Page 161 - Revista da Armada
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Após a sua saída da Direcção do Serviço de Electricidade e  do novo Ministro da Marinha, desde 26 de Agosto de 1968, Contra-
         Comunicações, onde deixou uma obra notabilíssima, com expressivo  -Almirante Manuel Pereira Crespo, de espírito aberto e liberal, que era
         louvor final do então Ministro da Marinha, Almirante Américo Tomaz,  um incondicional admirador das elevadas qualidades intelectuais,
         foi o então Capitão-de-Fragata Ramos Pereira empossado no cargo de  morais, humanas, profissionais, militares e patrióticas do Almirante
         Comandante do aviso de 2ª classe “João de Lisboa”, que, na altura,  Ramos Pereira.
         pouco mais era que um monte de sucata atracado a uma ponte do  Passado à situação de reforma, por limite de idade, ao perfazer
         Arsenal do Alfeite, com a guarnição reduzida ao mínimo, aguardando a  setenta anos, em 6 de Abril de 1971, o Almirante Ramos Pereira viria
         conclusão de reparações iniciadas há alguns anos e que haviam sido  a falecer, em 16 de Março de 1974, no Hospital da Marinha, vitima-
         interrompidas por ainda não se saber ao certo se valia a pena acabá-las.  do por um carcinoma do estômago, precoce e largamente disse-
         Mas agora, com a missão de soberania que lhe tinha sido destinada a  minado, depois de algumas semanas de sofrimento atroz, todavia
         cumprir no chamado Estado Português da Índia, logo Ramos Pereira se  suportado com a nobreza, a resignação, a serenidade e a coragem,
         lançou com a maior determinação de transformar o “João de Lisboa”  que eram apanágio do seu carácter austero, estóico, tranquilo e viril.
         numa unidade naval tão eficaz quanto as suas limitações o permitiam, e  Durante os últimos anos da sua vida desenvolveu uma intensa e
         em induzir na guarnição um estado de espírito coeso, disciplinado e  profícua actividade intelectual, tanto de índole técnico-científica,
         pleno de orgulho pela missão que ia desempenhar. E quando o navio  como, e principalmente, de índole cultural, quer em conferências,
         zarpou do Tejo, em frente ao Terreiro do Paço, nessa tarde de 15 de  quer em artigos escritos, sendo de referir um interessante livrinho de
         Outubro de 1954, adivinhava-se o êxito dessa dura mas honrosa mis-  150 páginas sobre Gago Coutinho, geógrafo, editado menos de um
         são, como se confirmou, com prestígio para a Marinha e para o País,  ano antes da sua morte, mais precisamente em Maio de 1973, para
         graças às qualidades intelectuais, profissionais, militares e patrióticas do  a Colecção Educativa do Ministério da Educação Nacional, que nos
         ilustre Comandante, a qual durou até 4 de Fevereiro de 1956.  dá a conhecer em pormenor a notável acção, naquele domínio, nos
           Regressado à metrópole                                                           nossos antigos territórios
         em paquete, já que o navio                                                         ultramarinos, do consagra-
         ficou em Macau com nova                                                            do marinheiro e herói da
         guarnição, com chegada a                                                           navegação aérea.
         Lisboa ao fim de um mês,                                                            Também após a sua pas-
         passou o Comandante Ra-                                                            sagem à reserva passou a
         mos Pereira ao então deno-                                                         interessar-se mais pela po-
         minado Estado-Maior Na-                                                            lítica, fazendo jus à intensa
         val, onde viria a desempe-                                                         actividade, nesse campo, de
         nhar funções de Chefe da                                                           seu pai, nos finais da Mo-
         Divisão de Informações e de                                                        narquia e durante a Primeira
         Subchefe do Estado-Maior                                                           República, como indefectível
         Naval, interino, já como                                                           republicano e democrata,
         Capitão-de-Mar-e-Guerra,                                                           chegando mesmo a candi-
         posto a que fora promovido,                                                        datar-se, aquando das elei-
         por escolha, em 11 de Julho                                                        ções para deputados de 26
         de 1956.                                                                           de Outubro de 1969, por
           Depois, em meados de  Aspecto da assistência à sessão solene.                    ocasião da prometida mas
         1957, partiu para os EUA, a                                                        nunca cumprida “prima-
         fim de frequentar o Naval Command Course, no United States Naval  vera marcelista”, integrando a lista da oposição democrática por
         War College, em Newport, complexo e trabalhoso curso de dez  Viana do Castelo.
         meses que concluíu brilhantemente, tendo regressado a Portugal em  Em Novembro de 1982 as forças vivas da sua terra natal, Vila Praia
         Junho de 1958, para, ao fim de um mês, se apresentar, com guia do  de Âncora, prestaram-lhe uma homenagem póstuma, com a inaugu-
         Estado-Maior da Armada, no Instituto Superior Naval de Guerra, onde  ração, na Praça da República, de um monumento com um busto do
         assumiu as funções de subdirector.                   Almirante, cerimónia a que se associou a nossa Marinha, largamente
           Promovido a Comodoro, também por escolha, em 19 de Julho de  representada por oficiais, sargentos e praças, com a presença do
         1959, ascenderia a director daquele Instituto em 26 de Janeiro de  então Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Sousa Leitão, que
         1960, onde viria a introduzir profundas e importantes alterações, em  também representou o Presidente da República, General Ramalho
         organização, docência, currículo e instalações, culminando com a sua  Eanes, que conferira ao Almirante Ramos Pereira, a título póstumo, a
         transferência do Ministério da Marinha para o nobre edifício da rua da  Comenda da Ordem da Liberdade, entregue na altura a sua irmã,
         Junqueira, onde se tem mantido até hoje. Promovido a 28 de Abril de  D. Maria Margarida Ramos Pereira, hoje já falecida, uma vez que o
         1960 a Contra-Almirante, posto equivalente, então, ao actual Vice-  insigne ancorense não deixara descendentes directos, embora tivesse
         -Almirante, igualmente por escolha, veria a sua carreira militar naval  sido casado.
         intempestivamente interrompida por um insólito evento aquando da  O seu casamento teve lugar quando era primeiro-tenente, em 11 de
         sessão solene de abertura dos cursos navais de guerra do ano lectivo  Maio de 1939, portanto já com 38 anos de idade, sendo sua mulher,
         de 1961/62, em que, perante um discurso do Ministro da Marinha,  D. Maria da Graça Lopes de Mendonça, neta paterna do Comandante
         Contra-Almirante Quintanilha de Mendonça Dias, que considerou  Henrique Lopes de Mendonça, o célebre autor da letra de “A
         atentatório do seu prestígio e da sua autoridade como director, apre-  Portuguesa”, e sobrinha-neta paterna de Rafael e Columbano Bordalo
         sentou, naquele local e naquele momento, o seu pedido de demissão,  Pinheiro, irmãos de sua avó paterna D. Amélia Bordalo Pinheiro.
         irrevogável, daquele cargo, que acabou por ser aceite pelo Ministro.  Ramos Pereira não deixou descendentes directos, é certo. Mas
           Profundamente magoado até ao fim da sua vida com tal episódio,  deixou uma obra, designadamente no campo da radioelectricidade e
         passaria à reserva da Armada em 6 de Abril de 1966, situação em que  das radiocomunicações, e no âmbito do Instituto Superior Naval de
         ainda foi director do Museu de Marinha, de Novembro de 1968 a 4  Guerra, e uma vida, pessoal, familiar, social, profissional, militar e
         de Março de 1971, tendo sido também um dos dez fundadores do  política, que o creditam como um Homem de eleição, a apontar
         Grupo de Estudos de História Marítima, em 5 de Maio de 1969, que  como exemplo a seguir pelas gerações actuais e pelas gerações vin-
         foi o embrião do Centro de Estudos de Marinha, criado em 1970, por  douras, e digno de figurar na Galeria de Honra dos Grandes
         sua vez antecessor da Academia de Marinha, fundada em 1978.  Portugueses!
         Refira-se que tanto a nomeação para director do Museu, como a                         Joaquim Félix António
         nomeação para membro fundador daquele Grupo foram da iniciativa                                 CALM MN
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • MAIO 2001  15
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