Page 371 - Revista da Armada
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erigir a fortaleza de Sofala; segundo, tomar e submeter Quíloa;
terceiro, montar uma fortaleza em Angediva; quarto, carregar
as naus em Cochim; quinto, completar a carga em Coulão e
montar aí outra fortaleza; sexto, tentar ganhar uma posição
fortificada à entrada do Mar Vermelho; sétimo, fazer a guerra
aos navios mouros que andarem pelo Guzerate, tentando acer-
tar pactos de amizade com os reis locais. Citando Joaquim
Candeias Silva parece-me claro que “se a Carta de Poder [que
fez de D. Francisco de Almeida um verdadeiro vice-rei] pode
ser considerada a institucionalização do Estado da Índia, o
Regimento foi como que a sua primeira constituição”.
No seu sentido global, o projecto contido nos documentos
régios foi cumprido pelo Vice-Rei, que apenas fez as adap-
tações determinadas pelas circunstâncias imprevisíveis ou por
uma reavaliação mais cuidada (como aconteceu com a
desistência da construção da fortaleza de Angediva). De forma
que o Estado Português da Índia lançou os seus alicerces dando
andamento ao que era o objectivo principal de D. Manuel:
recolher as especiarias e outras mercadorias ricas produzidas
ou comerciadas no oriente (v.g. ouro, âmbar, pedras preciosas,
etc.) e trazê-las para Lisboa, pela rota do Cabo. Não tinha este
estado qualquer parcela de território onde se instalasse ou
onde produzisse fosse o que fosse. Apoiava-se num Poder
Naval que exercia soberania em todo o Oceano Índico, con-
trolando alguns dos seus pontos mais importantes para o tráfi-
co marítimo e jogando com apoios locais, numa criteriosa
política de alianças. Efectivamente, o soberano português era
“Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia,
Arábia, Pérsia e Índia”, título que passara a usar desde 1499
(pela primeira vez numa carta endereçada ao imperador
Maximiliano), mas que só D. Francisco de Almeida tornara
efectivo.
No final do ano de 1508, D. Francisco de Almeida escreveu
uma longa carta a D. Manuel (já se percebia o ressentimento
do Vice-Rei, com as observações do soberano), onde lhe diz:
“[...] quantas mais fortalezas tiverdes, mais fraco será vosso
D. Francisco de Almeida - 1º vice-rei da Índia (Livro de Lisuarte de Abreu).
poder: ao presente toda vossa força está cá no mar, e se nele
não formos poderosos, levemente se perderão as vossas for-
para o reino, “vos passares a Coullam (um pouco mais a sul, talezas, [...]”. Esta carta e esta expressão tem sido aproveitada
perto do Cabo Comorim), onde Afonso de Albuquerque para considerações diversas sobre a “visão estratégica” de
tomou a sua carga e onde nos é certificado que se achará muita D. Francisco de Almeida. Aparentemente, o Vice-Rei chama
especiaria”. E outras instruções se seguem para o governo da a atenção de D. Manuel para o erro que é a construção de forta-
esquadra, para pagamentos do pessoal, normas para feitores e lezas, contrapondo-lhe o fortalecimento da esquadra da Índia,
capitães, importando salientar as instruções relativas ao Mar mas estas palavras não podem ser lidas de forma literal e
Vermelho (ou Mar Roxo, como era chamado) e ao Golfo de desligadas do contexto em que estão inseridas. Naturalmente
Cambaia: no primeiro caso, recomenda D. Manuel, “E porque que as fortalezas são indispensáveis e D. Francisco não o nega,
nos parece que nenhuma coisa poderia mais importar a nosso mas a base do poder estava na capacidade de controlar a nave-
serviço que termos uma fortaleza na boca do Mar Roxo [...] gação e isso não se podia fazer a partir de terra. Aliás, na
porquanto por aqui se cerra- altura em que era expedida
va, não podendo mais passar A batalha naval de Diu deve ser considerada a essa carta, um perigo emi-
nenhuma especiaria à terra Batalha Decisiva para o estabelecimento do poder nente ameaçava o Estado Por-
do Sultão, e todos os da Índia naval português no Índico. tuguês da Índia: por influência
perderem a fantasia de mais dos numerosos mercadores
poderem tratar senão con- muçulmanos que viram os
nosco”; e quanto a Cambaia (Guzerate), “porem, para a banda seus negócios afectados pela presença portuguesa, o sultão do
de Chaul e Dabul e contra Cambaya e Agramuz nos parece Egipto organizara uma esquadra de guerra (a esquadra dos
que deveis de mandar alguns navios d’armada, os quais, Rumes), cujo objectivo era expulsar os portugueses do
segundo a informação que temos, poderão naquela banda Malabar. Em 1507, essa esquadra, fez base no porto de Diu, de
aproveitar em cousas de mouros, e estes que lá enviardes cujo governador obteve apoio, e alargou a sua acção a toda a
tomem todos os navios de mouros que poderem. E se os reis e região do Guzerate, avançando cada vez mais para sul. À par-
senhores das ditas cidades quiserem tomar nossa amizade e tida, o seu poder não era suficiente para dar combate aos
nos servirem, com obrigação de nos tributarem e reco- navios portugueses de alto bordo, mas afrontava aqueles que
nhecerem, cada ano com pareas, haveremos por bem assen- eram seus aliados, fazendo com que o movimento marítimo na
tardes com eles no melhor modo que virdes”. Por fim, num zona norte do Malabar já não se fizesse com segurança. Foi
último artigo, recomenda o rei a D. Francisco de Almeida que D. Lourenço (filho do Vice-Rei) quem, pela primeira vez, deu
“muito vos encomendamos que aos navios da armada não combate a esses Rumes, e perdeu a vida na batalha travada na
deixeis nunca gastar tempo em porto onde nossas fortalezas barra de Chaul, em 1508. Mas, nesse mesmo ano, D. Francisco
estiverem, salvo quando por nosso serviço for necessário”. de Almeida organizou uma armada que, em Fevereiro de
Resumindo, então, as medidas mais significativas: primeiro, 1509, desbaratou os Rumes, numa batalha que deve ser consi-
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2001 9