Page 372 - Revista da Armada
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derada a Batalha Decisiva para o estabelecimento do poder
naval português no Índico. Até à chegada de outros europeus
(ingleses e holandeses), não mais houve quem afrontasse a
supremacia nacional naqueles mares.
O final do vice-reinado de D. Francisco de Almeida viria a
ser marcado pela intriga e pela querela que o opôs a Afonso de
Albuquerque, motivando um retardamento na transição do
cargo para o seu sucessor. Este assunto é mais um dos temas
que tem sido alvo de algumas especulações, exagerando-se no
confronto e dando relevo a uma eventual dicotomia política
ou (melhor dito) de pontos de vista sobre o governo do Estado
da Índia. Na verdade, D. Francisco de Almeida tinha um
mandato de três anos, conferido por D. Manuel, e acabaria,
portanto, esse mandato em 1508, de forma normal e sem ne-
nhum conflito. É verdade que só soube da sua substituição
através de uma carta dada a Afonso de Albuquerque em 1507
e mantida secreta até ao final de 1508 – facto que não terá sido
muito simpático para ele - mas há outros factores que devem
ser ponderados na análise do que aconteceu e que transfor-
mam o incidente em algo mais do que um processo de desobe-
diência ou usurpação. O primeiro deles é a expedição a Diu,
ocorrida entre o final de 1508 e os primeiros meses de 1509,
devendo acrescentar-se que quando Albuquerque aparece em
Cananor e lhe dá conhecimento das instruções que tem, a
esquadra do Vice-Rei já vinha de Cochim e estava de caminho
para o norte para combater os Rumes. Não seria, portanto, o
momento indicado para uma transferência de poderes, com
todas as implicações que isso traria. Para além disso, D.
Francisco tinha uma razão pessoal para levar a cabo esse com-
bate. Mas o que me parece mais importante e que pesou mais
na protelação da mudança foi a animosidade que na Índia se
gerara contra Albuquerque: de Ormuz lhe tinham desertado
quatro capitães, que se apresentaram em Cochim com
protestos violentos e acusações graves, para além de que, por Afonso de Albuquerque - Governador da Índia (Livro de Lisuarte de Abreu).
toda a parte, se levantavam vozes contra o seu procedimento,
alegando crueldade com amigos e inimigos. Se D. Francisco de Estado da Índia. Digamos que o episódio protagoniza algo que
Almeida tem passado o seu cargo, antes da batalha de Diu, e viria a repetir-se com muitos outros que se seguiram, com uma
nas condições que se seguiram aos incidentes de Ormuz, o ou outra razão, ou, por vezes, sem razão nenhuma: trata-se da
Poder Naval português es- inveja, a intriga e a cobiça
taria seriamente debilitado multiplicadas pelo que a dis-
pela indisciplina e incapaz de A conquista de Goa só faz sentido se for integrada tância ao reino pode gerar em
dar combate ao seu inimigo num projecto que ultrapassa o objectivo escasso termos de desconfiança. A
mais perigoso. De qualquer da compra de especiarias para vender na Europa. riqueza era muita e muitos
forma, o problema que se eram os que se deslum-
levantou entre Afonso de Albuquerque e Francisco de braram com ela, perdendo o sentido da justiça e da hu-
Almeida está longe de poder ser interpretado como a manidade. Em Novembro de 1509, Afonso de Albuquerque
expressão de duas visões antagónicas sobre o governo do governa a Índia de forma plena, depois da transmissão de
poderes efectuada em cerimónia solene, reali-
zada em Cochim, e D. Francisco de Almeida par-
tia para Lisboa, onde, malogradamente, não viria
a chegar.
Uma das primeiras acções do novo senhor da
Índia tem a ver com a conquista de Goa, e a even-
tual criação de uma capital do Estado Português da
Índia, num local criteriosamente escolhido, de
forma a dominar todo o Império. Goa poderia vir
a ter esse papel, dada a sua localização e carac-
terísticas do porto, mas talvez houvesse outros
interesses na sua conquista. Em primeiro lugar
deve salientar-se que seria a primeira conquista
territorial no Oriente - até aí o Império era apenas
marítimo, como já referimos – e suscitava muitas
dúvidas o empenho para a sua conquista de que
se duvidavam os efeitos práticos no que pretendia
o poder de Lisboa. Mas Albuquerque manifestava
um especial empenho na empresa, ao ponto de a
colocar em alternativa com uma expedição ao Mar
Vermelho, tentando chegar a Suez, onde se
Ilha e cidade de Goa (Gravura de Huygen Van Linshoten). supunha estarem em construção novas galés do
10 DEZEMBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA