Page 346 - Revista da Armada
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NOS 500 ANOS DOS DESCOBRIMENTOS
o pinção
o fim do século xv, terminada a primeira fase dessa
magnífica epopeia que o Mundo deve aos Portugueses,
N a caravela dos Descobrimentos começa a ser substi-
tuída por navios de maior porte. Estes navios são utilizados
•
para carregar em Lisboa os artigos que hão-de servir de moeda
de troca e que, no regressar da índia ou do Brasil, transportam,
entre outras mercadorias. as especiarias que iriam transformar
os hábitos alimentares dos europeus. •
Os navios, dispondo de capacidade de carga considerável,
têm agora três mastros e" vários pavimentos. o que natural-
mente obriga a novas soluções. Um dos problemas importantes
resulta da cana do leme ficar distante do tombadilho onde se
encontra o comandante e o piloto. Para ultrapassar esta situação
surge o pinção muito provavelmente concebido pelos Portu-
gueses da década de 1490, confonne é afinnado pOl David
Waters. conceituado especialista inglês no domínio da náu-
tica (I).
São raras e extremamente lacónicas as referências, em lfn-
gua portuguesa, ao pinção, também designado pinçote. O pa-
dre Fernando de Oliveira, no «Livro da Fábrica das Naus,.,
na pane final deste imponante tratado de construção naval
publicado cerca de 1564, afirma: Este braço, ou tamIJo do
governtllho, em algumas panes o fazem dobradiço de duas
peças encaixadas à maneira dos ossos do cotovelo, para o
recolherem, por que nllo peje {estorve] o navio; e d<Js peças
há uma clwmada COlU1., que é a que está pegada ao leme, e
a outra em que anda a nulo do marinheiro, se chama pinçllo:
porém mais cena é o inteiriço, porque afirma o movimento
da mIJo, e faz ir o governtllho seguro para onde r> mandam.
No que respeita a iconografia a mais antiga referência, e tal-
vez única, aparece no famoso «Livro de Traças de Carpinta-
Desenho esq~mmico do funcionmnenlo do pinç/Jo (do cap.-m.-g. Sousa
ria,., impresso em 1616. Ao apre'sentar os desenhos dos MaclwdiJ).
componentes mais importantes de um galeão de 300 tonela-
médio de um olhal a uma peça de ferro existente na extremi-
das, o seu autor, Manuel Fernandes, presenteia-nos com uma
dade de vante da cana do leme. .
figura com a legenda «este é o modelo do leme,. onde se vê
a peça que Fernando de Oliveira designa por pinção. No A outra extremidade do pinção era manobrada pelo mari-
entanto, nem a descrição deste famoso autor nem o desenho nheiro do leme, possivelmente auxiliado por outro ou outros
homens, que quando desejava meter leme a um dos bordos
de Manuel Fernandes permitem deduzir o modo do funciona-
mento do pinção. rodava o pinção para o bordo contrário, empurrando-o para
Mas o que é o pinção? Nada mais do que uma simples ala- baixo. Para trazer o leme a meio, fazia a operação inversa,
puxando o pinção e levando-o, ao mesmo tempo, à posição
vanca cujo ponto de apoio esco"ega por um orifício praticado •
vertical.
num sólido munhão de carvalho, com a forma de um peque-
Graças a este aparelho, o marinheiro do leme ficava sifUado
no barril. rodando segundo um eixo longitudinal, e que se situa
num compartimento acima daquele onde trabalhava a cana do a pequena distância ou mesmo no tombadilho, podendo assim
receber, directamente, instruções para o governo do navio.
leme. A extremidade inferior da alavanca, (chamaremos pinção
Mas melhor do que qualquer descrição, que convenhamos
tanto à alavanca como ao conjunto deste aparelho de manobra,
não é fácil de fazer, o leitor poderá aperceber-se do modo como
por carência de terminologia apropriada), é ligada por inter-
funcionava o pinção graças ao sugestivo desenho que apre-
sentamos, da pena' do comandante Sousa Machado.
O famoso Wasa, feito por consrrutores navais holandeses
(1) O It.'me de governo: invençl1o, inlroduç/Jo efuncionamenlO. in Aber- em EsrocoLmo no ano de ./629, dispunha de um pinçiJo que
tura do Mundo. Estudos de Hist6ria dos Descobrimentos Europeus. Organi- é o único exemplar conhecido. Esre pinção tem 4,20 m de com-
zação de Francisco Contente Domingues e Luís Barreto. Editorial Presença.
Usboa, /987. 1iQ/. 1. pp 185 e seguintes. (Este livro i o priIMira I'Olwne primento e a caM do Leme com 9,40 m, é uma enorme viga
de um.:! obra de hmnefUlgem ao prof dr. Lu(s A Ibuquerq~. membro da Aca- em carvalho feira de uma só peça. Devido ao peso e ao impulso
demia de MariniuJ , por fXQSil10 do seu jubileu). para baixo, a caM do leme era suponada, a um rerço do seu
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