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REVISTA DA ARMADA | 571
AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
E A INCERTEZA DO FUTURO
Na sequência da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26) fui convidado pela Revista da Armada
para escrever um artigo sobre o impacto das alterações climáticas. A COP26 teve lugar em Glasgow e terminou em 13 de novembro,
após duas semanas de negociações entre as Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC).
Disse-se na altura que se registaram progressos significativos, no entanto, também logo foi dito que seriam necessários esforços
suplementares nos próximos anos para se conseguir que o aquecimento global chegue ao final do século abaixo dos 2°C, com uma
meta ideal de 1,5°C.
Com esta introdução podemos elencar várias questões, ora vejamos: Será que o Homem tem assim tanto poder sobre o clima?
As alterações climáticas têm alguma relação com os conflitos e as guerras? A Europa pode fazer alguma coisa pelo clima? Que reflexo
de tudo isto se manifestará em Portugal?
QUAL O PODER DO HOMEM SOBRE O CLIMA?
esde a formação do planeta Terra, há 4,6 mil milhões de anos,
Dque existem ciclos de aquecimento e de arrefecimento do
clima, estimando-se que a Terra já tenha vivido pelo menos 25
glaciações. Nos primeiros 900 mil anos do Quaternário as oscilações
climáticas eram pouco intensas e aconteciam com intervalos de 41
mil anos. A partir daí essas alterações passaram a ser mais intensas
e em períodos de 100 mil anos, com intervalos interglaciais de 10
mil anos, tendo a última terminado há cerca de 8 a 12 mil anos
(as fontes divergem). Se extrapolarmos estes dados poderemos
antever que uma nova era de glaciação está a aprontar-se.
Na verdade, como já tive a oportunidade de referir num artigo
aqui publicado em maio de 2007, antes de um período glaciar
há um aquecimento do planeta que leva, entre outras coisas,
ao enfraquecimento da corrente do golfo no norte do Atlântico.
Nesta sequência, a certa altura, dá-se a inversão do ciclo de
aquecimento e inicia-se o arrefecimento.
De acordo com um estudo publicado na revista Nature, a
temperatura média da Terra no último período glaciar era de 7.8°C,
em contraste com a temperatura média da Terra no último século Figura 1 - Evolução da concentração de CO nos últimos 400 mil anos.
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de 14°C. De realçar que nas latitudes mais altas (regiões polares)
há mais sensibilidade às mudanças climáticas, há o chamado efeito Importa aqui referir que se pensa existirem outros fatores
de amplificação polar. Os modelos climáticos preveem que o clima condicionadores do clima. Por exemplo, enquanto a Terra se
aqueça mais rapidamente nas latitudes altas do que nas tropicais. move através do espaço, a nossa atmosfera é bombardeada
De facto, no Verão passado, já se registaram temperaturas acima constantemente por raios cósmicos. A água que evapora dos
dos 40 graus acima do Circulo Polar Norte. O calor deve ter sido aí oceanos forma nuvens na atmosfera, estas encobrem a superfície
bem-vindo, mas os incêndios certamente que não. da Terra da radiação solar e têm um efeito de arrefecimento.
Ao conhecermos a temperatura na Era do Gelo é possível estimar Quanto menos radiação cósmica alcançar a Terra menos
a sensibilidade climática, ou seja, quanto a temperatura global nuvens serão formadas e o efeito da radiação do sol, que incide
muda em resposta à concentração de carbono na atmosfera. diretamente sobre a superfície do planeta, é o aquecimento.
Estima-se que para cada duplicação da concentração de carbono As manchas solares são outra fonte de condicionamento do
na atmosfera a temperatura global aumente 3.4°C, valor que se clima. Estas manchas têm ciclos de atividade de 11 anos e na
enquadra numa faixa consensual de 2 a 4.5°. Pequena Idade do Gelo (um período do século XIII ao XVII) houve
Durante o último período glaciar a concentração de dióxido uma fase em que as manchas solares quase desapareceram.
de carbono na atmosfera era de 180 partes por milhão, o que é Assim, olhando na bola de cristal, é fácil adivinhar, por agora,
um valor muito baixo. No início da Revolução Industrial os níveis um aumento constante da temperatura média global da Terra,
subiram para 280 partes por milhão. Atualmente atingiram-se as a abertura do Ártico, a subida do nível do mar, acontecimentos
419 partes por milhão. É este crescimento anormal que é usado climáticos mais frequentes e mais extremos, bem como a
para justificar a marca do Homem no clima, num sistema que crescente escassez de água.
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certamente já estaria em movimento. Um estudo divulgado em 2019 prevê que, mesmo com cortes
A modelização climática desenvolvida pela Universidade da drásticos das emissões poluentes, a subida do nível das águas a
Califórnia, campus de Santa Bárbara, mostra que as emissões de partir de 2050 irá colocar em risco mais 250 milhões de pessoas
gases com efeito de estufa tornaram a seca duas vezes mais que vivem no litoral. Esta subida, segundo o passado, não será de
provável do que teria sido com a flutuação natural. mais de 7m.
MARÇO 2022 17