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Setting Sail
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                                     1. Tempo Antigo – 1ª parte


           Existe hoje a convicção plena de que o Ho-
         mem começou a navegar muito mais cedo do
         que por norma é admitido. A avaliar pelos da-
         dos mais recentes da arqueologia, a coloniza-                                                             Arquivo CTEN António Gonçalves
         ção do território australiano terá ocorrido há
         cerca de 60.000 anos. Atendendo à geografia
         local, bem como às distâncias envolvidas, tudo
         aponta para a possibilidade de algum tipo de
         navegação à vela ter sido praticada.
           No entanto, passa pelo Egipto a nossa ligação
         à navegação dos antigos. O seu legado foi pos-
         teriormente desenvolvido pelos povos do Medi-
         terrâneo ao longo dos séculos, tendo aqui sido
         disseminadas pelos Árabes algumas das técni-
         cas vindas do Oriente. Além disso, as viagens   Vaso egípcio (c. 4.000 a.C.) e a respectiva reconstrução do desenho.
         dos Vikings para sul, bem como as relações co-  primeira experiência de navegação terá  ticamente norte-sul, até Assuão. Uma vez que
         dos conhecimentos relativos às diferentes práti- A
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         merciais ao longo da Idade Média (395-1492) ,
                                                 ocorrido quando o Homem constatou  o vento sopra de norte grande parte do ano,
         ajudaram a concentrar neste Mar grande parte
                                                 que em cima de um tronco, a favor da  isto significa que os navios poderiam facilmen-
                                                                                              8
         cas da construção naval. Neste sentido, Geno-  corrente, conseguia deslocar-se muito mais  te subir o rio, à vela . No sentido contrário a
         veses, Portugueses, Castelhanos, e mais tarde  rapidamente do que a pé, pela margem do  viagem era feita aproveitando a corrente favo-
         Holandeses, Franceses e Ingleses, mais não fi-  rio, podendo ainda transportar alguma carga.  rável, arriando a verga que sustentava a vela.
         zeram do que, com pequenos passos, ir aprimo-  Posteriormente, terá reparado que com a aju-  Sendo seguro que nesta época ainda não era
         rando um conjunto de ensinamentos que veio  da do vento, utilizando uma vela rudimentar  conhecida a roldana, seria certamente levada
         culminar, em meados do século XIX, na cons-  – talvez a pele de um animal –, poderia vencer  a cabo com dificuldade a manobra de içar a
         trução dos clippers, logo seguida dos grandes  a corrente, permitindo-lhe navegar em sentido  mencionada verga. Em todo o caso, ambos os
         veleiros com casco em ferro, que constituíram  contrário e subir os rios.  trajectos contavam com a ajuda de um conjun-
         o crepúsculo da navegação à vela.    A origem da utilização das velas como meio  to numeroso de remadores. Quanto aos cabos,
           É, pois, esta fascinante viagem, através do  de propulsão ainda hoje alimenta um ace-  esses eram feitos utilizando fibra de papiro tor-
         Mar do Tempo, que vigilantes nos propomos  so debate que envolve muitos historiadores,  cida, ou em couro.
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         percorrer, à vela e com diferentes mareações,  existindo, no entanto, duas grandes correntes   Alguma iconografia  coeva dá-nos conta de
         ao largo da rigorosa costa da Revista da Ar-  de opinião. Uma que defende o seu apareci-  que a colocação do mastro na sua posição era
         mada, pejada que se encontra de experimen-  mento no seio dos povos de cultura marítima,  feita apenas quando havia necessidade de na-
         tados Marinheiros. Assim o engenho e a arte  nomeadamente no golfo Pérsico e no Medi-  vegar à vela. De outra forma este era mantido
         nos permitam levar a bom porto mais um ve-  terrâneo, e uma outra que aponta no sentido  deitado a bordo, com a vantagem de aumen-
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         leiro em guindolas .               de um desenvolvimento simultâneo em duas  tar a estabilidade e minimizar a resistência, já
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                                            quipélago indonésio, tendo, deste último, par-  proa. Sendo patente neste último caso o fraco
                                            tido os primeiros humanos que colonizaram o  efeito do «leme», recorriam a um expediente
                                            continente australiano.            deveras engenhoso para não deixar atravessar
                                              Irrefutável é o primeiro testemunho que  o navio. À proa era lançada uma prancha de
                                            chegou até nós, demonstrando a prática da  tamareira, com as dimensões de uma vulgar
                                            navegação à vela . Trata-se de um desenho  porta, lastrada numa das arestas maiores. Tal
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      CTEN António Gonçalves
                                            inscrito num vaso egípcio, datado de cerca  obrigava a que esta se mantivesse mergulha-
                                            de 4.000 a.C..                     da na vertical, actuando como um drogue .
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                                              O facto de também as representações pos-  Por sua vez, à popa, era arrastada pelo fundo
                                            teriores, algumas delas aparentando algum ri-  uma pedra com uns 60 quilos, presa ao navio
                                            gor, mostrarem o mastro colocado muito che-  por uma retenida.
                                            gado a vante, sugerem-nos que a utilização da   Inicialmente os navios eram construídos uti-
                                            respectiva vela só seria possível com o vento  lizando feixes de caules de papiro, amarrados
                                            praticamente na popa (mais de 165º). Dito de  uns aos outros. Com o advento das grandes edi-
                                            outra forma, estes navios teriam uma grande  ficações em pedra, a partir de c. 3.000 a. C.,
                                            tendência para arribar , como facilmente se  houve necessidade de os construir em madeira,
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                                            compreende, o que inviabilizaria a utilização  matéria escassa em todo o vale do Nilo, para
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                                            da grande vela redonda  com o vento noutra  que pudessem carregar os enormes blocos para
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                                            marcação .                         as referidas obras. No entanto, as únicas ma-
                                              Se atentarmos na geografia do rio Nilo, e na  deiras disponíveis, antes do início das relações
                                            direcção do vento predominante, verificamos  comerciais entre o Egipto e os povos da região
                                            que tal facto estaria longe de constituir um  da actual Palestina e do Líbano, eram a acácia
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                                            problema. Efectivamente, se exceptuarmos a  e a figueira .
                                            curva que antecede Qinã, onde o rio toma a   A manobra dos navios fazia-se através de um
         O trajecto do Nilo e o vento predominante.  direcção leste-oeste, todo o seu trajecto é pra-  conjunto de remos laterais, dois ou três coloca-
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