Page 385 - Revista da Armada
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forma das obras vivas, fizeram do galeão o Também a inclinação dos mastros dos resistir aquando do crucial posicionamento
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navio de guerra por excelência . De resto galeões do norte da Europa era tida em li- para combate.
o seu casco contava com uma maior den- nha de conta para o equilíbrio do navio. A partir de finais do século XVI também
sidade de balizas e longarinas, o que des- Assim, o traquete encontrava-se pratica- os Ingleses começaram a contribuir activa-
de logo tornava a construção mais sólida mente na vertical, aparecendo o mastro mente para a melhoria do galeão. A eles se
e, acima de tudo, mais resistente aos pro- grande ligeiramente inclinado para ré. Os deve a inclusão de uma nova vela denomi-
jécteis das primeiras armas da nada sobre-cevadeira colocada
artilharia naval. a vante, desta feita numa verga
Um outro pormenor que se perpendicular acima do guru-
distingue no galeão é a presen- pés. Eliminavam-se assim os
ça de um beque de dimensões Arquivo CTEN António Gonçalves riscos e as limitações da ceva-
apreciáveis, prolongando ho- deira que só permitia a sua uti-
rizontalmente a roda de proa. lização com bom tempo. Pela
Em nosso entender este requi- mesma altura surge também
sito, que já podia ser detectado uma outra vela latina triangular
na caravela redonda, vem pro- mais pequena, acima da vela da
var que um esforço acrescido mezena. Um pouco mais tarde
passou a ser exigido ao guru- foram colocadas linhas de ri-
pés. Ao qual não será alheio o zes nas gáveas, como forma de
facto da altura dos mastros e poder gerir melhor o pano em
a superfície vélica terem au- função das alterações na inten-
mentado grandemente. Talvez sidade do vento, e da época do
ignorando esta questão alguns ano em que se navegava.
autores, interpretando descri- Em meados do século XVII
ções coevas do navio, defen- os galeões viram acrescentada
dem que o galeão dispunha de mais uma verga denominada
um esporão. joanete em cada um dos mas-
A sua forma afilada permi- tros redondos, onde passou a
tia-lhe atingir uma velocidade envergar mais uma vela redon-
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mais elevada, a menor altura No centro destaca-se um galeão e à esquerda duas naus também fundeadas. Em pri- da . Este artifício, para além
do castelo de proa conferia- meiro plano encontram-se uma caravela redonda e duas galés. de ampliar a área vélica tendo
Imagem do Roteiro de D. João de Castro.
lhe qualidades mais veleiras como objectivo a melhoria da
– com maior capacidade para orçar, nave- mastros da mezena e contra-mezena sur- velocidade do navio conferia ainda uma
gar a uma bolina mais cerrada e manobrar giam com uma inclinação idêntica à do maior flexibilidade na gestão do pano a ca-
em espaços confinados –, e o alto poder de mastro grande, ou ligeiramente superior. çar/carregar, na exacta medida das sempre
fogo das muitas bocas de grande calibre de- Este procedimento fazia diminuir a pres- inevitáveis alterações do vento.
sequilibravam frequentemente a seu favor o são do velame sobre a proa, exigindo das Toda esta evolução do aparelho do ga-
desfecho de muitas das batalhas travadas no velas mais a ré um maior contributo em leão conduziu, por alturas do final do sé-
mar. Nesta perspectiva, e atendendo aos as- prol da velocidade do navio. Mais, com culo XVII, à existência de apenas três mas-
pectos distintos que incorpora, a tros, envergando pano redondo
nau pouco ou nenhum ascenden- nos dois mais a vante – grande e
te terá tido no desenvolvimento traquete –, e uma vela latina qua-
do galeão . drangular na mezena com duas
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O galeão com as qualidades Arquivo CTEN António Gonçalves vergas: retranca e carangueja .
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descritas terá sido desenvolvido, Por cima deste conjunto começou
ao que tudo indica, por volta do a ser vista a primeira vela de gave-
último quartel do século XVI pelos tope . Pela grande facilidade da
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construtores navais holandeses. manobra da respectiva escota, que
Não admira por isso que três dé- apenas exigia a força de um ho-
cadas depois estes últimos estives- mem, esta pequena vela assumiu
sem a dar caça às naus e caravelas particular importância na afinação
portuguesas no Oriente, contri- da velocidade do navio quando
buindo decisivamente para uma este se encontrava em linha pronto
alteração profunda da correlação para iniciar o combate com o opo-
de forças presentes no Índico. sitor. Todas estas alterações deram
Cumpre referir que a verga da origem ao que os ingleses denomi-
vela grande, porque influente na nam de full-rigged ship .
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estabilidade do navio, habitual- Por imposição da elevada estru-
mente era mantida arriada quan- tura do tombadilho o governo do
do este se encontrava fundeado, navio era feito através do pinçote
minimizando assim a acção do Plano do velame de um galeão inglês de Matthew Baker (c. 1586). do leme num compartimento co-
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vento no respectivo aparelho, berto à popa, ao nível do convés.
com consequência directa numa maior se- a enxárcia dizendo claramente para ré do Dava-se assim protecção ao marinheiro do
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gurança no fundeadouro. O procedimento mastro , as vergas do pano redondo po- leme em caso de mau tempo e durante o
descrito pode também ser observado no diam ser braceadas num maior ângulo. Por confronto com outros navios.
excelente desenho de D. João de Castro, isso estes galeões navegavam tão chegados Quanto ao termo galeão tudo aponta para
onde verificamos estar arriada a verga da ao vento que causavam admiração aos ma- que a sua origem possa radicar na antiga de-
vela grande tanto no galeão como nas duas rinheiros do sul da Europa. Consequente- nominação de um certo tipo de navio vene-
naus fundeadas. mente não havia táctica que lhes pudesse ziano movido a remos, o gallioni. Daí que
REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2005 23