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REVISTA DA ARMADA | 576
PREDOMÍNIO E PODER DO SIMBÓLICO
4. RELEVÂNCIA DO SIMBÓLICO NO QUOTIDIANO - PARTE I
«A introspeção tem os seus limites, mas não tem rivais nem substitutos. […] Os conteúdos da mente são manipuláveis, ou seja, as
representações podem ser divididas em partes e estas partes reordenadas de modo a criar representações novas. […] A capacidade
de raciocinar explicitamente requer a manipulação lógica das imagens. […] O conteúdo de imagens das mentes tem origem, em
grande medida, em três universos principais. Um desses universos está relacionado com o mundo que nos rodeia. Contém imagens
dos objetos, das ações e das relações presentes no ambiente que ocupamos e que analisamos continuamente com os cinco sentidos.
[…] Hoje, sabemos que temos milhões de anos de evolução, que começaram e mantiveram-se com a inteligência – mas não havia nem
cérebro, nem mente, nem capacidade verbal; portanto, é muito importante afirmar que no início não foi o verbo. Trata-se de uma
leitura perfeitamente aceitável, mas devemos entendê-la como uma leitura parcial, que é a sua realidade».
António Damásio,
Neurocientista
os primeiros alvores da sua longa caminhada, o Homo sapiens Na obra Assim Falava Zaratustra, o personagem criado por
Ndesenvolveu a faculdade de conceber ritos simbólicos Friedrich Nietzsche (1844-1900) argumentava: «Quereis primeiro
como ligação ao transcendente, desde cedo intuído. Estima-se tornar pensável tudo quanto existe; porque duvidais com justa
que as primeiras manifestações artísticas tenham ocorrido no desconfiança que tudo seja antecipadamente pensável».
paleolítico há mais de 30 000 anos, materializadas em pinturas Pela forma como se processa e ocorre a consciência e o próprio
rupestres hoje patentes em lugares como Chauvet, Altamira conhecimento, no seu insondável âmago o pensamento humano
e Lascaux. Graças ao excedente alimentar proporcionado encontra-se repleto de imagens e, consequentemente, de
com a sedentarização, no neolítico os humanos passaram símbolos e crenças que lhe são inerentes. Constituem, no fundo,
a consagrar mais tempo ao desenvolvimento dos rituais e
diversificação das artes, em estreita simbiose com o progresso a sua natureza mais elementar. Na atividade quotidiana, a mente
operado nos artefactos do quotidiano. Mais recentemente, cria o seu próprio universo interior por via da interpretação do
há cerca de 3500 anos, o cérebro humano tornava-se capaz que a rodeia, ato coletivo resultante da relação com o outro
de codificar a linguagem em símbolos inicialmente gravados e tudo o que interage.
em tabuletas de argila, inaugurando, na Suméria, o “início da Questões intangíveis como a linguagem, o mito, a arte e a
história”. Legitimando o vínculo metafísico, foram inúmeros os religião constituem parte integrante do universo que habitamos,
pensadores, filósofos, antropólogos, historiadores, semiólogos sendo determinantes na mecânica dos relacionamentos
e neurocientistas que se debruçaram sobre a relevância do e, simultaneamente, delimitadores de todos os aspetos da
simbólico para a existência humana, aspeto que alguns temem vivência coletiva. Sendo a realidade muito mais vasta do que os
estar a ser subvertido com o avanço tecnológico. sentidos detetam e a razão consegue abarcar, a escritora Anaïs
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