Page 45 - Revista da Armada
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fomos  saudados com  vivas  de despe-
         dida pelas suas tripulações, correspon-
         didos  com  três  vivas  da  nossa  gente
         subida às enxárcias. Retirávamos para
         Lisboa ...
           Depois  do  meio-dia  já  estava  so-
        prando vento sul,  que foi refrescando,
         sinal de que nos esperava lá fora, onde
         avistávamos duas barcas no bordo do
         leste, em gáveas baixas.  Em  cima  da
        ponte  o  Comandante  -  nlo percebi
         qual seria o seu Intimo pensamento -
        pareceu hesitar, por causa do cansaço
         da  guamiçlo.  Ora,  depois  de  termos
         aprontado tio depressa um navio con-
         denado e  depois de termos largo com
         tanto espalhafato de inspecçlo e vivas,
         Unhamos  que  ir  para  o  mar  que· é
         colchão  de  navios.  Éramos  jockeys ..
           -  Vamos  para  fora  -  concluiu  o
        Comandante.
            As duas horas de tarde passámos a
        Inhaca. O vento era de facto sul muito
         fresco, bem de força  7,  com  vaga  tio
         cavada  que  a  corveta  teve  logo  de
         meter de capa, proa ao vento e máquina
        a força reduzida, com joanetes arriados
         e até o pau da bujarrona metido dentro,
        pois alagava·se no mar com risco de se
        partir.  Porém  II:  noite,  com  uma  gui-
        nada, o navio descortinou de proa para
        a tena, e nem m$Smo com máquina a
         toda  a  força  quis  orçar  e  aproar ao
        vento.  Tinhamos  que  virar  em  roda.
        Mas nlo se via a vaga e, ao atravessar,
        ainda vieram mares dentro.
           Enfim, lá O deixamos de capa, proa
        ao largo da costa, com que se aguentou.
           Este  caso  recordou-me  que  os
        navios mistos,  de arvoredo desenvol-
         vido  e  máquina  fraca  -  como  era  a
         «Rainha»  -  nem  sempre se aguenta·   Seguiu-se a  vez da  corveta  ameri-  tada  entre a  «Trent»  e  os  bancos  de
         vam  aproados a  mar grosso, como os   cana trNipsic» que, abalroada pela aleml   coral,  a  «Calliope!.'  que,  com  as  suas
         vapores. Acontecimento semelhante e   «Olga»,  desarvorou da chaminé,  tendo   três  centenas  de  almas  corria  talvez
         trágico  foi  aquele,  no  qual  muito  se   que buscar encalhe na areia. Ajudados   para a  morte, foi aclamada com  entu·
        falava, quando eu estava em Moçambi-  pelos nativos, este navio só perdeu pou-  siásticos cheers dos homens da fragata
        que, ainda aspirante, em 1889.     cos homens.  Como se  vê,  a  sentença   americana.
           Retidos pouco antes, por prioridade   marftima ~ terra é  m<fe",  em que tal·   A  vaga encapelada, alagando o con·
        politica, no porto aberto que é  arada   vez  se  tivessem  fiado,  falhava  tecni-  vés  da rtCalliope_ tinha·lhe levado até
        de Apia (capital do grupo Sam6a), sete   camente ...                  escaleres; mas o  navio,  com a  veloci-
        navios  de  guerra  -  um  inglês,  três   Já a  vaga  estava tio cavada que o   dade de milha por hora, conseguiu rom·
        americanos e três alem/es -  todos do   mar rebentava no convés da grande fra-  per para o mar alto sem descortinar, e
         tipo antigo com  velame,  armou-se de   gata americana  IfTrent..; mas ela, com   salvou·se.
        noite um grande temporal, com  vento   avaria grossa no hélice e leme, estava   Já era tarde para o seu acto her6ico
        duro soprando do largo, que logo levan·   imobilizada.                ser  imitado;  e  dentro  em  pouco  as
         tam Ia dentro mar grosso. Todos, apesar   ° vento  continuava  soprando  em   águas da rada ficaram limpas de navios,
        de fundeados a dois lerros e  apoiados   furacão, de modo que o cruzador inglês   perdendo a vida cento e trinta homens.
        pelas máquinas, começaram garrando,   .Calliope~, de três gáveas e 2700 tone-  Mas, por terem encalhado em areia ou
        descaindo  uns para  cima  dos  outros,   ladas  -  afinal  uma  grande fragata  a   lodo,  ainda  depois  foi  posslvel p6r a
        com  balanços que causavam  avarias.   vapor - mesmo com a  máquina a tra-  nado as corvetas .Nipsic!.' e "Olga». °
            Logo a canhoneira alem4 ItEbent foi   balhar, ia garrando para terra. Entlo o   «Trem» e dois outros navios ficaram ne
        arrojada II: praia, s6 se salvando um ofi-  comandante  tomou  uma  resoluç<fo   praia com o  «EbeIII.
        cial e  quatro marinheiros.        desesperada: com mastaréus de gávea   Assim fui levado a  concluir que c
           Depois a corveta  trAd1eIII,  também   acachapados e vergas arriadaa, largou   mesmo  desastre teria acabado  com  ii
        aleml, foi envolvida por um  vaga1h<fo   a amarra do único ferro que lhe restava   ItRainha»,  visto que agora, sem o venta
        Ulo grosso que a levou para cima da laje   no fundo e, forçando a press40 nas cal-  ser tio duro corno aquele que, em Apia,
        de  coral,  onde ficou  deitada  sobre  o   deiras, meteu proa ao mar largo. (Urna   nem  deixava  içar bandeiras,  o  nosso
        costado. Dos seus 130 tripulantes par-  conhecida gravura inglesa regista este   navio nlfo podia conservar-se aproado
        deu vinte homens.                  gesto  aventuroso).  A passagem  aper-  80 mST.
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