Page 99 - Revista da Armada
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eu, franzindo a testa, e pensando cá para
mim: «Como é que te vais 'safar desta?»
- Muito simplesmente, contando-te
a verdade dos factos - retorquiu, muito
desabridamente, o nosso brigadeiro.
(Percebi então, e advirto o leitor para o
facto de que, neste tipo de diálogo. os
nossos pensamentos são perfeitamente
entendidos pelo nosso interlocutor.
Cuidado!). E. ainda. muito zangado,
Bartolomeu da Costa continuou: - Em
1776, o ministro da Marinha, Martinho
de Melo, constatando que as fábricas de
pólvora de Barcarena e Alcântara, explo-
radas por particulares. iam de mal a pior,
decidiu entregar-me a sua direcção. Pois
bem, modernizei a exploração, introdu-
zindo novos processos de laboração,
alguns da minha autoria, tomei medidas
rigorosas de segurança no trabalho.
novidade em que muitos não acredita-
o diqut: do Arst:MI da Marinha. Dentro, t:m /914. oprimt:iro submt:rsfl't:1 portugub, o _Espadartt:_.
vam, e o resultado foi ter conseguido, na
nimos, onde aliás ninguém te encontra, - Mas, mas, não te oiço dizer outra década de 90, tirar mais de 100 contos
e, agora, oiço-te aqui. coisa. É por falta de dinheiro? de réis de rendimento anual com a venda
~ De facto, é o que diz o meu registo - Sim .. Não ... da pólvora a particulares e mesmo
de óbito, todavia não quis lá ficar. - Se é por falta de dinheiro, se é a exportando para o estrangeiro. Isto sem
Preferi esta morada, junto desta obra que Fazenda que não tem cabedais, porque contar com as quantidades que eram
construí. A propósito, sabes, porventura, não pagas tu os trabalhos de recupera- fornecidas aos organismos do Estado.
que este dique começou a ser construído ção do dique? - Bestial. bestial - exclamei eu,
em Junho de 1788, exactamente há 200 - Eu? Eu, Bartolomeu? Onde é que er.,_ ~; asmado.
anos? Sabias isto? Se calhar, não. Que eu tinha dinheiro para tal? - Bestial? Não estás a ofender-me?
memória curta vocês têm! Às vezes, é - Pois olha, quando o dique foi - Desculpa lá, Bartolomeu. As pa-
preferível não ter nascido do que sofrer construído, quem o pagou, fui eu! lavras mudam de sentido. Hoje bestial
o doloroso desgosto de ser esquecido. - Não brinques comigo, Bartolo- quer dizer colossal, formidável. Não
Mas, mas, Barto ... ~ ia eu a meu. Eu sei que não eras homem rico. queria molestar-te.
dizer. Essa não! - Ah, bem, estás desculpado. Mas
Qual mas, nem meio mas. A - Mas é verdade, quer queiras, quer tem cuidado, porque sempre tive mau
Marinha nem sabe que eu existo. E, no não. E, já agora, aprende comigo: não feitio, pelo menos era o que diziam.
entanto, comecei a minha vida como é necessário ter dinheiro para realizar Quando tinha razão, era de antes quebrar
artilheiro na quinta esquadra, tinha então uma obra. Basla ler imaginação para o que torcer. Cheguei mesmo a estar preso
12 anos, e fiz viagens a Angola e ao Bra- conseguir. na Torre de Belém. Mas continuando.
sil. Teria seguido a carreira naval, se não Talvez lenhas razão, mas confesso quero dizer-te, que o Martinho de Melo,
tivesse sido promovido, em 1758, a que estou cheio de curiosidade - disse conseguiu convencer a rainha a consti-
condestável-mor de artilharia da Guar-
nição da Corte e Marinha, e, como esta Maqul'tt: do arra,ljo da área da Ribeira dns Naus. aprt:senttuW pela Administra("do-Gt:ral do Pano de
Lisboa. A lege"dn numt:rada irnJica o actUllI Edijfcio dn Man·nIJa. incluindo o local do dique. prt:sellle-
graduação me dispensava de embarque,
meme sOlt:rrado: / - Ala oeSlt: t: antigo StJlo do Risco. 2 - Ala norte. 3 - Ala leslt:. 4 - Casa da
fui mandado servir no Arsenal do Balança. 5 - Dique. 6 - Capt:la de S. Roque. A - Tt:rreiro do Paço. 8 - Praça do Mrmicfpio.
Exército. C - Largo do Corpo Samo. E - Rio Tt:io.
- Confesso que não sabia - res-
pondi eu.
- Mas vamos ao que interessa. A
respeito do dique, o que é que pensam
fazer? Olha em volta. Vês alguma placa,
por mais pobrezinha que seja, a assina-
lar o meu nome? Aliás, o que devia ser
feito , era desentulhar o dique e aqui
meter um navio. Assim é que, de facto,
me homenageavam condignamente, a
mim e à obra que realizei, e que foi a
primeira deste tipo que houve em Por-
•
tugal. Já pensaste nisto?
- Sim, sim, já houve quem pensas-
se, mas, mas.. - gaguejei eu.