Page 240 - Revista da Armada
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Instalações da Marinha em 1932.
         pouco a pouco tudo entrou nos eixos, mas   Às salas de estudo também nos habituá-  luído e com sucesso. O curso da Escola dura
         só no princípio do ano lectivo 1937/1938  mos mal. Havia sempre quem fizesse baru-  hoje cinco anos e no meu tempo eram ape-
         é que começámos a sentirmo-nos bem na  lho e prejudicasse o estudo.   nas três para além do ano da Faculdade. Tem
         Escola Naval do Alfeite.             Mas a pouco e pouco fomo-nos habituan-  continuado a cumprir bem.
           Agora é a altura de descrever a parte me-  do à nova Escola Naval. A Marinha também   Mas na Escola não se aprende tudo. Pode-
         nos grave mas que também tornou dificil a  reagiu com desagrado à expulsão dos cade-  rá ainda no seu âmbito, ministrar cursos de
         nossa adaptação à nova Escola.     tes. No nosso 3º ano tínhamo-nos habituado  actualização ou de postgraduação.
           O 1º Comandante tinha mudado, como já  à Escola, embora contássemos os dias para   Hoje há menos navios e navega-se menos
         referi, desde Junho de 1936, era o Almirante  sair dela. Saía mos com saudade, sentimento  mas os navios são mais sofisticados. As lon-
         Alberto de Castro Ferreira, um santo senhor  que ainda se mantém e os nossos superiores  gas comissões de serviço, que eram uma gran-
         que não piorou a nossa situação. Em Maio  também compreenderam como lidar com o  de escola, desapareceram. A meu ver fazem
         do ano seguinte nova mudança, como Direc-  bicho, fosse ele, aspirante ou cadete.  falta, mas não vejo que possam voltar. No en-
         tor e 1ºComandante, o Almirante Baptista de   R. A.: Qual o balanço que faz do percurso  tanto os navios portugueses são integrados
         Barros. A sua chegada coincidiu com o perío-  naval dos seus camaradas de curso?  em forças internacionais que exigem enorme
                                                  te
         do da expulsão dos cadetes e nós concluímos   Alm.  L. V.:  Os últimos aspirantes julgo  saber e dedicação para já não falar na avalia-
         que tinha instruções para isso Nunca soube  que serviram a Marinha com paixão e dedica-  ção internacional a que são submetidos e que
         ao certo se era assim. Mas o que se sente é às  ção.Tiveram uma carreira que os dignificou.  exige muito trabalho. A renovação das unida-
         vezes mais desagradável do que aquilo que  Foram um modelo de camaradagem, de fra-  des navais continua a ser um problema políti-
         realmente existe.                  ternidade. Nunca houve zangas, nem confli-  co. A crise financeira e económica que atraves-
           Outro aspecto que se nos deparou foi o isola-  tos entre nós. Restamos três; é a lei da vida!.  samos torna a solução mais espinhosa.
         mento. Em Lisboa saíamos da Escola, às 17.00 e  Dos 22 que entraram para a Escola Naval em   Mas haverá sempre uma carreira naval,
         voltávamos às 20.00. Dávamos um passeio que  1 de Outubro de 1935, a carreira que fizeram  embora diferente da que eu conheci.
         nos levava à Rua do Ouro, Chiado e Rossio. A  pode avaliar-se pelo que atingiram.  E creio que haverá jovens que se sentirão
         Baixa era frequentada por muitas raparigas    Nove foram oficiais generais, sendo um  atraídos por ela. Eu próprio depois da re-
         bonitas. Era refrescante vê-las a todas. Para-  deles Chefe do Estado -Maior da Armada,  forma, sentindo-me ainda válido, encontrei
         gem obrigatória era a leitaria “Persa”, no Ros-  o Almirante Souto Cruz. Dos restantes che-  outra ocupação. Servi em Macau, numa co-
         sio, por assim dizer o nosso quartel-general. Aí  garam a Capitão- de- mar-e-guerra todos os  missão civil, ensinei numa Universidade e
         recebíamos encomendas e mensagens. Em al-  que tiveram idade para isso.  estou a escrever os livros que não pude pre-
         ternativa íamos até ao Café Martinho. Era raro   Foram nove que o conseguiram.  parar no activo.
         não irmos trocar dois dedos de conversa com   R. A.: Hoje passados tantos anos com inú-  Não parei, não senti tédio, nem o cansaço
         o nosso amigo alfaiate Arnaldo Silva.   meras alterações entretanto ocorridas, a ní-  da inactividade. Que outros o possam fazer.
           No Alfeite não havia nada disso. Não saía-  vel do País e necessariamente na Marinha,  Já que falei em livros,  apontarei o seguinte:
         mos da Escola, e se pudéssemos sair, não ha-  como vê o Sr. Almirante a Carreira Naval?   o último que escrevi, “Marinha. Uma Escola
                                                  te
         via para onde ir. O Comandante Silva Moreira,   Alm.  L. V.: Passaram 67 anos depois de  Civíca”, mereceu uma critica assinada pelo
         novo 2º Comandante teve a ideia de adoptar  termos saído da Escola Naval. As alterações  1TEN José Manuel Moreira Silva. Pode ser
         para nós, o mesmo regime que era praticado  no mundo, no país e na Marinha foram inú-  que nos tenhamos visto, mas nunca nos falá-
         no Colégio Militar. Não dava! Eram idades dife-  meras e significativas. Na carreira naval tam-  mos. É muito novo para termos tido contactos
         rentes. A primeira preocupação que teve foi me-  bém. Nem todos hoje pretendem estar numa  durante o meu serviço activo.
         lhorar a nossa alimentação. Posso afirmar que  profissão toda a vida. A rápida evolução das   Nessa crítica, que me agradou, encontrei o
         comíamos bem, até direi como uns alarves.  tecnologias isso impõe, facto que obriga as  seguinte que transcrevo “No entanto ao longo
                                                            Forças Armadas e so-  das páginas, compreendemos que no meio naval
                                                            bretudo a Direcção Po-  conceitos como camaradagem, brio, bom senso e
                                                            lítica a encontrar uma  sentido de responsabilidade não são de modo algum
                                                            solução equilibrada e  palavras vãs e no fim da leitura somos inevitavel-
                                                            socialmente correcta.  mente forçados a concordar com o título do livro.
                                                              Outros países já  Talvez acabemos por chegar à conclusão de que a
                                                            foram confrontados  Marinha actual afinal não mudou assim tanto ao
                                                            com este problema,  fim de 60 anos”.
                                                            nomeadamente a Ale-  A parte que sublinhei agradou-me sobre-
                                                            manha. Haverá que  maneira. É encorajante, gratificante e uma
                                                            ver qual a solução que  garantia que a Marinha mantém as caracte-
                                                            será melhor para Por-  rísticas que lhe granjearam prestígio.
                                                            tugal! É fundamen-   Passadas sete décadas posso afirmar que
                                                            talmente uma decisão  escolheria outra vez a mesma carreira. Afi-
                                                            política do Estado.  nal a Marinha continua a ser fiel ao seu lema:
                                                              Na Marinha, a Es-  “A Pátria honrai, que a Pátria vos contempla”.
         O Alm. Leal Vilarinho com o Director da RA tendo a antiga Escola Naval por fundo.  cola Naval, tem evo-  Z
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