Page 385 - Revista da Armada
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ACÇÃO DE OUTRAS UNIDADES autonomia, entrado em Carachi às 2000 CONCLUSÃO
NAVAIS – AS LANCHAS DE do dia 20 de Dezembro.
Dois dias antes, em Goa, uma outra lan-
Ainda não podemos afirmar que a
FISCALIZAÇÃO “ANTARES” cha, a “Sirius”, tivera uma actuação bem História reabilitou os militares portugue-
E “SIRIUS” mais modesta: sem nunca ter sido atacada ses “apanhados” na torrente dos graves
Assegurando a presença naval por- e sem ter disparado um único tiro, fora acontecimentos de Dezembro de 1961. Na
tuguesa em Damão, a lancha de fiscaliza- encalhada ao mesmo tempo que o verdade, o assunto continua a gerar bas-
ção “Antares”, sob o comando do 2º “Afonso de Albuquerque”, tendo a sua tante controvérsia e talvez nem daqui a
Tenente Fausto Morais de Brito e Abreu, guarnição procurado refúgio a bordo de dez anos (limite do prazo mínimo geral-
tinha ordens semelhantes às da “Vega” um navio mercante. mente aceite para uma análise histórica “a
para agir em caso de invasão do território. frio”) esteja devidamente esclarecido, pois
Escusado será dizer que tal invasão era, CATIVEIRO E REGRESSO estarão ainda vivos bastantes elementos
já, dada como altamente provável quan- directamente envolvidos no chamado
do, a 17 de Dezembro, o navio saiu do Vinte e seis militares portugueses (dos “Processo da Índia”. E, embora esse
porto de Damão pela última vez (tivera quais cinco eram de Marinha, o que, em processo tenha sido reavaliado logo após
mesmo de o fazer, sob pena de ficar retido termos de percentagens, se traduz em a queda da ditadura, com a consequente
no porto por condicionalismos de maré). baixas oito vezes superior às do Exército) anulação das penas disciplinares
Às 0400 do dia 18 foi avistada uma luz tombaram na defesa do Estado da Índia. impostas, os antigos prisioneiros da
forte em terra apontada na direcção do Todos os outros (exceptuando as guar- União Indiana ainda hoje reclamam o
mar, seguida do lançamento de vários nições das lanchas “Sirius” e “Antares”) pagamento das pensões que lhes são de-
very-lights. A lancha aproximou-se de ter- foram feitos prisioneiros após a rendição. vidas pelo Estado.
ra a velocidade reduzida e, nessa altura, Aguardavam-nos seis longos meses de É certo, porém, que estamos agora em
o gradual apagamento das luzes da cativeiro em campos de detenção em Goa. melhor posição para compreender a terrí-
cidade até à obscuridade total, junta- Se as condições de internamento nesses vel situação daquele punhado de homens
mente com a escuta entrecortada de algu- campos foram bastante duras, pode-se cujas únicas opções eram a morte ou a
mas comunicações do Exército deram a dizer que, salvo alguns casos pontuais de desonra. Mas se não temos moral para jul-
indicação de que a invasão se tinha inici- maus tratos, os militares indianos se com- gar aqueles que depuseram as armas, pois
ado. Com o radar avariado e sem qual- portaram com exemplar dignidade e com- limitaram-se a ser humanos, saibamos
quer informação quanto à presença de postura, evidenciando, em quase todos os honrar a memória dos que com a sua co-
unidades navais inimigas nas imediações momentos, uma sólida disciplina herdada ragem, abnegação e sacrifício se soube-
(o nascer do dia viria a confirmar a sua do Exército Britânico. ram guindar às alturas do sublime!
ausência), a “Antares” afastou-se de Ficaram, contudo, extremamente
terra, tendo a guarnição ocupado postos espantados ao verificar que a população
de combate às 0430. goesa, longe de demonstrar grande alívio Notas
Cerca das 0700 foram avistados os por ter sido “libertada da opressão colo- (1) O Comando Naval, que se estabelecera em
primeiros aviões indianos a atacar objec- nizadora”, se desfez em manifestações de Dona Paula após o bombardeamento do Palácio do
tivos em terra. Embora estes se tivessem carinho pelos militares portugueses, Hidalcão, em Pangim, já dali se retirara. Quando, no
aproximado diversas vezes do navio, fazendo-lhes chegar alimentos, roupas e decurso dos combates, a praia fora atingida, encon-
trara a morte o 1º Sargento escriturário Santa Rita.
mantiveram-se fora do alcance da sua medicamentos através do arame farpado (2) Na verdade, Portugal apresentava um
peça. Até perto das 1800, foram efectua- e lamentando de viva voz a adversa situ- pequeno “trunfo”: logo após a invasão, o Ministério
dos mais três raids aéreos, sem que a lan- ação em que estes se encontravam. do Ultramar emitira uma ordem de prisão para os
cha tivesse sido atacada. Afastou-se, Não era intenção da União Indiana cidadãos indianos residentes em Moçambique, tor-
nando-os, deste modo, moeda de troca. Tinha, entre-
entretanto para as 20 milhas e, mais uma reter os prisioneiros por muito mais tanto, sido emitida a exoneração do General Vassalo
vez, não foram detectadas unidades de tempo. As negociações arrastaram-se, e Silva, de modo a diminuir a sua importância
superfície inimigas. entretanto, devido ao facto do estado por- enquanto prisioneiro.
Às 1920, perdidas que estavam todas as tuguês pretender, antes do mais, uma
comunicações com terra, o farol de garantia da salvaguarda de vidas e bens Bibliografia
Damão apagado e vários incêndios a nacionais, assim como da protecção da ANTÓNIO, CALM J. S. Félix, “Últimos Combates
lavrar em vários pontos da costa, numa minoria goesa. Só depois da ida a Goa do Navais na Índia Portuguesa”, Revista da Armada, nº
clara indicação de que o território estaria, Engenheiro Jorge Jardim, enviado 240, Fevereiro de 1992, Lisboa, p.p. 21-25
COSTA, CTEN REF R., “A Marinha na Índia
já, ocupado, ou muito perto disso, o propositadamente para obter a satisfação (1947-1961)- I Parte”, Revista da Armada, nº 303,
Comandante mandou dar volta aos pos- de certas exigências(2), Lisboa se Novembro de 1997, Lisboa, p.p. 17-20
tos de combate e, reunindo a guarnição, preparou para receber os prisioneiros. COSTA, CTEN REF R., “A Marinha na Índia
informou-a da sua decisão de seguir para Não teve honra nem glória o seu (1947-1961) – II Parte”, Revista da Armada, nº 304,
Carachi, no Paquistão, de modo a evitar regresso, tendo muitos sido, então, Dezembro de 1997, Lisboa, p.p. 17-20
COSTA, CTEN R., “O Último Navio Português de
que a lancha caísse nas mãos do inimigo. chamados a depor em longos e traumati- Damão”, Revista da Armada, nº 254, Maio de 1993,
Pretendia, deste modo, poupar o navio e zantes interrogatórios cujo principal Lisboa, p.p. 17-20
os seus homens a um inútil sacrifício (só objectivo era o de encontrar culpados pela CRESPO, CMG Manuel Pereira, “A Invasão do
já podiam defender-se a si próprios), pois situação a que se chegara Estado da Índia pela União Indiana”, Anais do Clube
Militar Naval, nºs 1 a 3, Janeiro/Março de 1962,
todas as informações apontavam para Seria publicada, dali a uns tempos, uma Lisboa, p.p. 207-216
uma total ocupação dos três territórios longa lista de castigos disciplinares, que MORAIS, Carlos Alexandre de, A Queda da Índia
portugueses na Índia. passavam por demissões, reformas com- Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, Editorial Estampa, 1995
Com grandes precauções, de modo a pulsivas e inactividade por períodos de Relatório do Comandante Militar, Brigadeiro
evitar a detecção pelas forças indianas, e seis meses. Também foram publicados António José Martins Leitão, 1962
Relatório do Comandante Naval, Comodoro Raul
enfrentando condições de mar bastante louvores e recompensas, muitos deles jus- Viegas Ventura, 1962
desfavoráveis, a “Antares” navegou 530 tos, a premiar actos de grande heroísmo,
milhas para Noroeste (passando cerca de outros enaltecendo acções triviais Agradecimentos
15 milhas a Sul de Diu) em pouco menos enquanto outras de grande valor foram, Ao Sr. Professor Adriano Moreira, pelos prestáveis
de 48 horas, tendo, no limite da sua pura e simplesmente, ignoradas. esclarecimentos e precioso testemunho.
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2001 23