Page 237 - Revista da Armada
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Alm. L. V.: Nos intervalos e momentos Alm. L. V.: Não digo que o Arsenal fosse Alm. L. V.: O enxoval era pago pelas fa-
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livres reuníamo-nos na Sala do Risco, às um mundo à parte. Raramente lá íamos, a mílias. O fardamento já era normalmente
vezes nas aulas não ocupadas, no corre- não ser para nos dirigirmos ao Clube Náu- pago por nós. O nosso alfaiate era o Sr. Ar-
tico dos Oficiais e Aspirantes da Armada naldo Silva, que teve um filho na Marinha
(CNOAA antecessor do CNOCA) que fica- que veio a morrer ainda novo, e que nos
va mesmo ali por baixo. concedia crédito sem juros. Normalmente
Havia uma excepção: era por ali que saíam, acabávamos de pagar no fim da primeira
os raros aspirantes que à noite se ausentavam viagem de instrução, o que era para nós um
da Escola para se divertirem. Era fácil, passan- ponto de honra. Além da amizade, era ele
do em frente do Clube, chegar ao Cais do So- quem na época fazia as fardas mais bem ta-
dré. Nunca me senti nessa aventura, porque lhadas e usava as melhores fazendas.
as consequências eram graves. Implicavam Como não engordei ainda posso usar a ja-
penas severas que se atingissem os 40 dias de queta e a sobrecasaca.
detenção, teriam como consequência a expul- R. A.: E sobre o ensino, o que é que o Sr.
são da Escola e da Marinha. Eram raros os que Almirante nos pode dizer?
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arriscavam. Todos sabiam deste facto, mas o Alm. L. V.: O ensino teórico era de alta
segredo era mantido como questão de honra. qualidade.
Os poucos infractores
constituíam uma es-
pécie de clube secreto
dor a que chama ”Galeria do Museu Na- e se algum novato o
val”, que é hoje pertença da Academia de queria fazer tinha que
Marinha. Nas carteiras podiam-se sentar ser aprovado pelo clu-
três aspirantes. be . A saída, parece que
R. A.: No 2º piso funcionava então o era fácil. A entrada era
refeitório, as camaratas e mais alguma o maior risco. O nú- x
coisa? mero dos evadidos no
Alm. L. V.: No 2º piso (3º andar) ficavam meu ano não excedeu
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as camaratas os refeitórios e as arrecada- dois ou três. Houve
ções onde se guardava material da Escola. um que foi apanhado,
No extremo sul da Sala do Risco estavam o que lhe valeu 30 dias
as malas dos aspirantes, a que não era pre- de detenção.
ciso ter acesso diário, os sanitários e os chu- R. A.: Qual era o
veiros principais, espelhos e cacifos onde regime escolar? Era
se guardavam os uniformes (fato de cotim igual para todos os
O curso do Almirante Leal Vilarinho (×).
e uniforme n.º 5). Este último uniforme era anos?
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usado sempre que saíamos da Escola. Que Alm. L. V.:Vínhamos da Faculdade onde R. A.: E relativamente aos professores, os
me lembre havia também bancos distribui- íamos às aulas quando nos interessava, po- prestigiados lentes?
dos por vários locais. rém raramente se faltava às aulas práticas. Alm. L. V.: Os professores tinham muita
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R. A.: Pelo que sabemos o acesso ao Os assistentes eram excelentes e essas aulas categoria eram eles: Serra Guedes, Azevedo
Arsenal não era permitido aos alunos. essenciais para o sucesso nos exames. e Silva, José Filipe Castela, Trancredo de Mo-
Era um espaço que pertencia a um mun- O regime na Escola Naval era igual para rais, Conceição e Silva, Quelhas Lima, Raul
do à parte? todos os anos e mais severo que no liceu e na César Ferreira. Só Serra Guedes é que era
faculdade. Ao fim de cinco lições ha- lente, havia oficiais que entravam como pro-
via uma repetição escrita e podíamos fessores e continuavam a sê-lo até Capitães-
ser chamados a uma prova oral em -de-Mar-e-Guerra, e por isso não podiam as-
qualquer ocasião. cender a oficial general. Quando esse regime
A adaptação foi difícil. Julgo que acabou, passaram os docentes a ser escolhi-
ainda hoje será assim. As classifica- dos por concurso e em certos casos por con-
ções finais do 1º ano estabeleciam o vite. A razão principal da mudança de critério
nosso lugar na escala, que se manti- foi o rápido avanço tecnológico das Marinhas,
nha praticamente até à saída da Es- sobretudo como resultado da I Guerra Mun-
cola. No 2º e 3º ano era raro haver dial. As lições que nos davam eram excelen-
alterações. Os cursos eram conheci- tes, por vezes brilhantes. Dava gosto ouvi-los
dos pelo nome do respectivo chefe, com atenção. Eram exigentes, mas nenhum se
já que a adopção do patrono só foi podia chamar na verdade fera. As suas lições
instituida a partir de 1936. O meu eram completadas por um lote de instrutores,
era o curso do Vasco Rodrigues. oficiais antigos, com experiência e calo, em ge-
Curiosamente tinha entrado em úl- ral capitães- tenentes ou primeiros tenentes
timo lugar, com a média de 15 va- antigos. Tratavam-nos bem, com dignidade
lores, e, com uma vontade de ferro e eram nossos amigos.
ascendeu a chefe de curso, cuja fun- R. A.: E quanto às viagens de instrução?
ção era importante e de certo modo Alm. L. V.: As viagens de instrução eram
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tinha a responsabilidade pela disci- um bom complemento do que se aprendia na
plina do curso. Se ela era má, tam- Escola. Excede a descrição da velha Escola o
bém ele era afectado. que vou dizer a seguir.
R. A.: As questões do farda- Em 1938/1939 e durante seis meses em-
mento e enxoval como eram re- barcámos no “Pedro Nunes”, cujo coman-
Entrada da Escola Naval na Rua do Arsenal. solvidas? dante era o Capitão-Tenente Duarte Silva.
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2005 19