceơ veis).
PARTICIPAÇÃO NA
INICIATIVA FAIXA E ROTA
No respeitante aos países europeus,
a parƟ cipação na IniciaƟ va Faixa e Rota Principais corredores e passagens da Inicia va Faixa e Rota (Adaptado de C4ADS)
tem assentado, em larga medida, num fórum mulƟ lateral, fundado nada por forças centrípetas – vira-se para o exterior, com uma
em 2012, em Budapeste (Hungria), para promover a cooperação ambição sem precedentes. Além disso, a China já não quer ser
entre a China e um conjunto de países da Europa Central e Orien- apenas uma potência conƟ nental – quer também ser uma potên-
tal, a saber: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslo- cia maríƟ ma, como ilustrado pelo facto de a iniciaƟ va em apreço
váquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Macedónia compreender uma componente maríƟ ma.
do Norte, Montenegro, Polónia, Roménia, República Checa e Sér- No entanto, a pandemia da COVID-19 infl igiu um rude golpe na
via. Este fórum designava-se 16+1, tendo passado a denominar- economia chinesa, afetando a sua capacidade fi nanceira (sobre-
-se 17+1 com a adesão da Grécia em abril de 2019. De qualquer tudo na fase inicial), bem como a receƟ vidade de muitos países
forma, diversos outros países europeus já assinaram memorandos (parƟ cularmente ocidentais) ao invesƟ mento externo chinês. Por
de entendimento bilaterais com a China no quadro desta inicia- exemplo, na UE, a vice-presidente da Comissão Europeia Margre-
Ɵ va, incluindo Portugal (em dezembro de 2018), a Itália, que foi o the Vestager vem alertando para a necessidade de travar invesƟ -
primeiro país do G7 a fazê-lo (em março de 2019), o Luxemburgo das chinesas em empresas estratégicas europeias.
(também em março de 2019) e a Áustria e a Suíça (ambas em abril Com efeito, a maior consciencialização quanto à dependência
de 2019). relaƟ vamente à produção industrial chinesa está a levar muitos
Cabe aqui referir que, no setor maríƟ mo-portuário, a empresa países ocidentais a procurarem aumentar a sua autonomia estra-
pública chinesa COSCO já controla portos importantes na Europa, tégica e a sua resiliência em situações de crise. Isso tem levado
como o porto do Pireu, na Grécia, bem como terminais em Zee- a aproximar as cadeias logísƟ cas e a fazer regressar a territórios
brugge (na Bélgica), Valência e Bilbau (em Espanha), além de parƟ ci- nacionais (ou, pelo menos, para mais próximo) algumas empre-
pações minoritárias em Antuérpia (Bélgica), Las Palmas (Espanha) e sas – um fenómeno designado como reshoring ou onshoring (por
Roterdão (Países Baixos). oposição ao off shoring que caracterizou a políƟ ca económica oci-
No que respeita a Portugal, é consabido que, após a crise fi nan- dental, nos úlƟ mos anos). Isso está também a acelerar o desaco-
ceira de 2008, a economia nacional se abriu às empresas chinesas, plamento entre algumas economias ocidentais (com a dos EUA à
nomeadamente em setores estruturantes, como a energia, os trans- cabeça) e a economia chinesa.
portes, os seguros, a banca, o turismo, a saúde e os media. Na altura, Em suma, além de muitos dos projetos desta nova rota da seda
isso resultou de uma convergência de interesses, consubstanciando parecerem algo desgarrados, até por se desconhecer qualquer
aquilo que líderes de ambos os países apelidaram de “parceria estra- plano ou mapa enquadrador, dois desenvolvimentos recentes
tégica global”. estão a colocar um travão nesta mega-iniciaƟ va. Primeiro, o
Neste contexto, dois documentos estruturantes recentes vieram, aumento da desconfi ança ocidental quanto ao país liderado por
de alguma forma, agitar as águas no relacionamento ocidental com Xi Jinping (mostrado num recente estudo do Pew Research Cen-
a China. Primeiro, foi o relatório da Comissão Europeia “UE-China – ter), que já terá levado cerca de uma dúzia de países a cancelar
Uma perspe va estratégica” (março de 2019), que idenƟ fi ca a China os seus projetos neste âmbito. Segundo, a tendência para algum
como “um parceiro estratégico”, assim como “um rival económico abrandamento (ou, até, reversão) da globalização, como ates-
na corrida para a liderança tecnológica e um adversário sistémico tado pelo reshoring e pelo onshoring. Tudo isso irá condicionar
que promove modelos alternaƟ vos de governação”. Depois foi a o futuro desta iniciaƟ va, muito provavelmente diminuindo o seu
declaração da cimeira da NATO de Londres de dezembro de 2019, nível de ambição e/ou atrasando a sua consecução. Foi, por isso,
que refere que a China apresenta “oportunidades” e “desafi os” para com alguma naturalidade que, em junho de 2020, as autoridades
a NATO. chinesas anunciaram que cerca de 20% dos projetos da IniciaƟ va
Faixa e Rota estavam “seriamente afetados” e que 30% a 40%
CONSIDERAÇÕES FINAIS estavam “de alguma forma afetados”.
Numa altura em que o mundo ocidental está muito virado Sardinha Monteiro
sobre si próprio, a China – que passou os úlƟ mos séculos domi- CMG
MARÇO 2021 7