Page 58 - Revista da Armada
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que correndo a oeste ‘muito mais do que quisera’, fora ter a uma ilha próprios autores, aparecem várias referências à conhecida tradição
‘em que havia sete cidades e onde se falava ‘a nossa língua’, ‘e per- das naus de pedra de que recolhemos da descrição da vila de Sagres:
guntaram se tinham os mouros ainda ocupado Espanha donde fugi-
ram pela perda de El-Rei D. Rodrigo’ ”. (12) Foi muito povoada esta villa, mas hoje nada existe da sua grandeza,
Em Março de 1989, apareceram pertinentes notícias da existência senão as casas, aliás ordinárias, onde consta que morava o Infante.
de inscrições, exibindo embarcações de vela com a data 1450 e a Em Novembro de 1839, se collocaram n’esta casa, duas lapides de
Cruz de Cristo, numa gruta de Ábaco Grande. marmore, embutidas na parede.
Foram denunciadas pelos componentes, ingleses, da operação Cada uma d’estas lapides tem 1,m25 d’alto e 1,m15 de largo.
Raleigh 178B, que teve lugar de 14 a 19 de Janeiro desse ano com o Em uma estão gravadas as armas do infante (que são as de Portugal)
objectivo de investigar a ocupação da ilha com especial incidência tendo por timbre a cabeça de uma serpente alada, com a legenda
–TALENT DE BIEN FAIRE– de que o infante usava.
em épocas anteriores a 1492. Do lado esquerdo, vê-se um globo terrestre, e do direito um navio à vela.
Os jovens estudantes foram instruídos no terreno por Ian Lothian Foi esculpida por Manuel Simões.
que os levou a estudar os restos duma povoação que se chamou Ale- A lapide da direita, tem uma inscrição laudatoria, narrando os rele-
xandria, e depois à gruta onde se encontravam os referidos grafitos. vantes serviços que à patria, às sciencias mathematicas e à navegação,
Curiosamente, as razões que a missão portuguesa, ali enviada para fez o esclarecido infante. (14).
estudar a autenticidade das gravuras, encontrou para ilidi-las são sen-
sivelmente as mesmas que a Comissão Corte Real, chefiada pelo O ilustre autor vai anotando vestígios das naus dos marinheiros,
Almirante Gago Coutinho, achou por bem considerar para perfilhar a observando na descrição da vila duriense de Valongo:
Pedra de Dighton. (13).
Em 1625, um navio portuguez que regressava a este reino, soffreu tão
grande tormenta, que estava a ponto de submergir-se. Os navegantes
recorreram à protecção de S. S. Virgem, e um d’elles, chamado Thomé
Antonio, natural de Campanhan, prometteu mandar construir uma
ermida, dedicada à SENHORA, se chegasse a salvamento. Ouvida a sua
prece, cumpriu Thomé o seu voto; pois, apenas desembarcou, na cidade
do Porto, foi procurar sitio adequado ao seu intento, e que fosse perto
da sua freguezia. Escolheu um planalto, na serra de Vallongo, chamado
as Chans, e ali se erigiu a ermida.
Os povos d’estes sitios – principalmente os pescadores e navegantes,
tinham com esta SENHORA grande devoção, e lhe faziam uma sump-
tuosa festa annual.
O fundador, em memoria da tormenta que esteve a ponto de o
Pedra de Dighton.
sepultar no abysmo do mar, e aos seus companheiros mandou fazer e
Além disso, a genuinidade das gravuras parece apoiada na existên- collocar na ermida, um lindo navio, com a competente inscrição. (15).
cia dos restos dum veleiro afundado nas águas próximas.
A nau gravada na rocha do Templo da Barra, em Macau, poderá Os testemunhos de incontestáveis mestres mostram que desde as
relacionar-se com a chegada dos primeiros portugueses aos mares do naus de pedra das casas dos navegantes aos mais pequeninos relevos
celeste império. e pormenores dos nossos monumentos nada pode entender-se por
Em Milnerton, África do Sul, foi encontrada, já nessa década, uma enfeites de acaso desde que alegorizam coisas importantes da vida
“Pedra Postal” com a inscrição: “O capitão Cristóvão de Mendonça nacional.
chegou aqui na Nau Vitória a 25 de Maio de 1524, todos bem. Deus No homem, à necessidade de viver e de crescer cola-se o forte dese-
seja louvado”. jo de notorizar-se no espaço e no tempo, a aguilhoante ânsia de per-
Ainda há poucos anos, os australianos procuraram com subido inte- petuação, aproveitando todas as motivações para marcar sua existên-
resse os destroços de um navio português perdido na águas da sua costa cia durante e para além das próprias vidas. Daí as muitas antigas mar-
onde em rochas próximas se encontraram figuras de remotos veleiros. cas em vetustas casas a recordar-nos devoções e apegos como acon-
Destarte, vetustas gravuras de barcos dão a entender que nessas tece com os sinais e siglas tanto devocionais quanto a memorizar estir-
águas teriam navegado e talvez naufragado barcos portugueses em pes nobiliárquicas ou de ofício, correspondendo as naus de pedra à
tempos anteriores aos vulgarmente considerados como está clara- ideia de perpetuação da lembrança que os homens do mar das épocas
mente exposto na História e nos preciosos relatos dos nossos cronistas. áureas de antanho quiseram deixar-nos e nos cumpre conhecer,
Outros relatos confirmam que os mareantes portugueses já antes e restaurar, respeitar e transmitir como recordações e homenagem aos
nos primeiros anos dos Descobrimentos se aventuravam mar largo navegadores que tornaram grande e notada a Alma Lusíada.
adentro, possuíam roteiros e referências celestes que aproveitavam o
regime dos ventos alísios e as correntes do Atlântico de que até os “lei- Acácio Neves
gos” estavam industriados, quanto levavam no bojo dos barcos ani- SAR AJ REF
mais, sementes e plantas que vão deixando com escravos em pontos (Colaboração do Gab. de Fot. do CEMA)
escolhidos das costas que iam tocando a fim de aí criarem novas cul-
turas e condições que amenizassem a passagem de outros barcos de BIBLIOGRAFIA - NOTAS:
exploração e a sua posterior colonização, e daí as armas do Infante e (1) Nuno Valdez dos Santos (8) Raúl Brandão – “Guia de Portugal”
dados pessoais dos mareantes que ficaram como sinal de descoberta e – “Pedras que falam do mar”; vol. I (1924);
(2) Júlio de Castilho – “Ribeira de
(9) Teixeira de Carvalho – “Notas de Arte
posse a marcar os troncos das grandes Lisboa”, vol. IV, pág. 288; e Crítica” (1926), Pág. 389;
árvores, as cruzes de madeira e as ins- (3) José de Vasconcelos e Meneses – “Os (10) J. A. d’Almeida – “Dicionário
culturas das rochas que ficaram esque- Marinheiros e o Almirantado” p. 60; Abreviado ...”, vol. II (1866), pág. 115;
cidas nas conhecenças desde o prin- (4) Luís Pastor de Macedo e Norberto de (11) Alfredo de Mesquita – “Lisboa” (1903);
Araújo – “Casas da Câmara de Lisboa”
cípio aproveitadas como referências da (1951), pág. 181; (12) Dr. Francisco Fernandes Lopes
– “História da Expansão Portuguesa
navegação lusíada. (5) Angelina Vital – “Lisboa Antiga e no Mundo”, vol. II (1940), pág. 333;
Durante o século dezanove, época Lisboa Moderna”, (1906); (13) Boletim da Sociedade de Geografia
nobre da cultura ultramarina que pro- (6) Luís Chaves – “Lisboa nas Auras do de Lisboa” – Março-Abril de 1939;
duziu muitas e valiosas obras de inves- Povo e da História”, vol. I, pág. 158; (14) Pinho Leal – “Portugal Antigo e
(7) Carlos Malheiro Dias – “História da
Moderno” vol. VIII, (1878), pág. 324;
tigação sobre os Descobrimentos, bem Colonização Portuguesa do Brasil” (15) Pinho Leal – “Portugal Antigo
muitas vezes impressas a expensas dos Largo do Terreiro do Trigo. (1921), pág. XCVII; e Moderno “vol. X (1882), pág. 180.
20 FEVEREIRO 99 • REVISTA DA ARMADA