Page 50 - Revista da Armada
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estaleiros de construção naval, a riqueza Decidiu imediatamente antecipar-se ao de Goa. A sua intenção, ao adoptar este
da sua alfândega por onde passava a inimigo e deu ordem ao mestre da nau dispositivo, era colher os portugueses
maior parte dos cavalos idos da Pérsia «Flor da Rosa,. de nome Casa Verde, entre dois fogos. Qualquer que fosse o
para a índia. a relativa facilidade com para que fosse num parau, escoltado por grupo que atacassem, ficariam com as
que podia ser defendida, a sua posição duas galés e um bergantim, queimar as popas, onde não tinham artilharia, vol-
a meio da costa ocidenta1 da Índia, tudo balsas. tadas para o OUlro grupo e, consequen-
isso, fazia de Goa uma base ideal, a base Na noite anterior à prevista para o temente, numa PJSição muito vulnerável.
de que os Portugueses precisavam para ataque à nossa armada, o parau do Mas D. António encontrou sem dificul-
conseguirem ganhar e conservar O mestre Casa Verde, as duas galés e o dade o antídoto adequado. Dividiu tam-
monopólio do comércio marítimo do bergantim começaram a subir o Mandovi bém os seus batéis em dois grupos, um
oceano índico. na intenção de chegar, sem ser pressen- de quatro com que foi contra Sufolarim
Mas o Idalcão não deixou Albuquer- tidos, à ribeira de Goa. No entanto, é e outro de seis que mandou contra os
que saborear por mais de três meses a muito provável que por qualquer motivo pamus que estavam do lado da cidade,
satisfação de ser senhor da cidade. fortuito tenham largado tarde demais. recomendando insistentemente a ambos
Apressando-se a fazer as pazes com o rei Daí resultou que apanharam a força da que não fizessem fogo ao mesmo tempo
de Narsinga, veio sobre ela com um vazante o que não permitiu que as galés mas sim sucessivamente, por forma a
exército de cerca de quarenta mil e o bergantim passassem além de Reban- manter o inimigo sob um bombardea-
homens, muitos dos quais turcos. dar. Resolveu o mestre Casa Verde con- mento contínuo. Às galés ordenou que
Como o perímetro da ilha de Goa é linuar sozinho, mas a sorte não o seguissem alrás dos batéis e acorressem
muito grande e ainda não tinha sido pos- favoreceu. Quando chegou à ribeira já onde fosse mais necessário.
sível a Afonso de Albuquerque fortificar o dia começava a romper e as sentine- Logo que os nossos batéis tiveram os
convenientemente tOdos os passos, as las, vendo um parau aproximar-se, vindo paraus do Idalcão ao alcance de tiro dos
tropas do Idalcão. aproveitando uma do lado da foz, perceberam logo que era seus berços, reacendeu-se o duelo de
noite de temporal. conseguiram infiltrar- português e deram o alarme. No meio de artilharia, durante o qual aqueles pouco
-se em grande número na ilha, o que grande alarido acorreram numerosos sol- ou nada sofreram porque o tiro dos
obrigou os portugueses a retirar para dados que guarneceram apressadamente indianos era pouco certeiro e a maior
a cidade onde se conservaram ainda os seus paraus e saíram com eles em parte dos seus pelouros passavam por
durante vinte dias repelindo sucessivos perseguição do nosso. alto. Pelo contrário, os navios inimigos
assaltos. Não teve outra alternativa o mestre sofreram muitas avarias e tiveram muitos
Porém, quando o Idalcão mandou Casa Verde se não inverter o rumo e mortos e feridos, sobretudo entre os
afundar uma nau sua no Mandovi, a mandar fazer força de remos em direc- remadores que eram os que estavam mais
juzante do fundeadouro da nossa armada. ção a Rebandar levando atrás de si desprotegidos.
para impedir que esta pudesse sair para numerosos paraus do ldalcão disparando Quando pareceu a D. António que o
o mar e começou a preparar muitos a artilharia, felizmente, com fraca pon- grupo de paraus que tinha pela frente já
pamus e muitas jangadas carregadas com taria. Ouvindo o estrondo das bombar- estava suficientemente destroçado, deci-
resina e azeite para irem queimar os nos- das, as nossas duas galés e o bergantim diu arremeter contra eles com OS seus
sos navios, Albuquerque, vendo que não foram logo em socorro do parau tra- qU3lro batéis para finalizar o combate à
tinha forças suficientes para defender. ao vando com os seus perseguidores um lança e à espada. Mas Sufolarim não foi
mesmo tempo, a cidade e a armada, renhido duelo de artilharia. da mesma opinião. Vendo o estado
resolveu abandonar aquela. Apesar da Por seu turno, Afonso de Albuquer- deplorável em que se encontravam os
nau que o IdaJcão mandam afundar, con- que, logo que se apercebeu do combate, seus navios, baleu apressadamente em
seguiu levar sem novidade a sua armada deu ordem a seu sobrinho D.António de retirada em direcção à cidade em busca
para a zona do rio compreendida entre Noronha para mandar embarcar nos do amparo da sua artilharia e dos seus
Rebandar e Pangim, pondo-a a salvo do batéis toda a gente disponível e ir com frecheiros. Fazendo força de remos, os
bombardeamento comínuo a que estava eles reforçar as galés e o bergantim. batéis de D. António foram no seu
sujeita quando fundeada defronte da Levou D. António consigo dez batéis encalço, desejosos sobrerudo de recupe-
cidade. Mas, como a «monção,. estava na artilhados, cada um deles com cerca de rar a galé onde ia Sufolarim. Porém,
sua máxima força, não pôde fazer-se ao trinta homens. e, aproveitando a enchen- logo que esta e os paraus que a acompa-
mar. vendo-se obrigado a invernar no te, chegou em pouco tempo ao local da nhavam abicaram à praia foram puxados
Mandovi, situação deveras embaraçosa, peleja. para cima por uma multidão de soldados
não só por se encontrar, por assim dizer, Os paraus do Idalcão eram coman- turcos e indianos que acorreram em seu
entre as garras do inimigo mas sobretudo dados por um turco chamado Sufolarim auxílio. Não obstante, e apesar do seu
porque linha muito poucos mantimentos, que escolhera para navio-chefe uma galé batel estar a tocar no fundo, D. António
do que resultou as guarnições passarem portuguesa que estava em reparação na foi aferrar a galé pela popa. Imediata-
muita fome e surgirem graves desinteli- ribeira de Goa quando os nossos tiveram mente saltaram para dentro dela cinco
gências entre ele e os capitães. de abandonar a cidade e que. por acaso. cavaleiros portugueses, cobenos dos pés
Certo dia, por intermédio dum era uma das duas que D. Francisco de à cabeça com as suas armaduras e jogan-
degredado português que andava no Almeida tinha tomado aos Rumes em do a ambas as mãos pesados montantes
campo do Idalcão fazendo-se passar por Diu. Quando Sufolarim viu aproximar os com que abriam clareiras de morte à sua
muçulmano. soube Afonso de Albuquer- batéis de D. António de Noronha, divi- volta. E em poucos minutos a galé foi
que que estava a ser preparado um ataque diu os seus pamus em dois grupos. indo despejada dos inimigos!
nocturno contra a sua armada com as com um para junto da ilha de Divar e Por azar, nesse preciso momento,
ba1sas de fogo escoltadas pelos pamus. mandando o outro para junto da ribeira quando D. António de Noronha ia a
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