Page 349 - Revista da Armada
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Clepsidra







                m  dos exercícios  mais  apaixo.-
                nantes quando estudamos textos
          U antigos 6,  em grande parte dos
          casos, emender o que o autor quer dizer.
          Assim  se explica existirem,  frequente·   UI
          mente, duas ou  mais  interpretações do   II       I
          mesmo  texto  e  Iodas  elas  serem  acei·   1 0
          táveis.                                    9
             Isto  acontece  porque  muitos  dos     8
          autores  anligos  - e  não  é  necessário   7      I
          recuar no tempo  mais de três ou quatro                                       ..
          séculos - são pouco cuidadosos na descri-  6
          ção dos faclos, dando por vezes grande     5       I~                         --
          relevo a certos aspectos menos importan-   -4
          tes, esquecendo outros que são indispen-   3
          sáveis para a boa compreensão do texto.    z                                 J
             Para o  leitor avaliar as dificuldades   I      II
          a que nos estamos a referir. recolhemos   U
          a descrição que encontrámos numa cu-                .g                               ~
          riosa obra, titulada Tesouro dos Pruden-  II        <::
          tes,  da  autoria  de  Gaspar  Cardoso  de   10      "
          Sequeira e publicada em  Évora no  ano     9         O
                                                                ~
          de  1700,  mas  que teve numerosas edi-    8         ~
                                                               N
          ções  durante  o  século  XVIl.  Gaspar    7         CIJ
                                                               "
          Cardoso Sequeira, natural de Murça, em     6        ...l
          Trás-os·Montes,  foi  mestre  em  Artes
                                                     5
          pela Universidade de Alcalá e professor                                i
          de  matemática  em  Lisboa,  Coimbra  e    -4
          outras  cidades  de  Ponugal e  Espanha.   3                                          /1)1
                                                     1   CI
             Nesta obra,  o  livro  quarto,  tratado
          segundo, capítulo sete, tem o título:  .. De   I   & l i
          como se fará relógio, que sirva em casa
          de  noite, e de dia,  com sol e sem sol_,
          que  é  seguido  de  uma  descrição  que,                                             "
          também, transcrevemos, em linguagem                                      I            II
          actual  para  maior  facilidade  de  inter·
          pretação:
             .. Mandaremos  fazer  um  vaSú  de
          barro, ou vidrado, que leve dois almu-
          des,  que seja de comprimento  de  uma
          vara, direito, sem ser mais largo em uma   •
          parte, que em outra. a modo de vaso de
          botica, e junto ao fundo tenha um  cano
  •
          de comprimenlo de um dedo, o qual se   e na outra ponta do arame se meterá uma   quando  não,  se  porá  alguma  coisa  no
           furará com uma vara muito delgada antes   cortiça redonda,  pouco maior do que a   cano  de água.  que  tape,  e  corra  mais
          que  se  coza:  e  logo  se  tomará  uma   palma da mão, que caiba bem pela boca   pouco,  e,  assim  ficarão  os  compassos
           tábuazinha delgada direita,  que seja do   do  vaso,  e  logo  se encherá o  vaso  de   mais  pequenos,  de modo a que possam
           mesmo comprimento, a qual pregaremos   água,  e  posto  em  lugar  alto,  donde  a   caber,  e  então  se  assentarão  as  horas,
           na parte da sala,  ou de outra parte que   água, que cai dele, se possa aproveitar:   como  na  figu ra  adiante parece.
           quizennos pôr o dito relógio. fazendo na   e logo se terá tenlo na distância que há   E quando não basta a quantidade de
           parede acima da tábua um buraco, onde   de tempo,  desde que der o  relógio,  até   água,  e  tábua  para  suprir  as  vinte  e
           meteremos uma corda de viola, que fique   que  torne  a  dar.  quanlo  tem  subido  o   quatro horas, se fará a medida em doze,
           com  uma  ponta  sobre  a tábua,  na  qual   mostrador:  e se aquela quantidade, que   e assim  usarão dele, acrescentando-lhe
           ponta  poremos  um  perpcndículo  de   houver.  for bastante  para que se  façam   a água de doze em doze horas.  E tendo
           chumbo,  ou  de  que  nos  parecer,  que   na tábua vinte e quatro compassos seme-  lugar de  vinte  e  quatro horas, de  vinte
           sirva de mostrador; e na outra, que pas-  lhantes, que são as vinte e quatro horas.   e quatro a vinte e quatro se botará a água.
           sar a parede, ataremos um fio de arame;   que há entre a noite e o dia,  se  farão: e   E advirta-se, que se quizennos assentar
                                                                                                            23
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