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REVISTA DA ARMADA | 576

                                                              e genuínos que fomentam as predileções, justificando a opção por
                                                              determinado produto ou marca, a disseminação das tendências
                                                              e modas está hoje associada a processos simbolicamente “mais
                                                              virulentos”,  ditados  pela  complexidade  e  prepotência  dos
                                                              algoritmos. Para o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, ao mundo
                                                              atual falta muito o simbólico: «Dados e informação carecem de
                                                              força  simbólica.  Logo  não  permitem  nenhum  reconhecimento.
                                                              No  vazio  simbólico,  as  imagens  e  as  metáforas  geradoras  de
                                                              sentido e fundadoras de comunidade que dão estabilidade à vida
                                                              perdem-se. A experiência da duração diminui. E a contingência
                                                              aumenta radicalmente».  Na  ansiosa  e  desenfreada  busca  de
                                                              identidade  e  sentimento  de  pertença,  em  grande  medida
                                                              fomentado pelo que é vertiginosamente veiculado através das
                                                              redes sociais, prevalece o efémero. Fogo-fátuo, dir-se-ia noutro
                                                              contexto.

                                                              DEGENERESCÊNCIA DO SIMBÓLICO

                                                               Com  o  advento  da  fotografia,  fenómeno  aprofundado  pelo
                                                              cinema  e  pela  televisão,  e  agora  com  a  internet  e  a  utilização
                                                              massificada das redes sociais, a imagem parece estar a tornar-
                                                              -se o veículo quase exclusivo para definir e interpretar a reali-
                                                              dade, desprezando as demais aptidões do cérebro humano que,
                                                              paulatinamente,  tenderão  a  definhar.  Acresce  que  a  realidade
                                                              aumentada,  a  internet  das  coisas  (IoT),  a  inteligência  artifi-
                                                              cial e, dentro em breve, a ubiquidade da world wide web, irão,
          Nin (1903-1977) afirmava que «não vemos as coisas como são,   certamente,  exponenciar  o  fenómeno.  Concomitantemente,
          vemos as coisas como somos». Cada indivíduo vive, assim, no seu   a expressão cartesiana cogito, ergo sum, parece estar a dar lu-
          próprio universo interior, inteiramente demarcado por imagens    gar ao “posto, logo existo”, na exata medida em que no mundo
          e simbolismos mentais exclusivos. De acordo com o neurocientista   virtual das redes sociais, a vida e as imagens são editadas, parti-
          brasileiro  Miguel  Nicoledis,  «o  cérebro  humano  esculpe  para   lhadas, comentadas e reeditadas ad nauseam. Neste frenesim,
          cada um de nós um sentido de identidade e uma descrição do   é potenciado o simbolismo da vida idílica e do corpo modelar,
          universo em redor centrada no cérebro», utilizando «a chegada
          de novos sinais que descrevem o mundo em redor para atualizar
          em permanência o seu modelo de realidade interno».
           Numa  época  marcada  pelo  voyeurismo,  o  predomínio  quase
          ditatorial da imagem parece atestar a decadência da palavra e do
          símbolo. À medida que a imagem e o ruído se afirmam e ganham
          preponderância,  a  presença  da  palavra  escrita  e  do  simbólico
          definham. Por conseguinte, a mundividência individual afigura-
          -se hoje mais afunilada e limitada, receando-se ver confirmada
          a tese de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), «os limites da minha
          linguagem são os limites do meu mundo». Muito embora pareça
          contrariar a praxis e a própria evolução, a verdade é que o mundo e
          a vivência em sociedade são crescentemente formatados, menos
          diversificados e, por conseguinte, mais limitados também, sendo
          em larga escala mimetizados e, por vezes, autofágicos. Copiam-
          -se e retroalimentam-se, excluindo, sem pejo, tudo o que não se
          enquadra  nem  contribui  para  encorpar  a  corrente  dominante,
          vulgo mainstream.
           Se  para  Noam  Chomsky  o  mais  importante  na  linguagem
          é  o  que  não  é  dito,  importa  sublinhar  que  a  afirmação  só  é
          verdadeira  se  pudermos  observar  os  silêncios,  a  entoação
          e os trejeitos do orador para “ler nas entrelinhas”, única maneira
          de assimilar os elementos implícitos veiculados na mensagem.
          Um pouco como sucede na música, onde os silêncios entre as
          diferentes  notas  musicais  e  o  tempo  transmitem  a  harmonia
          e os sentimentos que perpassaram no imaginário e inspiração do
          compositor.
           Não  obstante  as  grandes  marcas  serem  particularmente
          ciosas dos respetivos símbolos e logotipos, promovendo o culto
          da  imagem  de  marca  ou  griffe,  a  volatilidade  da  simbologia
          nas  sociedades  contemporâneas  parece  ser,  cada  vez  mais,
          a  regra.  Muito  embora  sejam  os  sentimentos  mais  arreigados


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