Page 94 - Revista da Armada
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pudessem ripostar. Claro que isto é
mais fácil de dizer do que fazer. Para
além do sangue-frio que requeria
- e que regra geral, em boa ver-
dade, existia - , estas manobras
tinham que ser feitas sem que a
lancha encalhasse nas margens ou
no fundo e, quando navegava em
comboio, que o conjunto se desarti-
culasse ou atingisse forças amigas.
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Não mencionei uma outra vulne-
rabilidade que, no entanto, dava a
todos grandes dores de cabeça. Era
a que se verificava quando a lancha
estava abicada à margem e de porta
aberta. Não podíamos fazê-lo para
A LDM-307 navegando num rio da Guiné, vendo-se ao fundo o tanafe (foto do arquivo da «RA_).
desembarcar ou embarcar forças em
ques. E nós próprios, a bordo, montante e na vazante para jusante, operações, em qualquer sítio.
também tínhamos, por vezes, dificul- ou ficando fundeado. O objectivo, Grandes trechos das margens
dade em interpretar alguns sons que veio a ser alcançado, era revelar eram de lodo mole e quem ali puses-
importantes para a nossa actuação. a nossa posição na segunda noite, se o pé sumia-se por ele abaixo. Por
Penso sobretudo nos provocados persuadindo o inimigo de que estava outro lado, havia um tipo de vegeta-
pelos disparos das diversas armas em curso uma operação de desem- ção predominante, o tarrafe, cujas
do inimigo, do sopro da passagem barque, levando-o assim a mostrar o caraterísticas impediam que as pes-
dos projécteis e da sua explosão. seu dispositivo de defesa. Evidente- soas passassem através dele. Por-
Naturalmente, que não era o caso mente que, à noite, a chama à boca, tanto, lodo mole e tarrafe eram, em
quando os impactes eram próximos. as traçadoras, os impactes das gra- principio, excluídos como locais de
Uma morteirada ou uma bazucada nadas, assim como o matraquear abicagem. O inimigo podia assim
junto à lancha, deixava-nos os ouvi- dos diversos tipos de armas automá- proteger-se melhor dos acessos por
dos a zumbir, éramos borrifados (se ticas permitia-nos fazer um balanço lancha, pois eliminava, de antemão,
a explosão se dava na água) e o das armas de que dispunham e do os esforços de vigilância e protecção
coração ficava aos pulos ... local aproximado da sua implan- de grandes extensões das margens.
A verdade é que, com uma lan- tação. Convém, no entanto, sublinhar
cha em silêncio, se poderia ouvir o .. RA.. - Continuámos a não que o tarrafe também era nosso
disparo do morteiro atacante (se não interromper o nosso interlocutor, que amigo! Funcionava como uma cor-
estivesse muito longe) e depois a nos disse: tina que nos lornava invisíveis (mas
explosão da granada. A navegar, AC - Um dos problemas mais não silenciosos, infelizmente!) e não
víamos a gerbe na água e quase de preocupantes quando a lancha era lhes permitia dispor de campos de
seguida (dependia da distância a atacada, provinha da limitação dos tiro para nos atacar.
que estávamos do impacte) chega- campos de tiro resultante das suas Nós tlnhamos, claro, uma per-
va-nos o estrépito, agudo e metálico estruturas. A peça de 20 mm estava cepção aguda dos riscos que corrfa-
da explosão, quase como uma chi- colocada num reparo por anteavante mos a bordo das LDM em conse-
cotada. da casa do leme e não podia abrir quência das vulnerabilidades que
Naturalmente que, para obviar, fogo para os sectores da proa nem referi e que o atacante inimigo
em certas ocasiões, aos inconve- da popa. Portanto, havia um sector procurava aproveitar.
nientes do barulho que fazíamos, de 60 a 80° (metade para cada
recorríamos a algumas dissimula- bordo, a contar da proa e da popa)
ções, como, por exemplo, pôr uma que não podia ser batido e no qual
ou duas lanchas a navegar em velo- o inimigo, se aí colocado, podia abrir
cidade de cruzeiro ao mesmo tempo fogo contra a lancha com relativa
que, com outras, faziamos o desem- segurança. E, naturalmente, ele
barque da força em local diferente. sabia isso.
A imaginação é que ditava o modo Era, portanto, sobretudo das
de actuar quando o silêncio era uma alheIas que podiam vir, e vinham, os
exigência essencial ao êxito da ataques próximos, potencialmente
operação. mais perigosos. Quando surgiam
Recordo-me de ter passado um situações dessas, e não eram raras, N. R. - N~o gostamos de publicar artigos
dia e uma noite, numa zona que se tinha-se, como nós dizfamos, que em mais que um numero da Revista. No
entanto, dado o interesse e a extens~o desta
supunha eficazmente controlada abrir os campos de tiro, isto é, gui- conVfJrsB fomos levados a faz~lo, concluindo-
pelo PAIGC, sem ser detectado, nar sucessivamente para um bordo -a no próximo número.
navegando à deriva e ao sabor das e outro de modo a que a peça e,
correntes da maré, na enchente para eventualmente, as metralhadoras ••••••••••••••••••
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