Page 163 - Revista da Armada
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Ficha do Cutty Sark
- Comprimento fora-a-fora 90,9 metros Foto CFR Augusto Salgado
- Boca 11,7 metros
- Pontal 7,3 metros
- Altura do mastro grande 51 metros
- Deslocamento 1.300 tons
Pelo que antecede, admitimos, sem gran-
des reservas, que a armação do navio terá
passado de galera a lugre. E a ser assim, cai
o mito da «barca Ferreira»…
Ainda em 1915, mais precisamente a 19 de
Junho, quatro dias depois do Ferreira largar de
Lisboa para Angola, um violento temporal ar-
rancou-lhe novamente o leme, pelo que foi
necessário improvisar um outro a bordo. Este
imprevisto obrigou o navio a permanecer fun-
deado em Moçâmedes, durante quatro meses.
Daí seguiu para Lourenço Marques, onde car-
regou carvão. Na viagem de regresso, no dia
23 de Abril de 1916, quando navegava ao lar-
go do cabo da Boa Esperança, o mau tempo
danificou o aparelho, a ponto de o coman- A Cutty Sark em Greenwich, Londres.
dante mandar cortar os mastaréus do traque-
te e grande, na esperança de salvar o navio. Demasiado pequeno para o comércio de dale, como aprendiz, admirava este navio.
No entanto a operação correu mal e o mastro longa distância, e grande demais para as ro- Não constitui por isso grande pasmo, que
grande, ainda preso, varreu, descontrolada- tas de cabotagem locais, era já impossível tenha pago ao armador português 3.750 li-
mente o convés, causando enormes estragos pagar a sua própria manutenção. Por isso, bras pela sua aquisição, muito mais do que
e levando também à perda dos mastaréus da em Junho de 1922, foi vendido a um outro o seu valor real. Ao qual temos ainda que
mezena. De tal forma, que, com todos os pa- armador nacional, que o registou com o somar os elevados custos, por si suporta-
res de mãos no convés, estes não pareciam nome Maria do Amparo. Mas, o seu destino dos, decorrentes das reparações de que foi
suficientes para cortar os ovéns e acabar de estava traçado. Desde 1894, quando pela alvo, antes de voltar a ostentar o nome que
vez com o pesadelo… Quando o navio já se primeira vez viu a Cutty Sark, que o Cap- o celebrizou: Cutty Sark. Terminada a sua
encontrava demasiado próximo da costa, foi tain Dowman, então embarcado no Hawks- recuperação em 1924, o Captain Richard
socorrido pelo vapor Indraghiri, que o rebo- Woodget, último comandante da Cutty
cou até Cape Town. Com o Ferreira segurado Sark, ainda teve oportunidade de efectuar
em 1.800 libras, e uma estimativa de 2.500 CUTTY SARK uma pequena viagem costeira, para testar
libras para a reparação, foi com dificuldades o navio. Posto isto, manteve-se fundeado
que o armador enfrentou estes fabricos, que Cutty Sark significa, literalmente, pe- em Falmouth.
se prolongaram por dezoito meses. quena camisa, ou camisola. O nome Em 1938, dois anos após a morte do Cap-
Finalmente, no dia 10 de Janeiro de 1918, foi atribuído ao navio por Mrs. George tain Wilfred Dowman, a sua mulher ofereceu
o navio soltou rumo e foi carregar cacau em Moodie, mulher do primeiro coman- o navio ao Thames Nautical Training Colle-
Accra, que transportou para o Havre. Não dante. Tanto quanto sabemos, ter-se-á ge. Fundeada em Greenhithe, no Tamisa,
sem antes ter fundeado em Ponta Delgada, inspirado no seu poema favorito, Tam escapou ilesa aos bombardeamentos que
onde permaneceu durante três meses, até o O’Shanter, de Robert Burns, cuja figura atingiram Londres, durante a guerra. No ano
Comandante Frederico Vieira de Sousa recu- central é a bruxa Nannie. de 1954, foi colocada como museu, numa
perar da doença súbita que o atingiu. doca seca construída para o efeito, em Gre-
«Whene’r to drink you are inclined enwich, local onde pode ser visitada. No dia
Or Cutty Sarks run in your mind
Comandantes do “Ferreira” Think: you may buy the joys ower dear, 25 de Junho de 1957 a Rainha de Inglaterra
- ? ? Remember Tam O’Shanter’s mare». inaugurou, formalmente, a abertura da Cut-
ty Sark ao público.
- Carrilho do Canto (1901-1904) Pela nossa parte, apenas podemos la-
- Horácio de Noronha Barros (1904- ? ) Esta foi esculpida, de peito descober- mentar o facto de o navio não se encontrar
- Frederico Vieira de Sousa (1914-1918) to, por Robert Hellyer, e colocada como em Lisboa…
- ? ? figura de proa do navio. Z
António Manuel Gonçalves
A 17 de Janeiro de 1919 foi vendido por Arquivo CTEN António Gonçalves CTEN
275 mil escudos e «registado como lugre a Notas
favor do cidadão João Pires Correia […] con- (1) Primeiras velas e vergas, a contar de baixo, num
tinuando sem motor a ser “véla” e a deno- navio de pano redondo, nos respectivos mastros.
(2) Quarta vela, a contar de baixo, no mastro do
minar-se “Ferreira”». traquete.
Quando em Junho desse ano chegou a (3) Nome pelo qual era conhecido o Equador.
Londres, a recepção foi apoteótica. O mesmo (4) Transporte baseado em ligações não regulares,
aconteceu em 1922, quando o Ferreira visitou pago ao frete.
novamente a capital inglesa. Devido ao mau (5) Mastro mais a ré, num navio que arma em ga-
tempo, na viagem de regresso a Lisboa foi obri- lera.
(6) Navio de três mastros, envergando pano redondo
gado a arribar a Falmouth, onde o Captain Wil- no de vante (traquete), e pano latino nos outros dois
fred Dowman o observou emocionado. (grande e mezena).
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2005 17