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Instalações da Marinha em 1932.
pouco a pouco tudo entrou nos eixos, mas Às salas de estudo também nos habituá- luído e com sucesso. O curso da Escola dura
só no princípio do ano lectivo 1937/1938 mos mal. Havia sempre quem fizesse baru- hoje cinco anos e no meu tempo eram ape-
é que começámos a sentirmo-nos bem na lho e prejudicasse o estudo. nas três para além do ano da Faculdade. Tem
Escola Naval do Alfeite. Mas a pouco e pouco fomo-nos habituan- continuado a cumprir bem.
Agora é a altura de descrever a parte me- do à nova Escola Naval. A Marinha também Mas na Escola não se aprende tudo. Pode-
nos grave mas que também tornou dificil a reagiu com desagrado à expulsão dos cade- rá ainda no seu âmbito, ministrar cursos de
nossa adaptação à nova Escola. tes. No nosso 3º ano tínhamo-nos habituado actualização ou de postgraduação.
O 1º Comandante tinha mudado, como já à Escola, embora contássemos os dias para Hoje há menos navios e navega-se menos
referi, desde Junho de 1936, era o Almirante sair dela. Saía mos com saudade, sentimento mas os navios são mais sofisticados. As lon-
Alberto de Castro Ferreira, um santo senhor que ainda se mantém e os nossos superiores gas comissões de serviço, que eram uma gran-
que não piorou a nossa situação. Em Maio também compreenderam como lidar com o de escola, desapareceram. A meu ver fazem
do ano seguinte nova mudança, como Direc- bicho, fosse ele, aspirante ou cadete. falta, mas não vejo que possam voltar. No en-
tor e 1ºComandante, o Almirante Baptista de R. A.: Qual o balanço que faz do percurso tanto os navios portugueses são integrados
Barros. A sua chegada coincidiu com o perío- naval dos seus camaradas de curso? em forças internacionais que exigem enorme
te
do da expulsão dos cadetes e nós concluímos Alm. L. V.: Os últimos aspirantes julgo saber e dedicação para já não falar na avalia-
que tinha instruções para isso Nunca soube que serviram a Marinha com paixão e dedica- ção internacional a que são submetidos e que
ao certo se era assim. Mas o que se sente é às ção.Tiveram uma carreira que os dignificou. exige muito trabalho. A renovação das unida-
vezes mais desagradável do que aquilo que Foram um modelo de camaradagem, de fra- des navais continua a ser um problema políti-
realmente existe. ternidade. Nunca houve zangas, nem confli- co. A crise financeira e económica que atraves-
Outro aspecto que se nos deparou foi o isola- tos entre nós. Restamos três; é a lei da vida!. samos torna a solução mais espinhosa.
mento. Em Lisboa saíamos da Escola, às 17.00 e Dos 22 que entraram para a Escola Naval em Mas haverá sempre uma carreira naval,
voltávamos às 20.00. Dávamos um passeio que 1 de Outubro de 1935, a carreira que fizeram embora diferente da que eu conheci.
nos levava à Rua do Ouro, Chiado e Rossio. A pode avaliar-se pelo que atingiram. E creio que haverá jovens que se sentirão
Baixa era frequentada por muitas raparigas Nove foram oficiais generais, sendo um atraídos por ela. Eu próprio depois da re-
bonitas. Era refrescante vê-las a todas. Para- deles Chefe do Estado -Maior da Armada, forma, sentindo-me ainda válido, encontrei
gem obrigatória era a leitaria “Persa”, no Ros- o Almirante Souto Cruz. Dos restantes che- outra ocupação. Servi em Macau, numa co-
sio, por assim dizer o nosso quartel-general. Aí garam a Capitão- de- mar-e-guerra todos os missão civil, ensinei numa Universidade e
recebíamos encomendas e mensagens. Em al- que tiveram idade para isso. estou a escrever os livros que não pude pre-
ternativa íamos até ao Café Martinho. Era raro Foram nove que o conseguiram. parar no activo.
não irmos trocar dois dedos de conversa com R. A.: Hoje passados tantos anos com inú- Não parei, não senti tédio, nem o cansaço
o nosso amigo alfaiate Arnaldo Silva. meras alterações entretanto ocorridas, a ní- da inactividade. Que outros o possam fazer.
No Alfeite não havia nada disso. Não saía- vel do País e necessariamente na Marinha, Já que falei em livros, apontarei o seguinte:
mos da Escola, e se pudéssemos sair, não ha- como vê o Sr. Almirante a Carreira Naval? o último que escrevi, “Marinha. Uma Escola
te
via para onde ir. O Comandante Silva Moreira, Alm. L. V.: Passaram 67 anos depois de Civíca”, mereceu uma critica assinada pelo
novo 2º Comandante teve a ideia de adoptar termos saído da Escola Naval. As alterações 1TEN José Manuel Moreira Silva. Pode ser
para nós, o mesmo regime que era praticado no mundo, no país e na Marinha foram inú- que nos tenhamos visto, mas nunca nos falá-
no Colégio Militar. Não dava! Eram idades dife- meras e significativas. Na carreira naval tam- mos. É muito novo para termos tido contactos
rentes. A primeira preocupação que teve foi me- bém. Nem todos hoje pretendem estar numa durante o meu serviço activo.
lhorar a nossa alimentação. Posso afirmar que profissão toda a vida. A rápida evolução das Nessa crítica, que me agradou, encontrei o
comíamos bem, até direi como uns alarves. tecnologias isso impõe, facto que obriga as seguinte que transcrevo “No entanto ao longo
Forças Armadas e so- das páginas, compreendemos que no meio naval
bretudo a Direcção Po- conceitos como camaradagem, brio, bom senso e
lítica a encontrar uma sentido de responsabilidade não são de modo algum
solução equilibrada e palavras vãs e no fim da leitura somos inevitavel-
socialmente correcta. mente forçados a concordar com o título do livro.
Outros países já Talvez acabemos por chegar à conclusão de que a
foram confrontados Marinha actual afinal não mudou assim tanto ao
com este problema, fim de 60 anos”.
nomeadamente a Ale- A parte que sublinhei agradou-me sobre-
manha. Haverá que maneira. É encorajante, gratificante e uma
ver qual a solução que garantia que a Marinha mantém as caracte-
será melhor para Por- rísticas que lhe granjearam prestígio.
tugal! É fundamen- Passadas sete décadas posso afirmar que
talmente uma decisão escolheria outra vez a mesma carreira. Afi-
política do Estado. nal a Marinha continua a ser fiel ao seu lema:
Na Marinha, a Es- “A Pátria honrai, que a Pátria vos contempla”.
O Alm. Leal Vilarinho com o Director da RA tendo a antiga Escola Naval por fundo. cola Naval, tem evo- Z
22 JULHO 2005 U REVISTA DA ARMADA