Page 370 - Revista da Armada
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O comércio português de especiarias tinha como base a  entendamos as características do projecto que estava em curso.
         cidade de Cochim, com cujo rei tinha sido feita uma aliança  Concedeu o rei a carta de poder “pela muita confiança que
         que radicalizou a inimizade do Samorim de Calecut, ao ponto  temos de Dom Francisco de Almeida, de nosso conselho, e
         de ser necessário deixar uma esquadra permanente na costa  bem servir e nos dará de si mui boa conta e recado”, por três
         do Malabar, defendendo os interesses portugueses e dos seus  anos, com absoluta jurisdição sobre todos os navios, fortalezas
         aliados. A partir de 1502, todo o movimento marítimo do  e pessoas que na Índia servirem, com meios financeiros e
         Índico, deveria ter um salvo-conduto português ou seria ataca-  materiais para administrar a justiça, fazer a paz e estabelecer
         do. Estabelecera-se o que foi chamada de política do “cartaz”:  amizade ou para declarar guerra e combater todos os que
         um documento passado pelas autoridades portuguesas aos  achar que assim deve ser. Para além disso, levava ainda um
         seus aliados, e a todos os que pagavam o respectivo tributo  Regimento com instruções para a viagem e para a montagem de
         exibido no navio de forma visível, para que não fosse atacado  um dispositivo militar-naval no Índico. Pêro de Anaya levava
         (o nome resulta do étimo árabe qirtas e, aparentemente, tinha  como missão o estabelecimento em Sofala e a construção de
         uma utilização anterior à                                                      uma fortaleza, para o que
         chegada dos portugueses,                                                       levava navios e artilharia
         sendo adoptado por estes).  […] ao presente toda a vossa força está cá no mar,  suficiente (já sabemos o que
         Era uma medida que signifi-  e se nele não formos poderosos, levemente se      se pretendia dessa feitoria).
         cava a imposição de um     perderão as vossas fortalezas, […]                  Ali deveria ficar como ca-
         monopólio nacional, com o                                                      pitão, acompanhado de seu
         direito de fazer o corso, que constituía um rendimento acresci-  filho e dos homens necessários à manutenção da posição, se-
         do da coroa e dos soldados deslocados. E, a pouco e pouco,  guindo os navios para Quíloa, onde “trabalhareis por tomar o
         foi-se entendendo como funcionava aquele mundo Índico:  dito lugar”, onde, se as coisas assim se proporcionarem (se não
         percebeu-se como o ouro vinha de Sofala e a importância que  houver resistência) “havemos por bem que os deixeis sair e ir,
         Quíloa tinha na sua aquisição e distribuição; viu-se como os  sem outro dano em suas pessoas lhe fazerdes; somente traba-
         navios “subiam” a costa do Malabar passando perto de  lhares por tomardes toda a riqueza do lugar, a saber, ouro e
         Angediva e de Goa; como a Canela era importada de Ceilão e  mercadorias, porque somos certificado que assim o rei como
         o cravo da Insulíndia; como os cavalos com que era feita a  os mercadores que aqui estão, têm mui grandes riquezas” (os
         guerra tinham de ser importados da Arábia ou do Golfo  navios destinados a Sofala tiveram um contratempo antes da
         Pérsico porque não se reproduziam nas condições climatéricas  partida de Lisboa e receberam regimento próprio, seguindo, os
         da Índia; enfim, foi-se entendendo a dinâmica local, com as  restantes, directamente para Quíloa). Passariam por Melinde,
         rivalidades, os pequenos poderes, os jogos de influência, os  como já era hábito, e navegariam direito a Angediva, onde
         diversos interesses, etc..                           deveriam construir outra fortaleza que deveria ficar guarneci-
           Em 1505, D. Manuel achou que seria necessário nomear um  da de artilharia e pessoal. Finalmente iriam para Cochim onde
         representante seu para ficar na Índia e gerir, em seu nome,  já havia uma fortificação, construída em 1503, sob a iniciativa
         todos os negócios. Uma missão essencialmente política que  de Afonso de Albuquerque, mas que deveria ser reforçada
         exigia alta linhagem, confiança, lucidez e conhecimento. O  com artilharia e pessoal (essa fortaleza, sob o comando de
         primeiro indigitado para o cargo seria Tristão da Cunha que  Duarte Pacheco Pereira, fora a base da resistência ao ataque
         adoeceu antes de partir e foi substituído por D. Francisco de  efectuado pelo Samorim de Calecut em 1503, quando este pre-
         Almeida. Será interessante observar o texto da Carta de Poder e  tendeu obrigar o rei de Cochim a expulsar os portugueses).
         o Regimento dados a este primeiro Vice-Rei da Índia, para que  Ainda antes de despedir as naus de carga com a especiaria





                                               Ormuz                          Ásia
                                                Mascate                                                 Macau
                                                          Diu
                                                         Damão
                                                                 Índia
                                                           Goa
                        Mar Vermelho
                                Adem
                                                          Cananor
                                                            Calecut
                                                            Cochim
                                                                        Ceilão
                   África  Melinde                                                           Samatra Malaca







                                                   OCEANO ÍNDICO
                          Quíloa


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