Page 49 - Revista da Armada
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Sobre um rochedo de Capri vai assen-
tar essa inigualável figura de mármore
que ficaria como obra-prima da esta-
tuária mundial, nada ficando a dever
às maiores. Com afã e carinho, o cinzel
desbasta a pedra informe para tirar
dela a expressão total do abandono
e do desalento. Da-,.cabeça aos pés,
cada linha tem essa marca. Os cabelos
revoltos emolduram uma face fina, de
traços marcados pelo desgosto, aba-
tida, não ousando levantar o olhar
que, apesar de fixar qualquer coisa
ali perto, não a vê ... Sabemos que está
focado para o infinito, num completo
alheamento das coisas ...
A curvatura dos ombros e do dorso, o
relaxamento dos braços e da perna
esquerda, a magnífica linha que desce
do ombro esquerdo aos dedos da mão,
com apoio na perna direita, reco-
lhida, conferem à estátua essa expres-
são de desalento que Soares dos Reis
tinha em mente. O DESTERRADO,
a despeito dessa pose quieta e serena,
tem a animá-lo o fogo da vida interior
e a sublimidade da renúncia consen-
tida. Da mesma forma que em alguns
andamentos lentos de certas obras de
Beethoven, poderíamos caracterizar a
sua aparente serenidade como uma
sublime inacção - a quietude que
nasce da dolorosa renúncia ao que é " Soares dos Reis » por Marques d' Oliveira (no Museu Soares dos Reis- Porto)
vão e transitório.
Soares dos Reis foi na vida, efectivw-
parte dos artistas contemporâneos Almedina» (hoje no Museu de Arte
mente, um desterrado. A tortura do
como obra de primeiro plano, foi apo- Contemporânea), os bustos de «A Con-
afastamento, o abismo de sofrimento dado de plagiato por outros e dene- dessa de Mosef» (no mesmo museu),
que lhe impôs a distância da Pátria, o grido no seu valor. É sempre assim! «Hintze Ribeiro», «Domingos de Al-
abatimento e prostração causados por N a esteira das grandes realizações meida Ribeiro» e «Fontes Pereira de
essa luta interior, sugeriram-lhe aquele há sempre desenganos e dor. Sen- Melo», sua última obra, segundo se
espantoso drama de melancolia. Nunca tiu-a Soares dos Reis na sua carne crê. Precursor do Realismo na Arte
uma derrocada moral foi traduzida pelas injúrias e calúnias dos cama- Portuguesa, foi professor de Escul-
em pedra com tão impressionante rea- radas de ofício. Ultrapassou esse des- tura na Academia de Belas Artes do
lismo. Contagia-nos ao primeiro olhar. gosto e afirmou-se como artista de Porto, mas nunca se conciliou com
A obra foi apresentada como prova eleição em muitas outras obras das a vida e com os homens. As reformas
final dos seus estudos de bolseiro. quais se destacam a estátua de do ensino que propunha esbarravam
Está no Museu Soares dos Reis, no «D. Afonso Henriques» em Gui- :
com o conservantismo dos rotineiros
Porto. Existe uma cópia, em bronze, marães, a de «Brotero» em Coimbra
medíocres que o não compreendiam.
no Museu de Arte Contemporânea, (no jardim botânico), «Artista na
Desesperado e eheio de amargura pôs
em Lisboa, que possui também o gesso Infância» e «Busto de uma Senhora tràgicamente fim aos seus dias, num
que serviu para a sua modelação. Inglesa» (Mrs. Elisa Leech). Este gesto de desespero, em 16 de Novem-
«O DESTERRADO» bem merece busto está exposto no Museu de Arte bro de 1889. Os seus conterrâneos
que o visitem quando faz precisamente Contemporânea em Lisboa e é uma perpetuaram a sua memória com uma
100 anos. Quem o fizer não perderá obra-prima de psicologia. Nele se estátua da autoria de Teixeira Lopes,
o seu tempo, pois admirará uma obra sente toda a segurança e mestria de a qual se ergue numa praça em Vila
sublime. Soares dos Reis. Nova de Gaia. .
Quando foi apresentado publicamente, São dele também «A Saudade e o
produziu enonne espanto e também Abandonado », «Flor Agreste» ,
alguma inveja! Considerado pela maior «A Filha dos Condes de Vinhó e O. Lemos
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