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De acordo com o International Maritime Bureau, cerca de 95%
dos raptos de pessoas no mar, para a obtenção do dinheiro dos
resgates, são realizados no GdG, numa tendência crescente (Fig.
2), motivado sobretudo pelas quedas dos preços do petróleo.
Esta atividade criminal tornou-se muito mais lucrativa do que o
simples roubo de carga que predominava em anos anteriores.
Fig. 2 - Evolução dos incidentes e raptos no mar entre 2017-2020.
Outra atividade ilícita atrativa no GdG é a pesca ilegal, que re-
presenta cerca de 65% do pescado legal – para além de represen-
tar uma perda anual de 1.5 biliões de dólares, afeta gravemente
os recursos piscícolas e acentua as tensões económicas e sociais
na região. Em termos securitários, esta é uma fonte de frustração
e de potencial conflito.
No que respeita ao tráfico de estupefacientes, o GdG também
se tornou um importante ponto de trânsito dos cartéis latino-a-
mericanos. Estima-se que 25 a 35% da cocaína consumida na Eu-
ropa transita pela África Ocidental.
COMUNIDADE INTERNACIONAL E REGIONAL
A confluência das ameaças, atrás referidas, no GdG, mobilizou
a comunidade internacional no início da década passada. Aquilo
que parecia inicialmente ser um problema nigeriano, com o re-
crudescimento da violência no delta do rio Níger na década de
2000, transformou-se num problema regional, levando a comuni- Fig. 3 - Arquitetura de Yaoundé.Fonte: Julie Tuckers – I.R.Consilium (2019).
dade internacional e regional a articular-se em diferentes meca-
nismos institucionais, de que se destacam: do da lei no GdG; à falta de vontade política para financiamento
(1) O Código de Conduta de Yaoundé, mais conhecido por Arqui- da área de defesa e segurança marítima; e à falta de partilha de
tetura de Yaoundé, assinado em 2013, para a prevenção e re- informação, entre outras.
pressão da pirataria, roubo armado e criminalidade marítima
na África Central e Ocidental; O CASO PARTICULAR DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
(2) A Comissão do GdG, estabelecida em 1999;
(3) A CRESMAC (Centro de Segurança Marítima Regional para STP encontra-se localizado em pleno GdG, detendo um enorme
África Central), de 2012, e a CRESMAO (Centro de Seguran- espaço marítimo, com uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de
ça Marítima Regional para África Ocidental), de 2014; estes 160.000 km . A sua responsabilidade em termos de busca e salva-
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Centros estão sob a égide, respetivamente, da Comunidade mento estende-se por uma área significativa, que constitui aproxi-
Económica dos Estados Centro Africanos (ECCAS) e da Comu- madamente dois terços da sua ZEE. No que respeita à Arquitetura
nidade Económica dos Estados Oeste Africanos (ECOWAS); de Yaoundé, STP situa-se na Zona D, sendo que aproximadamente
(4) A Estratégia Marítima Integrada para África 2050, da União metade deste espaço se localiza na ZEE santomense (Fig. 4).
Africana; Durante o primeiro trimestre de 2021 foram registados 29 ata-
(5) A Carta de Lomé, assinada em 2016; e ques no GdG, dos quais resultaram: 42 pessoas raptadas; e três
(6) Instituições internacionais e países ocidentais, entre outros mortes (reféns) a lamentar. Quanto a estes ataques, 60% ocor-
mecanismos envolvidos na resposta a estes fenómenos na reram em alto mar (pirataria), 33% em fundeadouros (mar terri-
região do Golfo. torial) e 7% em rios ou canais (águas interiores). Relativamente
Existem muitas similaridades na missão e objetivos destas ini- à tipologia dos ataques, e especificamente no que respeita aos
ciativas e mecanismos, resultando numa aparente competição ataques em alto mar, estes ocorrem principalmente ao largo da
ao invés de uma necessária complementaridade, sobretudo se Nigéria, mas, no período em análise, verificou-se uma deslocação
pensarmos que todas elas dependem de financiamento externo. dos infratores para sul, tornando a ZEE de STP numa área visada.
Isto frequentemente resulta numa resposta descoordenada e inco- Tem-se constatado que os criminosos se encontram cada vez
erente às ameaças e desafios da criminalidade marítima na região. mais capacitados, recorrendo a navios logísticos de pequeno/
A resposta parece estar organizada em torno da Arquitetura de médio porte (“mother-ship” ou navio-mãe) para apoio a estas
Yaoundé (Fig. 3), a qual tem registado um lento progresso e per- operações ilícitas, aumentando o seu raio de ação; tal foi o caso
manece incompleta devido: à ausência de um enquadramento recente na área de STP, no qual um navio de pesca sequestrado
legislativo e judicial, tornando impossível fazer cumprir o prima- foi utilizado para perpetrar outros ataques.
22 AGOSTO 2021