Page 384 - Revista da Armada
P. 384
Setting Sail
Setting Sail
2. Tempo Unificador – 2ª parte
erão sido talvez as condições de ven- Ou seja, com vento fraco todo o pano exis- tivo cesto, bem como a moneta cosida na
tos favoráveis experimentadas duran- tente a bordo era caçado. À medida que o esteira da vela grande. Percebe-se também
18
17
Tte a descoberta da volta pelo largo vento ia refrescando eram carregadas a ceva- a existência de apagas e estingues na
19
14
no Atlântico Sul, como forma de dobrar o deira e as gáveas , e descosidas as monetas. vela grande, e sergideiras na vela de gá-
1
cabo da Boa Esperança , que fizeram evo- A primeira, apesar da sua posição baixa não vea. Repare-se ainda no facto de as escotas,
luir a construção naval para o navio que Arquivo CTEN António Gonçalves dadas as dimensões da vela grande, quase
2
doravante passou a designar-se como nau tocarem na água.
da carreira da Índia. Assim, a nau do século Como facilmente se percebe as naus car-
XVI incorporava grande parte dos elemen- regadas com as riquezas vindas do Orien-
tos que vimos anteriormente, tanto ao nível te cedo constituíram presas fáceis para na-
da construção do casco como do próprio vios mais pequenos e manobráveis. Nestas
aparelho. Com o tempo, mantendo essas condições de sobrecarga as suas qualidades
mesmas características, a nau foi crescen- náuticas eram diminuídas, nomeadamente
do, mais uma vez por imposição de uma a capacidade já de si fraca em navegar che-
maior capacidade de carga. No entanto este gado ao vento, acrescendo o esforço suple-
aumento das respectivas dimensões trouxe mentar exigido aos marinheiros do leme.
3
consigo dificuldades acrescidas : diminui- De notar que antes do advento de uma ar-
ção drástica da manobrabilidade e da ve- tilharia mais eficaz, os inimigos procuravam
locidade, com consequências óbvias para acima de tudo colocar o respectivo navio
os aspectos de defesa quando em presença de feição, de forma a concretizar a aborda-
de navios menores e bem armados, mais gem. Nesta manobra de aproximação a nau
4
velozes e manobráveis . detinha uma importante vantagem. Num
De uma forma sucinta podemos caracteri- plano superior, do alto dos seus castelos, as
zar uma nau dos séculos XVI-XVII como um suas bombardas faziam chover metralha no
navio dispondo de velas redondas em dois convés do opositor, eliminando ou ferindo
mastros , castelos à proa e à popa , armado, com gravidade grande parte dos seus ma-
6
5
7
com capacidade de carga e peças de arti- rinheiros. Mas com o aumento do calibre
lharia em número e calibre crescentes. Imagem da nau S. Gabriel da primeira armada de Vasco das peças de artilharia, os danos passaram
É perfeitamente admissível que este incre- da Gama, navegando com o vento na popa. a ser infligidos a uma distância segura, de
mento das formas e capacidade de carga do colocar em risco a estabilidade do navio, era nada adiantando então o posicionamento
navio tenham levado à necessidade de au- carregada logo que o estado do mar assim o elevado das peças de artilharia.
mentar a área vélica, sob pena de pura e sim- justificava. Caso contrário a vaga, por acção Podemos dizer que o velame da caravela
15
plesmente o navio não andar. Tal exigência do caturrar do navio, poderia levar à perda redonda e da carraca eram grosso modo
20
obrigou ao aparecimento de velas distribuí- do gurupés, comprometendo em definitivo a do mesmo tipo. Pano redondo no primeiro
16
das um pouco por todo o navio, longitudinal segurança do navio . mastro a contar da proa (traquete), por ve-
e verticalmente, cujo objectivo zes também no segundo, e pano
seria também conferir equilíbrio latino em verga de pendão nos
vélico ao conjunto. De resto estas restantes mastros. Apesar desta
melhorias vão também ser incor- dupla designação, no essencial
poradas no galeão, que se desen- Arquivo CTEN António Gonçalves estes navios partilhavam de es-
volve pela mesma altura. pecificidades idênticas ao nível
À proa surge uma verga , sen- do aparelho e do casco. Pela
8
sivelmente a meio do gurupés, iconografia estudada afigura-se-
onde enverga a vela de cevadei- nos como provável que o ga-
9
ra . Pouco tempo depois passam leão possa ter evoluído a partir
a existir no mastro grande duas da carraca e caravela redonda,
vergas, sendo o mesmo processo constituindo-se estas como um
adoptado no mastro do traquete. estágio intermédio em termos da
As vergas superiores adquirem, evolução ao nível da construção
respectivamente, a designação naval. A simples observação de
gávea e velacho , mantendo as uma imagem do roteiro de D.
11
10
inferiores a denominação do pró- João de Castro parece conferir
prio mastro. No entanto, apesar alguma credibilidade a esta tese.
destas melhorias, com ventos fra- Aliás, chama desde logo a nossa
cos parecia não haver maneira de atenção o facto de ambos os na-
fazer o navio andar. Pelo que, nas Nau de Fernão de Sousa do Livro das Armadas. Atente-se nas monetas e nos vios, contrariamente ao que su-
braços dos papa-figos e da gávea.
circunstâncias referidas, passou a cede com a nau, contarem com
12
13
ser cosido, nas esteiras dos papa-figos , um Quanto a nós a imagem da nau de Vasco castelos de proa mais discretos e um cas-
acrescento de pano denominado moneta. da Gama existente no Livro das Armadas co mais afilado, devidamente comprova-
Em termos exclusivamente vélicos, introduzi- é, em termos de aparelho, perfeitamente do pela maior relação comprimento/boca.
dos estes melhoramentos a nau constituiu-se exemplar. Notam-se aí claramente a enxár- Ambas as características citadas, aliadas a
como um navio muito mais versátil e seguro. cia do mastro grande, a gávea e o respec- um armamento poderoso e a uma diferente
22 DEZEMBRO 2005 U REVISTA DA ARMADA