Page 46 - Revista da Armada
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temJXIS comuns mBSmo nos navios mer-
ideias e deixaram a corveta ficar na
Agora, mesmoapr08da para o lsrgo, cantes, mas já então raras no mar.
e com o mar na amura, a «Rainha» estação, com alguns dos que tinham Era a canhoneira /fruo Douro. velho
seguia pouco; mas a corrente para sul, retirado de Moçambique por antigui- navio de madeira de seiscentas tonela-
dade, ou com o tirocinio acabado.
contra o vento, mantinha-se forte como das (4) que, pela última vez, ia atraves-
ali costuma e, no fim da singradura, sar o Atl4ntico, embora só avançando
tinhamos avançado 71 milhas para ESE. :. !Ao devagar como wn homem a pé. Mas
Depois o tempo melhorou e com dez nada melhor se poderia fazer, porque
dias de viagem entrávamos em Cape- FeUzmente, semanas depois, o o seu raio de acção a vapor era de 1500
toW1l, onde o piloto notou que a chami- Comandante, capitão-tenente xavier de milhas, e a distAncia a vencer entre
né levava manchas brancas, de sal/ Matos, e eu (3) passámos á canhoneira Luanda e Santiago andava pelas 2500.
Tinha.se esquecido aquela madeira IIDouro., que retirava para Lisboa. TlnhamOS que velejar.
que faltava no fundo, de modo que se famos, talvez, correr outras aventuras Pois nem por isso, cá a bordo, inve-
não meteu o navio no dique para lim- marftimas na última viagem de um jávamos a sorte do esplêndida paquete
peza e exame do casco, coisa que se cansado navio misto, que não podia a caminho de Atrica, apesar dos nossos
não fazja há anos, pois ainda não havia empreender tiradas lsrgas sem ajuda do acanhados alojamentos, sem livros além
dique em Lourenço Marques. seu pano, pois os paióis só compor- dos que levávamos já lidos e relidos,
Era viagem para Lisboa ... Continua- tavam uma dezena de dias de carvão. sem jogos, de esporte para os quais o
riamos navegando por cima de toda a Naturalmente comecei logo por tratar escasso convés, runda empachado com
folha, na ideia de ir escalar Angola. em especial dos meios de salvaçSo de artilharia, escotilhas e pandeiros de
Abastecida no Gabo a IIRainha de quem caisse ao mar. cabo, se não prestava. Táo pouco havia
Portugal», e tendo sido dado descanso Partidos de Luanda em princfpiOS bar por falta de matéria-prima - o
á guarnição, bastante reduzida e que de Junho (ainda em 1897) em viagem gelo _ como a não havia para flirts.
ainda não parara desde que lá tinhamos para Santiago, rumámos para o largo, Era, de resto, viagem de retirada de
entrado, largámos a 3 de Abril para o a vapor, enquanto durou o carvão que wna estação de anos na costa de África,
nOFte. ia em cima. Depois apagaram-se as for- onde então se vivia sob a preocupação
O navio ia tão sujo que, a toda a nalhas, e entrámos na parte da viagem do desterro. Agora tinha cessado esse
força da máquina, mal chegava a deitar á vela, que nos levou 17 dias a fio. mal-estar, porque cada segundo decor-
seis milhas. É certo que de uma vez Ora uma tarde, foi avistado o paque- rido representava uns decimetros na
chegou ás oito, mas isto foi vento sul te inglés da carreira semanal do Cabo direcção desse desejado Eldorado,
muito fresco e pano largo. que já tinha cortado a linha para o sul, Lisboa, que por cada um de nós era
Não me esquecera da promessa e ia deitando mais de 15 milhas contra materializado consoante suas predilec-
feita no ano anterior e que agora, como o vento geral de Sueste, entAio tão fraco ções: a famflia, os teatros, os touros, os
imediato, já podia efectivar. Havia que nem levantava carneirada. Mas lá cafés, a Avenida ou mesmo o Bairro
sempre, de cada bordo, um escaler de a bordo, o seguimento tornava o vento Alto, talvez a Boavista. Ainda n.§o havia
salvação pronto a arriar, com gente fresco. Nessa espécie de hotel-nave- cinema, porque a velha Lanterna Mági-
nomeada; a bóia tinha facho Holmes, gante a vida corria fácil. Se nilo fosse ca ainda nilo tinha empolgado o mundo.
que de dia dava fumo com fogo para ser o interesse que o ponto do meio-dja Pensando assim, o oficial de quarto,
vista de noite. Toda a tripulação estava sempre despertava, por causa do leilão ao avistar o vapor, nem se lembrou de
escalada para postos de abandono do das milhas, os passageiros poderiam mandar essa novidade aos camaradas
navio. perder a noção de que estavam no mar que, nessa tarde, BStavam todos em
Aconteceu que uma tarde, depois largo, pois não há ali os temporais do baixo na escura c.ârnara, acabando de
de vários exercJcios, runda o Coman- Atl4ntico Norte ou da Biscaia. Os inter- jantar em animada conversa.
dante se lembrou de gritar: valos entre as cinco ou seis refeições Como demais já conheciam a vida
_ Homem ao mar/ diárias eram preenchidos pela leitura e pensamento uns dos outros,
Então eu, que iS estava em baixo, de livros - talvez mesmo alguma entretinham.se na dJscussão de parado-
na cámara, ajeitando com o sargento o novela marftima como as do, entAio xos, tal o de apurar se a Terra seria real-
detalhe dos postos, não supus que se muito apreciado, Clarck Russel - ou mente redonda apesar das coisas se
trataria de mrus um exercido. Só pensei jogos de convés, excurSÕBs ao bar, passarem corno se ela fosse esférica.
em mim: - Desta vez havemos de o festas de noite, um pouco de flirt, etc. Seria absurdo análogo aquele de não
salvar! Por isso, excepção feita do pessoal poder haver presente, visto que o
Corri acima, saltei no escaler que iS de quarto 8 de wn outro passageiro, dos tempo, não podendO ter fim, tão pouco
começava a arriar e, do leme, estimulei que há sempre que vangueiam pelo tivera principio.
os remadores. Depressa apanhámos a navio e olham para o mar, ninguém Por que as histórias da nossa Mari-
bóia que fumava, e só então percebi mais notou ter-se cortado a proa a um nha, iS passada a idade trágico-mari·
que tinha obedecido ao meu voto ... mas pequeno navio de guerra içando a ban- tima, n§o interessavam mais. O nau-
platonicamente. Ainda não tinha salvo deira portuguesa - aPortuguese man- frágio do brigue ttMondegoM, como o
ninguém I -of-war _ que, só á vela, ia deitando as desarvoramento da fragata IID. Fernan-
Poucos dias depois entrávamos em suas duas ou três milhas, paciente- do .. , eram romance antigo. Pouco já se
Luanda. Metemos a IIRrunha» na doca mente aproada a oeste, com todo o seu recordava aquela aventura naval de um
flutuante e vimos então que, de facto, pano largo, e até cutelos, velas noutros comandante de canhoneira que, em
faltava alguma madeira no fundo, e até Hong Kong, vestindo alC8Xa e ao leme
parte da quartelada de ré da quilha, da sua canoa, fora a bordo do paquete
(2) Do grupo de rê lazis parte o depois
perda esta que era total entre os dois chamado .Brito da AlIgónia_. Também ia e da América raptar uma jovem. (Era no
cadastesl Mas os oficiais de paus e bordo, encarregado ds máquina, o ~velho
Madeira_, que estivera no desarvoramento
corda, os jockeys, tinham cumprido (2).
da Fragata. Ainda d vivo o entIJo segundo-
Então, aqueles que nos tinham (4) Apesar de consUulda no ArS6na1em
.tenente Vital Gomes.
1870, MO foi poBSiveJ encontrar·lhe os planos
atirado a isca do regresso a Lisboa, (3) O qu6 foi fácil, porque mio gostavam para reconstituir para o Museu de Marinha
apanhando o brigue em Angola, de muito de mim ... Isso me lavou, depois, a 6ste clássico modelo da canhoneirll.
Timor, NiasSB, Congo, Barotsa.
fundo limpo e reparado, mudaram de
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