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A MARINHA DE D. MANUEL (10)



                  Vasco da Gama na Índia
                  Vasco da Gama na Índia



                                                    (3ª parte)




              ara entender algumas ques-                                              mente estudada pelas instituições
              tões relacionadas com os                                                científicas de oceanografia.
         Ppercursos e estadia de Vasco                                                  Na altura em que Vasco da Ga-
         da Gama na Índia, durante esta                                               ma ali esteve, se ficasse fundeado
         sua primeira viagem, é preciso que                                           perto da Calecut, teria tido graves
         atentamos a um conjunto de fenó-                                             problemas de segurança, mas foi o
         menos atmosféricos determinantes                                             próprio Samorim que lhe mandou
         para a navegação no Oceano Ín-                                               indicar o fundeadouro de Panda-
         dico que afectam também as con-                                              rane, talvez quando ainda estava
         dições de permanência dos navios                               ÍNDIA         acessível às propostas de amizade
         no Malabar. Estamos a falar do                                               e comércio portuguesas. Esse
         que é usual chamar de monções e                                              fundeadouro já estava referencia-
         que constituem fenómenos perió-                                              do pelos pilotos árabes do Índico e
         dicos em que se gera um vento do-                                            era usado no tempo em que os
         minate que sopra de SW de Maio a                                             juncos chineses ali comerciavam e
         Julho, e de NE de Janeiro a Março.                                           precisavam de invernar
         Não vale a pena complicar muito a                                              É claro que esta situação veio a
         explicação destes fenómenos, mas                                             criar um outro problema: de certa
         será claro perceber que o vento de                                           forma, os navios estavam imobi-
         SW seria bom para viajar de África                                           lizados no único local abrigado da
         para a Índia, enquanto o de NE                                               zona e de lá não poderiam sair,
         daria para fazer a viagem con-                                               enquanto não passasse a monção.
         trária. Contudo, infelizmente, este                                          Contudo, o que imobilizava os
         vento de SW, transportando uma                                               portugueses, também, impedia
         elevada quantidade de ar maríti-  Zona de Calecut e Pandarane com o fundeadouro onde ficaram os navios   outras navegações, por isso o peri-
                                                       de Maio a Agosto.
         mo, leva muito mau tempo à costa                                             go de serem afrontados por qual-
         do Malabar, provocando o fecho da maioria  expressão monção acabou por ser utilizada  quer outro poder naval, durante aquela
         dos portos e a quase suspensão da activi-  para designar o próprio fenómeno, mas os  época, era nulo. Apenas as pequenas embar-
         dade marítima. Deve notar-se que os pilotos  portugueses mantiveram, durante muitos  cações costeiras chegavam ao pé dos por-
         árabes, quando Vasco da Gama entrou no  anos, a designação de monção pequena e  tugueses mas essas não constituíam um
         Oceano Índico, já tinham este regime bem  monção grande, para indicar a época em que  perigo de maior. No entanto, à medida que
         controlado (não diremos estudado, porque o  era possível chegar com segurança à Índia.  o tempo foi passando – e sem que Vasco da
         conhecimento das causas do fenómeno só  Os períodos proibitivos ou perigosos eram,  Gama tivesse a noção disso – as possibili-
         foi possível no século XX) e, sabendo das  essencialmente, os meses de Junho e Julho,  dades de amizade com aquele rei foram
         dificuldades que ocorriam nesse período de  época em que a maioria dos navios indianos  desaparecendo de todo, sendo possível que,
         ventos de SW, optavam entre duas soluções:  era varada em terra e protegida do tempo.  a curto prazo os portugueses viessem a cor-
         ou se faziam ao mar ligeiramente antes  Desta forma, uma imediata interrogação  rer perigo. Não sei se por acaso, se por qual-
         desse tempos pesados, conseguindo apa-  que se nos coloca tem a ver com o facto da  quer informação ou desconfiança, a 10 de
         nhar algum vento favorável, mas sem o  esquadra portuguesa ter estado perto de  Agosto, o Capitão-Mór mandou comunicar
         rigor dos meses mais duros; ou esperavam  Calecut, desde Maio até Agosto, ou seja, na  ao Samorim que tencionava retirar-se de
         pelo final da temporada e viajavam quando  pior altura do ano, quando os mares são  volta à sua terra. Esta atitude levou a um
         esse mau tempo já não era perigoso. Pode-  impraticáveis a qualquer navegação. Existe  crescimento da agressividade das autori-
         mos dizer que aproveitavam um pequeno  uma explicação para que isso não tenha  dades locais, mas com algumas manobras
         espaço antes da época mais dura, ou usa-  resultado num absoluto desastre e essa  intimidatórias, Vasco da Gama conseguiu
         vam o final da estação. E, em qualquer dos  explicação tem a ver com a condução dos  largar, trazendo até alguns reféns locais, que
         casos, sempre apanhavam vento favorável.  navios para uma baía, ligeiramente a norte  acabaram por ter um papel decisivo no
         Assim determinaram os períodos de  da cidade, designada pelos portugueses de  fornecimento de informações. Navegou
         demandar os respectivos portos onde que-  Pandarane (Pantalyni-Kolan na designação  para o norte, à procura dum local seguro
         riam chegar e chamaram a esses períodos  actual). A baía não oferece protecção abso-  para fazer aguada e querenar os navios, e foi
         algo parecido com monção do respectivo  luta contra a monção de SW, mas acontece  encontrá-lo em Angediva, uma pequena
         porto. A costa do Malabar, pelas condições  ali um fenómeno insólito provocado pela  ilha ligeiramente a sul de Goa, onde os por-
         que já explicámos, tinha uma monção pe-  existência de bancos de lodo flutuantes, que  tugueses viriam a estabelecer-se e a cons-
         quena pelo princípio de Maio, antes das  desempenham uma função de amorteci-  truir uma das primeiras igrejas da Índia.
         grandes chuvas, e uma monção grande,  mento da ondulação e fazem desaparecer
         depois de Agosto, passadas essas invernias.  completamente a rebentação nas praias.
         Hoje em dia, depois de se terem estudado  Esta situação não é conhecida noutras           J. Semedo de Matos
         estes fenómenos com rigor científico, a  regiões do globo, mas hoje está perfeita-                CTEN FZ
                                                                                     REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2001  15
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