Page 373 - Revista da Armada
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amor dos homens e mal com os
homens por amor de el-rei”. Saiu
de Goa em Abril de 1511, aparen-
temente para seguir para o Mar
Vermelho e cumprir o que lhe fora
determinado por D. Manuel -
estrangular o acesso dos mouros
ao Mediterrâneo e desmantelar
qualquer esquadra do sultão do
Egipto - mas “preferiu” aproveitar
a monção favorável e ir conquistar
Malaca (alegou que os ventos lhe
foram desfavoráveis, o que pode
ter sido pontualmente verdade,
mas não pode constituir um argu-
mento decisivo para tamanha
mudança de planos). Depois, em
Malaca, apesar de ter sido aconse-
lhado a permanecer pouco tempo
e fazer um acordo com o soberano
local, preferiu a conquista total da
cidade, construindo aí uma for-
taleza e deixando uma guarnição
Malaca - Livro das Plantas de Todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental (António Bocarro).
de 480 homens. Só em 1513 foi ao
Sultão. Já falámos no que significava o negócio dos cavalos Mar Vermelho, numa viagem que pouco ou nada acrescentou
árabes e persas com a Índia; ora esses cavalos tinham como à situação portuguesa: não conseguiu conquistar Adem e viu-se
especial destinatário o reino de Vijayanagar (Bisnaga nas cróni- perdido no labirinto de ilhas e baixos que não o deixaram che-
cas portuguesas), potência continental, desinteressada do gar a nenhum dos objectivos definidos. Finalmente, em 1515
comércio marítimo, mas com desejos imperiais no continente conseguiu uma solução definitiva em Ormuz, com a cons-
indiano. Goa ficava situada perto de uma das poucas passagens trução de mais uma fortaleza e a vassalagem do rei que, em
que os Gates Ocidentais deixam aberta ao interior e isso con- 1508, se aproveitara das desavenças na esquadra para se furtar
feriu-lhe uma importância fundamental por ser a porta de aos compromissos com a coroa portuguesa. Tudo isto parece
entrada para os tais cavalos. Além disso era uma cidade rica, uma correria desarticulada, com pouco sentido e pecando por
onde paravam os navios que corriam o Malabar: tem um porto falta de uma estratégia efectiva. Contudo, foi Albuquerque
amplo e, no seu interior, podem abrigar-se navios de grande que deu consistência ao recém fundado Estado Português da
porte, durante a monção de SW. Contudo, desde logo que os Índia: o projecto de instituir uma capital em Goa e daí go-
mercadores portugueses sedeados em Cochim (ficaram conheci- vernar toda a Índia foi contestado pelo Grupo de Cochim, mas
dos como o Grupo de Cochim) viram naquela conquista a foi essa a solução que veio a ser adoptada alguns anos mais
hipótese do estabelecimento de um novo centro do Estado e tarde. Da mesma forma, o controlo de Malaca foi fundamental
desenvolveram uma sistemática oposição às posições do ao domínio do Índico oriental e ao seu comércio, assim como
Governador, chegando até à intriga junto da coroa (como sem- Ormuz o era para o Golfo Pérsico. Albuquerque entendeu bem
pre acontecia quando grandes que a riqueza do Estado
interesses estavam em jogo). Português da Índia não residia
Apesar de tudo, a cidade foi Foi Albuquerque que estabeleceu uma ver- na possibilidade de comprar
tomada, embora não tenha dadeira política de relacionamento dos por- especiarias em Cochim ou
ganho de imediato a im- tugueses com os locais, ultrapassando a mera Calecut e exportá-las para
portância que Albuquerque permanência nas fortalezas e feitorias, con- Lisboa. No espaço oriental
imaginou. Até 1530 Cochim correndo de forma decisiva para a imagem controlado pelos portugueses
permaneceu como capital e só de prestígio que manteve os portugueses na circulavam muito mais mer-
nessa data, o governador Índia até ao século XX. cadorias do que aquelas que
Nuno da Cunha para lá trans- alguma vez poderiam ser
feriu o poder político e admi- enviadas para Portugal. Por
nistrativo. isso, o mais importante era criar um estado forte e com meios
A conquista de Goa só faz sentido dentro de um projecto de controlo naval, capazes de tomar posse desse rodopio mer-
que ultrapassa o objectivo escasso de compra de especiarias cantil que era o Mundo Índico. Para além disso, foi
para vender na Europa. Aliás, esse propósito não poderia ter Albuquerque que estabeleceu uma verdadeira política de rela-
grande futuro porque a vantagem económica com que os por- cionamento dos portugueses com os locais, ultrapassando a
tugueses contavam era circunstancial e acabaria por ter de se mera permanência nas fortalezas e feitorias, concorrendo de
confrontar com as rotas alternativas, logo que estas se ajus- forma decisiva para a imagem de prestígio que manteve os
tassem à nova situação. A importância de Goa vinha da possi- portugueses na Índia até ao século XX. Em 1515, Lopo Soares
bilidade de negociar cavalos e isso não era comércio que inte- de Albergaria chegou à Índia para mudar a política do seu
ressasse a quem tinha capacidade de influenciar as decisões do antecessor, porque assim o exigiam os financiadores apoiantes
rei de Portugal. Refiro-me a alguns dos financiadores da do projecto (de que o Barão do Alvito era um notável repre-
empresa da Índia, nacionais ou estrangeiros, que queriam sentante), mas as bases do poder português e as linhas mestras
especiarias compradas em Cochim, Calecut ou, se possível, do Estado Português da Índia estavam lançadas: um estado
noutros mercados orientais mais vantajosos. Essa foi uma das construido e mantido com base no Poder Marítimo.
razões porque Albuquerque viveu o seu período de gover-
nador no meio de tensões e discordâncias que acabariam por J. Semedo de Matos
determinar a sua substituição no cargo “mal com el-rei por CFR FZ
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2001 11