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REVISTA DA ARMADA | 571
da China. Mesmo que se faça a extração na Europa, tipicamente, O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
esse material é enviado para a China para ser processado. Pode Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) aponta o Mediterrâneo,
assim dizer-se que a China pode, se quiser, parar a produção de incluindo Portugal, como uma das regiões mais vulneráveis do
equipamentos eletrónicos no mundo. mundo às alterações climáticas.
Há 150 anos, a Europa era a principal região mineira do mundo A situação de Portugal é agravada pela exposição a eventos
e deixou de o ser porque a mineração passou a ter uma má meteorológicos extremos, como as ondas de calor conjugadas
reputação, as pessoas passaram a considerar que não é uma com secas associadas a condições de enorme redução da
atividade amiga do ambiente. O problema é que a mineração humidade e à subida do nível do mar (fatores que causam
teve de continuar a ser feita noutros locais do mundo, porque potenciais cheias e galgamentos costeiros). A subida da água do
as pessoas não deixaram de querer turbinas eólicas, carros, mar vai ter expressão especialmente no estuário do Tejo e do
computadores. Assim, a Europa deixou foi de ter uma palavra Sado, na Ria Formosa, em Aveiro e na Figueira da Foz.
efetiva sobre o seu impacto no ambiente. Apesar desta perspetiva podemos sempre apresentar uma
Sabe-se que Portugal e Espanha têm muitos minérios e o outra em que ficamos melhor. Por exemplo, no Relatório de
mesmo se pode dizer da França e da Alemanha, da Gronelândia e Ameaças Ecológicas, Portugal não está mal, está em 28.º de 178
também da Escandinávia. E depois ainda temos os oceanos! Pode países. O maior risco apurado diz respeito ao indicador da água
haver casos, em que do ponto de vista ambiental, é melhor extrair e às anomalias de temperatura. Portugal, como a maioria dos
as matérias-primas no mar do que em terra. Ainda levaremos países da União Europeia, está exposto a um número reduzido de
alguns anos para o sabermos, mas precisamos de nos preparar. ameaças e tem desenvolvido a sua capacidade de resiliência. Daí
O enorme apetite por recursos (energia, alimentos e matérias- o ranking ser muito bom. Os países onde a resiliência é alta não
primas) está a exercer uma pressão extrema sobre o planeta, têm pontuações más, porque têm a adaptabilidade para tomar os
representando metade das emissões de gases com efeito de passos necessários para evitar ou mitigar as ameaças.
estufa e mais de 90 % da perda de biodiversidade e do stress Portugal tem muito para pensar e ainda mais para executar.
sobre os recursos hídricos. Os especialistas consideram que é Falhou, de certa forma, nas três revoluções industriais e na última
necessário intensificar a economia circular para se caminhar não foi a tempo de explorar as energias fósseis de petróleo e gás
para a neutralidade climática até 2050, separando o crescimento da sua plataforma continental. Nesta Quarta Revolução Industrial
económico da utilização dos recursos e mantendo a utilização dos vamos ver se consegue estar no tempo certo e aproveitar a
recursos dentro dos limites de sustentabilidade do planeta. excecionalidade da sua situação geográfica, a existência de
Respondendo à pergunta colocada, certamente que a Europa recursos naturais em terra e no mar, a possibilidade de gerar
pode fazer algo pelo clima através de uma transição para uma energia por muitas vias, e a qualidade da sua gente unida, capaz
economia ecológica e digital, mas provavelmente muito menos de grandes feitos.
do que ambiciona, pois pode ter o conhecimento tecnológico,
mas não tem os recursos, nem a mentalidade para os obter. CONSIDERAÇÕES FINAIS
QUE IMPACTO PODEMOS ESPERAR A natureza tem o seu ritmo e o planeta está a pulsar no sentido
EM PORTUGAL? de um aquecimento que um dia será invertido, dando origem a
uma nova era de glaciação.
Parecem ser inevitáveis os efeitos que vão da desertificação A UE, mesmo que queira, não tem o poder para liderar o mundo,
à seca, fogos florestais, erosão da linha costeira, diminuição da já não tem sequer autonomia estratégica em recursos e energia
produtividade agrícola e propagação de doenças. para se governar a si mesma.
O mundo está interdependente, o que é bom se se mantiver
o espírito do livre e o comércio justo. Se os monopólios se
formarem temos de novo o risco da guerra.
Certo é que o risco dos conflitos, potenciados pelas alterações
climáticas, está a crescer e a migração de populações vai ter cada
vez mais expressão, que resultará em maior pressão sobre a UE.
Os europeus têm pela frente desafios difíceis, são precisos
políticos hábeis, visionários e bons a comunicar o que é preciso
fazer. Para os militares advinham-se novas missões (que requerem
novos meios) no âmbito da ajuda humanitária e proteção de
populações, mas também de segurança de recursos e do seu
transporte.
É preciso mudar! Eu, por exempo, passei a ir de bicicleta para
o serviço.
Dias Correia
CMG
https://dc.ardico.pt
N.R. Artigo escrito antes do início da guerra de 2022 entre a Ucrânia e a Federação Russa.
Notas
1 https://www.nature.com/articles/s41467-019-12808-z.pdf
2 Mapa interativo pode ser consultado em https://pt.euronews.com/
Figura 4- Elevação do nível de água do mar previsto para a Figueira da Foz em 2050 next/2020/12/18/o-futuro-do-ambiente-esta-debaixo-de-terra
(https://coastal.climatecentral.org/)
20 MARÇO 2022