Page 15 - Revista da Armada
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É justamente durante a travessia do leito
do rio que acontece um percalço, uma das
viaturas pesadas que transporta deslocados
fica atolada, motivando a paragem da coluna
numa zona crítica. De imediato se tomam
posições defensivas e manobra-se um uni-
mog equipado com guincho, que rapida-
mente resolve o problema. Se esta situação
ocorresse algumas semanas mais tarde, não
se resolveria tão facilmente, uma vez que as
chuvas trariam transtornos acrescidos.
Após duas horas de muitos solavancos,
chegamos a Alas, mas ainda teremos que
atravessar mais uma linha de água até
Chegada a Alas. Desembarque de deslocados e de provisões (arroz). alcançarmos uma infraestrutura com telhado
de chapas de zinco, assente sobre traves de
liação do estado nutricional dos desloca- dade de cores faz o seu aparecimento madeira e com paredes de bambu a toda a
dos, em especial das mulheres e crianças; através das buganvílias, árvores frondosas volta, – é o Centro de Acolhimento de
quatro agentes da polícia civil das Na- e muito floridas. Estamos a chegar à loca- Retornados – utilizado para proteger as pes-
ções Unidas (UN CIVPOL), e ainda jorna- lidade de Nabularan, onde faremos um soas do sol escaldante.
listas portugueses da RTP, TSF e Agência alto. Adoptam-se as necessárias medidas Para chegar aqui percorremos uns escassos
Lusa, dispostos a fazer a cobertura desta de segurança, e os desalojados apro- 30 quilómetros em mais de 5 horas de
acção. veitam para descontrair, mulheres com viagem. Para os desalojados a jornada
Antes de se iniciar a marcha o Asp. crianças de colo saem das viaturas e chegou ao fim, e antes de se deslocarem
Silva, "briefa" os condutores das viaturas e embalam os seus filhos. para suas casas, que deixaram há mais de
os já referidos participantes, acerca dos Esta paragem é feita também para car- dois meses, é ocasião de confraternizarem
procedimentos a adoptar durante a mar- regar sacos de arroz do armazém da WFP, com os fuzileiros que os escoltaram.
cha, incluindo os de reacção a eventuais e ainda barrotes e traves de madeira para Oferecemos pacotes de leite, bolachas e
emboscadas. melhorar as condições de abrigo das doce das rações de combate e eles presen-
A viagem até Alas fez-se atravessando
paisagens com cambiantes diversos, esta
diversidade paisagística é de resto uma
das características da ilha de Timor.
Até ao litoral vai-se descendo do
planalto de Same, a estrada de asfalto é
razoável, e serpenteia-se entre as ele-
vações com vegetação muito verde e rela-
tivamente densa, de onde se destacam
bambús de grande porte, palmeiras fron-
dosas, aqui e ali coqueiros altaneiros, mas
também cafeiros, jaqueiras e mangueiras.
Quando se alcança Betano a estrada
inflete para Leste, junto ao mar - que nos
fica a Sul, atravessamos agora a fértil
planície onde se cultiva arroz. Viatura de transporte de deslocados atolada no leito (seco) do rio Lacklo do Sul .
A escassos quilómetros a área cultivada
dá lugar ao capim e a uma vegetação que habitações destes retornados, antes que teiam-nos com cocos agilmente colhidos por
quase faz lembrar a savana africana na chegue a estação das chuvas. jovens. Distribuem-se cigarros aos mais ve-
estação seca. Pouco tempo depois, rea- Reiniciada a marcha, começamos a subida lhos, que agradecem reconhecidos com um:
parecem as árvores: palmeiras, coqueiros do leito largo mas ainda quase seco do rio "obrigado senhor", Ao mesmo tempo que
e pela primeira vez a sumaúma. Lacklo do Sul, é a vez de aparecerem as algumas praças vão tentando comunicar em
Começam a surgir casas tradicionais, a cazuarinas arvores de folha persistente a tetúm, o que provoca o riso das crianças,
vegetação é mais escassa, mas a diversi- ornarem as margens. talvez pela estranha pronúncia destes malae
mutin .
2
Após quase uma hora deste convívio, é
altura de regressar-mos a Same e assim dar
por concluída mais uma missão dos fuzileiros
nas terras banhadas pelos mares do Sul.
Jorge Lourenço
CTEN FZ
1 Suku – Expressão que em Tétum – Língua
Nacional de Timor Lorosa’e – significa: "Divisão
regional de um reino ou distrito" in COSTA, Luís,
Dicionário de Tétum-Português, Edições Colibri /
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa,
2000. Em Timor os sub-distritos estão divididos admi-
nistrativamente em suku’s.
2 Malae Mutin – significa literalmente: "Estrangeiro
Coluna no leito do rio Lacklo do Sul. branco", empregue aqui sem qualquer conotação.
REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2001 13