Page 271 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. JOÃO III (4)
Os combates pelo Mediterrâneo
Os combates pelo Mediterrâneo
A turcas para ocidente, apoiadas pelos gran- o grande galeão S. João, cuja capacidade de
importância que o Mediterrâneo sem-
pre teve na História de Portugal é des corsários berberescos, com especial rele-
artilharia lhe valeu a alcunha de botafogo.
algo que fica ofuscado pela grandeza vo para os irmãos Barbarroxa cujo percurso Facilmente entenderemos que não era uma
das navegações no Atlântico e Indico, até aos é interessante recordar. O mais velho deles força despicienda, se tivermos em conta a
confins da Ásia e às Molucas. É fácil esque- – Aruj Barbarroxa – tinha já uma fama negra dimensão do país e a dispersão de forças
cer como os navios portugueses cruzavam junto das esquadras e praias cristãs, quando navais a que Portugal estava obrigado por
igualmente o Estreito de via da dimensão do im-
Gibraltar navegando ao pério ultramarino.
longo da costa andaluza, Infelizmente, para as
valenciana e catalã, esca- forças cristãs, o êxito da
lando as ilhas baleares e expedição foi precário.
demandando os portos Na altura Barbarroxa
italianos do norte e do fugiu mas, de uma for-
sul. Mesmo no auge da ma surpreendente, an-
expansão ultramarina, tes que a esquadra do
quando a Lisboa che- imperador chegasse a
gavam as especiarias terras europeias, atacou
e outras mercadorias a cidade de Mahon em
orientais, a abertura ao Minorca. Um dos navios
Mediterrâneo era funda- que ali estava fundeado
mental sob vários pontos era uma caravela portu-
de vista: primeiro, deve- guesa que, no combate
mos considerar que de lá com três galés argelinas,
vinham produtos essen- foi bombardeada e afun-
ciais à sobrevivência do dada. A reconquista de
reino (como era o trigo Tunes transformava-se
de Valência ou da Sicí- numa vitória de Pirro
lia); depois era esta uma “Representação cartográfica do porto e cidade de Argel, onde é possível ver a ligação do ilhéu a terra firme e o em face dos benefícios
via de acesso ao centro molhe protector, cuja construção foi levada a cabo por Barbarroxa”. que o senhor de Argel
comercial da Europa, onde os produtos ultra- foi convidado pelo rei de Argel (1516) para conseguira. Três anos depois (1538), uma
marinos tinham de ser colocados para que a que o ajudasse a expulsar os espanhóis de imensa esquadra comandada por Andrea
empresa fosse lucrativa; e, por último, era o um pequeno rochedo que dominava es- Dória, integrando espanhóis, venezianos,
Mediterrâneo um dos pólos de uma rota ma- trategicamente a cidade (Peñon de Argel), genoveses, pontifícios, portugueses e da Or-
rítima que passava em frente da costa portu- controlando o seu acesso pelo mar. Entrou dem de Malta, defronta-se com Khair Ed-Din
guesa, e que está na base da identidade do na cidade com os seus homens, e em pouco em Preveza. A desproporção de forças era de
povo português, uma identidade marítima tempo tomou conta do poder, depois de ter 250 navios cristãos para 122 islâmicos, mas
que vira costas ao interior peninsular e gera assassinado o soberano. Teve, contudo, uma o resultado não sorriu as forças europeias
as solidariedades que fundamentam o dese- carreira curta, porque em 1518 foi apanha- que sofreram uma derrota humilhante. E em
jo de independência. Por tudo isto não é cor- do de surpresa por uma frota espanhola que 1541, quando o próprio Impe rador resolveu
recto que esqueçamos o que se passava no não lhe perdoou as ousadias anteriores. No atacar Argel para pôr fim a esta saga, o re-
Mediterrâneo, sendo necessário medir bem entanto, no governo de Argel tinha ficado sultado foi semelhante. Barbarroxa morreu
a importância que teve na vida do país, a par um seu irmão (Khair Ed-Din) que deu con- poucos anos depois, mas em perfeito sosse-
com a Carreira da Índia ou os combates do tinuidade às acções de corso contra os euro- go, deitado na sua cama.
Oriente. Ao pensarmos nas decisões tomadas peus e revelou uma particular astúcia polí- Portugal participou em todas as tentativas
no reinado de D. João III em relação ao Norte tica. Começou por se fazer vassalo do sultão de dominar este vendaval mediterrânico le-
de África – nomeadamente no abandono de turco e conseguiu a sua prote cção, com o for- vado a cabo pelo poder marítimo de Argel.
várias praças que estavam ocupadas pelos necimento de navios e soldados. Em 1529 ex- Como é fácil de ver, sempre que os seus na-
portugueses – deve avaliar-se bem esta com- pulsou, finalmente, os espanhóis do Peñon vios tinham de cruzar as águas do mar inte-
ponente, porque ela teve uma importância de Argel, demolindo a fortaleza e construin- rior, faziam-no com o credo na boca, mas co-
fulcral na análise política do soberano. do um imenso molhe que unia a ilha a terra, locava-se ao país um outro problema: aquilo
O factor mais determinante do domínio e formava uma barreira protectora para os que era uma frente marítima no Mediterrâ-
naval no Mediterrâneo no princípio do sé- navios que demandavam o porto (ver ima- neo tinha uma correspondente terrestre nos
culo XVI é, sem sombra de dúvida, o avan- gem). Em 1533 foi nomeado Almirante-Mor campos do Norte de África, onde crescia uma
ço turco no tempo de Solimão o Magnífico. O da esquadra turca e, de seguida, ocupou Tu- força ameaçadora para as praças portuguesas.
sultão chegou ao poder em 1520 e obtém, de nes ficando com um domínio efectivo sobre Esta era uma das fragilidades do sonho de
imediato, uma vitória militar que consolida toda a costa do Norte de África, até Tripoli. D. Manuel, que viria a obrigar a decisões drás-
as suas posições no Egipto, ocupa a Hun- Carlos V reagiu organizando uma esquadra ticas por parte de D. João III, mas esse assunto
gria e avança pelo Mediterrâneo conquis- que recuperou essa posição em 1535, e é co- será tratado na próxima Revista da Armada.
tando Rodes, onde estavam os cavaleiros de nhecida a participação portuguesa na em- Z
S. João do Hospital. Sobretudo esta vitória presa, com um grupo de 23 navios coman- J. Semedo de Matos
sobre Rodes marca o avanço das esquadras dados por António Saldanha. Um deles era CFR FZ
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