Page 23 - Revista da Armada
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Finalmente, a 11MAI, foi dado início à  cerca de sete dias, tendo finalizado a  na zona, em que para além da presença
         operação mais espectacular, isto é, à  16JUN.                         do Almirante CEMA, contou também com
         remoção do próprio navio (tecnicamente  Esta operação de remoção do navio, leva-  a presença do Ministro da Defesa
         talvez se deva falar nos seu destroços),  da a cabo pela Titan, revestiu-se, aliás, de  Nacional, do Ministro da Economia, do
         previamente cortado em duas partes com  um carácter inédito, na medida em que  Secretário de Estado da Administração
         equipamento específico chegado dias  nunca partes tão grandes de um navio ti-  Marítima e Portuária em representação do
         antes numa barcaça vinda da Holanda,  nham sido removidas para terra, o que  Ministro do Equipamento Social e
         trazendo também a bordo duas gruas de  poderá ter constituído, quiçá, factor de estí-  Secretário de Estado do Ambiente, tendo
         150 ton. para movimentar as partes do  mulo e desafio técnico, e mesmo de moti-  sido feita entrega de uma menção de
         navio desmanteladas. Em 18MAI, após  vação extra para as próprias equipas técni-  apreço ao armador e à Seguradora por
         cuidada preparação, começou a remoção  cas que se encarregaram das operações.  terem, de facto e de direito, assumido e
         de vante do navio para cima do cais efec-  A data final do combate à poluição foi,  cumprido as suas obrigações com grande
         tuada através da utilização de oito  por razões conjunturais, estabelecida  profissionalismo, sentido institucional e,
         “Pullers”, aparelhos de tracção, cada um  como sendo o dia em que foi retirada a  ainda, com elevado grau de eficácia.
         com 300 ton. de força, estando seis deles  ultima parte do navio da água.  Infelizmente, e porque a asserção de
         “ancorados” às tampas dos porões do  A partir de 24MAI uma empresa espa-  profissionalismo e de bem servir nem
         próprio navio, e outros dois com ferros de  nhola, “Asfena”, subcontratada pela Titan,  sempre existe como deveria, foi absoluta-
         7.5 ton. Os pullers estavam ligados ao  procedeu ao corte da sucata para o seu  mente notório que, enquanto o ar de des-
         navio por amarras que a pouco e pouco o  posterior envio para as Astúrias.  graça e de insucesso pairou, a Comu-
         foram puxando para cima do cais.     Ainda com a operação do corte de  nicação Social nacional (televisões) abriu
         Operação muito lenta com alguns con-  sucata em movimento, e para optimiza-  telejornais por várias semanas, exploran-
         tratempos devido ao atrito de algumas  ção de tempos processuais, a Titan co-  do tudo o que cheirava a falhanço. Ao
         partes do navio com o molhe, tendo sido  meçou a preparar toda a zona envolvente  invés, em momento de reconhecer e com-
         por vezes necessário cortar alguns boca-  ao encalhe, logicamente afectada pelas  provar o sucesso de todas as operações
         dos, reposicionar as amarras e reiniciar a  acções de remoção, a qual foi dada como  não houve, sequer, a dignidade de uma
         operação que foi dada como terminada  reposta na sua configuração inicial a  menção informativa genérica e, muito
         em 22MAI depois daquela parte do navio  07SET, depois de verificação feita pelas  menos, qualquer presença.
         ter sido posicionada em cima do molhe.  entidades competentes, nomeadamente a  Para o êxito desta operação, foi funda-
           A segunda metade, de Ré, pela mesma  própria AM.                    mental o clima mantido ao longo de toda
         tipologia de contratempos, demorou   A 08SET, foi realizada – finalmente -  a operação entre a AM, o Armador e o
         quase o dobro do tempo a ser retirada,  uma sessão de encerramento do processo  seu agente Knudsen, o P I e o seu agente
                                                                               Pinto Basto e, ainda, o interessado
                                                                               empenho das diversas Entidades mais
                    Palavras do Almirante CEMA                                 directamente envolvidas, nomeadamente
                                                                               a DRAOT-Norte, IPN, Alfândega, GNR,
            Consta ser provérbio chinês que “uma imagem vale mais do que mil palavras”.  PSP e Câmara Municipal, que tiveram a
            Por isso, a imagem, diante de nós, isenta de tragédia, de uma área portuária tornada livre de um navio esfran-  sensibilidade para considerarem esta caso
          galhado pelo mar e de um pedaço de costa limpo dos lixos do naufrágio poderia falar só por si.  como uma excepção merecedora de uma
            Mas julgo que vale a pena, ainda que de forma breve, pôr dois sublinhados nesta imagem, avivando traços  intervenção especial e imediata.
          porventura pouco perceptíveis ao observador menos atento.
            Saliento, em primeiro lugar, o esforço colectivo de instituições e de pessoas, umas e outras de boa vontade que,  Finalmente, referência ao entrosamento
          sequencialmente, trataram de salvar os náufragos, de controlar a poluição, procurar proteger a fazenda do navio e,  e apoio interno conciliado que serviu de
          em tempo reduzido para a dimensão da tarefa, libertar os espaços e a natureza dos efeitos nefastos de má fortuna  fundamento às operações realizadas. Em
          de mar.                                                              processos desta tipologia, cuja complexi-
            De facto, nos primeiros momentos do acidente funcionou o Centro de Busca e Salvamento do Comando  dade ultrapassa, em muito, a mera inter-
          Naval, em Oeiras, que promoveu o accionamento de meios aéreos e navais da FAP e da Marinha, usando a estru-
          tura de Comando, Controlo e de Comunicações existente. Em simultâneo, o Sistema de Autoridade Marítima  venção policial, técnica ou administrativa
          começou a actuar em conjugação de esforços, visando a eficácia do salvamento, o controlo da poluição e a even-  mas assume, como se viu acima, um exer-
          tual recuperação do navio acidentado e ou da sua carga.              cício multidisciplinar da Autoridade
            Foram tarefas muito exigentes nos aspectos de coordenação, mas há que dizê-lo, facilitadas pela estrutura do  Marítima do Estado, é fundamental existir
          S.A.M., inserido numa Marinha com tradição mais do que secular neste tipo de serviço público.
            Também a existência de um planeamento, ainda que não totalmente completo, frequentemente praticado em  uma estrutura que, com o necessário ime-
          acidentes reais e em exercícios simulados, na água e na linha da costa, permitiu levar a cabo, com sucesso, a  diatismo, solidez e sobretudo experiência
          erradicação dos agentes poluidores, quer retirados do navio, enquanto possível, quer recolhidos das praias, roche-  adquirida, funcione como verdadeiro
          dos, porto e águas envolventes. Refiro-me ao plano “Mar Limpo”, que executado e coordenado pelo órgão  apoio à decisão do Capitão do Porto. Dada
          próprio do S.A.M., demonstrou, mais uma vez, grande valia, articulando a excelente cooperação entre entidades e
          meios dos Ministérios da Defesa Nacional, do Ambiente, do Equipamento Social e da Administração Interna e  a organização que o actual Sistema da
          também, com grande realce e importância, da autarquia local e das empresas especializadas, contratadas para  Autoridade Marítima conhece, nomeada-
          tarefas específicas. É uma área, e permitam-me uma pontinha de orgulho, onde atingimos um saber – fazer con-  mente o formato jurídico desconcentrado
          quistado com persistentes esforços que seria prejudicial para o País deixar ir pela borda fora levado por qualquer  de autoridade marítima local, tal posição
          onda de moda.                                                        foi conseguida e contextualizada tendo
            Este sublinhado das acções efectuadas merece uma tinta forte a iluminar o grande sentido de responsabilidade,
          infelizmente não muito vulgar, do armador do “Coral Bulker”, a Alderran Shipping (BVI) Ltd e da sua seguradora e  funcionado, quase se diria, na sua pleni-
          do seu P&I. Reconheço, publica e muito gratamente, a sua valiosa actividade, assim como evidencio a competên-  tude, fazendo com que a Autoridade
          cia técnica das empresas por estas contratadas para a remoção do navio e dos seus pertences.  Marítima local se sentisse sempre acompa-
            O segundo realce que gostaria de colocar na imagem que nos rodeia tem a ver, exactamente, com a realização  nhada e decidisse, assim, com serenidade,
          deste significativo, ainda que simples, evento a que evito chamar cerimónia. É que, na sociedade de informação
          em que vivemos é sempre amplamente divulgada, especializada e seguida em pormenor a ocorrência desastrosa  sustentação e eficácia. Esta, fundamental-
          ou o facto insólito negativo, mas esquecido o uso dos exemplos positivos, como lição contributiva para a melhoria  mente, a razão do sucesso.
          dessa mesma sociedade.
            Por isso, é importante relembrar hoje que não nos devemos deixar submergir pelo infortúnio, mas que há que  CMG EMQ Baganha Fernandes
          lutar contra ele, juntar vontades, independentemente do ponto do mundo donde provêm e, quando há êxito,  CFR Fernandes de Carvalho
          devemos, colectivamente, congratularmo-nos por ele.. Mais do que isso, devemos divulgá-lo (temos a obrigação
          de o fazer) como prova da vitória da inteligência e da força do Homem a má fortuna, mesmo que proveniente do  Dr. Luís da Costa Diogo
          enorme e poderoso mar. (...)
                                                                                  (Fotos gentilmente cedidas por Titan/Pinto Basto)
                                                                                     REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2002 21
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