Page 78 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA
O Nó Górdio
das Forças Armadas
o início dos anos 90, quando a exigiam consideráveis meios huma- lar o valor profissional dos efectivos; e
NATO adoptou uma nova nos e materiais. obter meios tecnologicamente adequa-
Nestratégia militar, as forças dos ao cumprimento das missões.
armadas portuguesas ficaram envolvi- Neste contexto e, como exemplo, refi-
das num nó górdio que ainda não foi ra-se que a Marinha efectuou uma Não há hoje um “império da Ásia”
desfeito: a incompatibilidade entre as revisão global do seu planeamento para oferecer a quem desate o nó gór-
responsabilidades decorrentes de uma estratégico, definindo claramente um dio das forças armadas portuguesas.
estratégia vocacionada para a interven- modelo do sistema de força naval ade- Porém, é necessário que os mais altos
ção em conflitos regionais e os orça- quado e exequível face às necessidades responsáveis políticos e militares nacio-
mentos de defesa nacional, condiciona- e às possibilidades do país. nais tenham a mesma coragem e de-
dos por as prioridades políticas do país terminação que Alexandre demostrou
estarem focalizadas na satisfação dos Desta forma fixaram-se objectivos na lenda do rei da Frígia, e ponham em
anseios de progresso e bem-estar dos muito claros, para os quais a instituição prática as medidas antes referidas, con-
cidadãos. foi direccionada, o que associado às jugando-as com duas linhas gerais de
melhorias nos processos de gestão, acção. Em primeiro lugar, declinando
Como tais responsabilidades são ina- permitiu “recapitalizar” o orçamento; as concepções clássicas de reestrutu-
lienáveis e essenciais à credibilidade isto é, com o mesmo dinheiro passou a ração das forças armadas, que pre-
internacional e a outros interesses im- fazer-se mais. Porém, como durante conizam apenas as reduções de meios
portantes do país, as tentativas de liber- muitos anos não se adquiriram ou materiais e de efectivos, o que, por si só,
tação do nó górdio das forças armadas, modernizaram os meios militares, veri- não beneficia a relação custo/eficácia
privilegiaram inicialmente a redução fica-se agora que tal iniciativa não gera da defesa militar.
dos sistemas de forças da Marinha, do recursos financeiros suficientes para
Exército e da Força Aérea. Cortar, pare- que as verbas de investimento e fun- Complementarmente, como a opera-
cia lógico e essencial para que se pudes- cionamento alcancem os montantes cionalização daquelas medidas requer
sem aumentar as despesas de funciona- que as missões exigem. Daí a necessi- tempo, muito mais tempo que uma le-
mento até aos níveis necessários ao dade de se conceber uma nova tentati- gislatura, importa estabelecer uma base
emprego das forças armadas fora do va de libertação do nó górdio das política alargada de sustentação da
território nacional. Por isso, alienaram- forças armadas, que adopte uma pers- reforma, bem como desenvolver um
-se infra-estruturas e diminuíram-se pectiva ampla de reestruturação, apele esforço de captação do apoio da
comandos, forças e unidades. Todavia, à inovação e seja dirigida para as áreas opinião pública, pelo esclarecimento
verificou-se que estes cortes, por um mais prementes. dos objectivos a alcançar, tarefas em
lado, só disponibilizavam recursos que as elites política e militar têm
financeiros no muito longo prazo; por Como se mantém a razão que im- grande responsabilidade. Só nestas cir-
outro lado, reduziam o dispositivo à pede aumentos significativos dos orça- cunstâncias se assegurará que os encar-
dimensão mínima para o cumprimento mentos de defesa nacional, a tarefa gos com a defesa são sentidos com alta
das missões. Em consequência, foi en- reveste-se de elevada complexidade, rentabilidade pública, aspecto essencial
saiada uma segunda tentativa de liber- requer grande responsabilidade e para se inverter a conhecida “desorça-
tação do nó górdio das forças armadas, serenidade e, como é incompatível com mentação militar”, que se caracteriza
tirando partido dos benefícios que a visões sectoriais ou individualizadas, por a aumentos do PIB não correspon-
tecnologia proporciona. obriga à integração dos múltiplos con- derem melhorias sensíveis no orçamen-
tributos e perspectivas coadjuvantes da to das forças armadas, o que as remete
Devido aos enormes progressos sociedade civil e das forças armadas. para uma permanente e desgastante
dos sistemas de comando, controlo, Só desta forma se desenvolverá o luta pela sobrevivência, geradora de
comunicações, vigilância e reco- amplo consenso nacional, indispen- considerável frustração institucional e
nhecimento, dos sistemas de infor- sável à decisão dos órgãos de sobera- inibidora de um papel mais activo na
mação, da mobilidade e da letalida- nia em assuntos de defesa. Neste con- afirmação de Portugal na NATO e no
de das armas, tornou-se possível re- texto, identifico como medidas prior- mundo.
estruturar as capacidades militares, itárias: impulsionar a definição de um
de forma a que unidades ligeiras sistema de forças nacional mais equili- António Silva Ribeiro
desempenhem funções que antes brado, coerente e económico; estimu- CFR
4 MARÇO 2001 • REVISTA DA ARMADA