Page 95 - Revista da Armada
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                                 o MARINHEIRO
                                        .                                 /  4;1




          A quinta viagem








               squecido de quantas tribulações havia passado,   a  tão  estranha  forma  arquitectónica  tão  lisa,  tão
               gozando a ~la vida do praz~r e da abas~ça,     fechada, sem portas nem janelas; e vai, partiram o ovo.
          E Sindbad nutna, porém, no íntimo, a nostalgIa do   Admiraram-se de ver sair dele grande quantidade de
          mar, das viagens, do inesperado que as terras distan-  liquido  gelatinoso,  mas  ainda  mais  se  admiraram
          tes  lhe  proporcionavam  e  que  doloso  reflexo  da   quando do liquido emergiu uma ave ainda implume.
          memória lhe  deixava  ressumar apenas o  lado  bom.   Sem nojo, logo ali a  cortaram em bocados que trans-
          A  sua alma não estava em paz. O fascínio de voltar   portaram  depois  para  os  cozinhar  a  bordo,  onde
          ao comércio noutras paragens, e  o subtil estímulo de   contaram a Sindbad o sucedido, e convidaram para o
          admirável aoma de riquezas já alcançada. levaram-no   pitéu. Sindbad não augurou nada de bom, se acaso os
          a  comprar um navio.                                abutres pais descobrissem o  pobre destino do filho.
             Era novo em folha, tinha o casco de boas madei-     Ora, não demorou muito que tal não acontecesse.
          ras, bem urdidas, bom aparelho, e Sindbad recrutou,   Tinham começado já a  navegar, mas o cheiro da ave
          para o pilotar, hábil capitão e  marinheiros experien-  assada a  bordo alcançara de longe os progenitores,
          tes. Carregou-o,  aceitou outros mercadores  que lhe   que apareceram no espaço, como duas nuvens, aproxi-
          pagaram logo o preço da viagem, e eis que se fazem   mando-se e  ocultando o  Sol.  Pavorosos, ecoavam no
          ao mar. As experiências por que passara antes pode-  ar os pios lancinantes do casal. e  maior pavor ainda
          riam  servir·lhe  agora  para  livrar  de  apuros  quer  o   infundiu nos navegantes terem vislumbrado que cada
          barco, quer os companheiros. A viagem, entrementes,   uma das aves transportava nas garras enormes pene-
          foi decorrendo calma, com ventos bonançosos da mono   dos que deixariam com certeza cair sobre o navio, e
          ção, e as escalas lucrativas em diversos portos e cida-  o  afundariam.
          des atenuavam recônditos temores.                      O  capitão,  homem  de  mar  experimentado,  deu
             Um dia, porém, ao aproximarem-se de ilha deserta   ordens para a  manobra das velas, ele próprio meteu,
          onde nada se via senão singular casinha branca em   competente, o leme, e conseguiu assim subtrair-se aos
          forma  de  cúpula,  logo  estremeceu  o  coração  de   efeitos do primeiro, maior que todo o convés, que foi
          Sindbad ao reconhecer o ovo do roc - o descomunal   cair pela amura, levantando um mar enorme. O segun-
          abutre das rochas, igual ao que, em tempos, o havia   do rochedo,  porém, apanhou na queda toda a  parte
          intrigado também. Guardou todavia o caso para si, não   de ré da embarcação, que se desfez em mil pedaços
          fossem os companheiros zombar de contos tão fora do   de tábuas, de cordame, de velas em farrapos .
          comum. Quiseram desembarcar, a  desentorpecer as       Alguns  dos  mercadores  e  tripulantes  morreram
          pernas, e logo foram todos, curiosos, atirar com pedras   logo, outros lutavam contra o afogamento inevitável.
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