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SOB  INCLEMÊNCIAS  TROPICAIS
                  por Acácio Neves, 1.° s/enf.
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            A  Revista  da  Armada  registará
            sempre,  com  prazer,  toda  a  acti-
            vidade literária daqueles que ser-
            vem  a  Marinha.  Não  poderá  no
            entanto  ir além  de breves  referên-  descarnam  grandes  ossos  com   O  comentário  preliminar  a  esta
            cias  pois  o  espaço  de  que dispõe  gestos  caninos,  bebem  vinho  de  ' edição  é  da  autoria . do  Comte.
            para o efeito é restrito.         palma,  can!am  e  uivam,  pulam  e   Teixeira da Mota.
            O  trabalho  do  autor  revela  uma  dançam diabolicamente. Os tantãs
            notável  perspicácia  e  poder  de  transmitem  hipnóticas mensagens
            observação,  escalpelizando  (tal-  e todos  executam  bailados  frené-  POESIA IV
            vez  com  demasiada  crueldade  e  ticos  cujo  significado  não  conse-  de  José  Gomes  Ferreira  (Poesia)
            insistente procura), ambientes so-  guem çompreender. Os nativos de     Portugál ia Editora, Lisboa"1970.
            ciais  que  não  primam  pela  mori-  plumas  e cornos  na cabeça bran-  Na  sequência  de outros  livros  de
            geração.  O  seu  poder  descritivo  dem  paus  e  azagaias,  atirando   temática semelhante, surgiu  POE-
            é por vezes cheio de realismo como  crianças por entre os gumes, num   SIA IV no seu tom patético de grito
            se pode deduzir deste excerto:     tradicional  e  curioso  bailado  de   de revolta contra o  absurdo deste
                                               lanças. As  mulheres de seios  caí-  mundo,  contra  a  morte  e  o  nada.
            «A pressão atmosférica, carregada  dos e murchos e as  «bajudas » de   Poesia verdadeira - porque segu-
            de  negridões  e  tempestades,  faz  pomos  bem  burilados  e hirtos, de   ramente  vivida  e  cheia  de  con-
            voar o  helicóptero á  rasar a copa  igual  sorte  vestidas  de  saias  de   teúdo  dramático  -  põe-nos  pe-
            das  árvores  e  ao  álcance  dos  ti -  fibras, sacodem as  ancas.   rante  as  questões  c  h  a v e s  da
            ros, rumando entre a negridão das  Ernesto  porfia em  não  desanimar.  trilogia Homem-Mundo-Deus. Para
            nuvens como automóvel  em  estra-  Tem  confiança  na  sua  estrela, no   lá  do  pessimismo,  uma  grande
            da  sinuosa.  Logo,  passados  vinte  seu  espírito  inventivo,  teimando   coragem  na  confrontação  com  a
            minutos  de voo,  uma  bala foi  en-  que  há-de  encontrar  uma  saída   realidade  da  vida.  Verdadei ra
            roscar-se na chaparia do aparelho  airosa.                            poesia, eis tudo!
            fazendo-o gemer ferido de morte.   - Meu  caro,  nada de desanimar.
            Ernesto  estuda  as  consequências  Não  vamos  deixar-nos  assar  no
            do  acidente  e  verifica  não  haver  espeto.  Não  somos  passari nhos,   MEDITAÇÃO EM SAMOS
            outro  reméd io  senão  deixar-se  somos homens, hein!»               de  João  Rui  de  Sousa  (Poesia)
            cair  o  mais  adiante  possível  nos                                    Galeria Panorama, Lisboa 1970.
            campos  abertos  das  culturas, tal-                                  Eis-nos  perante  um  livro  de  poe-
            vez  na  boca  do  lobo.  Não  pode                                   mas  onde o  ritmo, a harmoni a e o
                                               LIVROS PUBLICADOS
            certificar-se da existência de nati-                                  eq uilíbrio  lhe  conferem  um  tom
            vos  naquela  região  embora  tudo   ES TUDOS SOBRE NA VIOS           geral  que quase  somos  levados  a
            mostre tratar-se de uma aldeia im-  PORTUGUESES NOS SlCULOS           considerar de tendênci a  clássica.
            portante. Aco rda Nécio do seu so-  XV E XVI                          Sentimo-nos seguros nesta atmos-
                                                      pelo c.m .g. Henrique Lopes
            no de feôre e expõe-lhe a situação                                    fera  de  poético  ordenamento  em
            aflitiva,  francamente,  em  poucas                   de Mendonça.    que a esperança, a paz e a justiça
            palavras. Este desperta da modor-  Em  edição  do  Ministério  da  Ma-  são participantes de uma temática
            ra  febril,  do  cansaço  e  do  delírio,  rinha,  e  fazendo  parte  da  Colec-  não enjeitada.
            sacudi ndo a cabeça e a morte como  ção  Documentos,  foi  publicado
            o  embriagado  afoga  a  bebedeira  mais  um  volume  - o  5.°  -  reedi -
            num ápice ao tomar conhecimento  tando aobraem epígrafe. Henrique     AMOR E MORTE
            duma  imposição  perigosa.  Abre  Lopes  de  Mendonça  foi  escritor,   de Maria Ondina (Braga) (Contos)
            os olhos. O  mundo vai caindo nas  poeta  e  dramaturgo  de  projecção   Soco de Expansão Cultural,  Li sboa
            trevas.  Tenta avaliar o  seu  estado  nacional,  e  interessou-se,  neste                        1970
            de saúde, mexe a cabeça, os  bra-  livro, pelos  problemas  de arqueo-  Se  é  certo  que o  gênero  «conto»
            ços e  as  pernas.  Sente-se gelado,  logia naval.  A  beleza  e  desenvol-  se apresenta difícil para quem es-
            muito fraco e quase calmo.         tura  do seu  estilo  literário consti-  creve, é no  entanto, quando o  au-
            Sobrevoam  a elevação arborizada  tuem, para além do valor científico   tor o  cultiva  com  mestria, um  de-
            e vêem, em baixo, uma aldeia labo-  desta ob ra de investigação, penho r   leite para  quem  lê. Há  neste  livro
            riosa,  engastada  na mata,  dotada  seguro  de  uma  leitura tão  provei-  AMOR  E MORTE  contos  que ver-
            dum belo pitoresco selvagem. Ho-   tosa  quanto  aliciante.  A  autobio-  dadeiramente  nos  cativam  pela
            mens e mulheres de musculaturas  grafia,  incluída  nesta  edição,  só   caracterização  de  personagens
            desenvolvidas  e  ventres  cavados  por si,  é  um  monumento  literário.  e ambientes.

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