Page 102 - Revista da Armada
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SAIBAM TODOS



                                   A UNIÃO DE FACTO E OS SEUS EFEITOS

                     ¬ A proliferação crescente da união de facto em  mente um bem próprio, podendo dispor dele livremente (vender,
                     detrimento dos laços do matrimónio, levou o le-  doar, etc.) sem consentimento do outro.
                     gislador a reconhecer juridicamente os direitos   Os membros, querendo, podem adquirir bens em comum, fi-
                     que assistem às pessoas que optam por esta mo-  cando assim em compropriedade, que, para serem divididos,
                     dalidade de constituição de família.     em caso de falta de acordo, terá de ser por via acção judicial de
                       A legislação actual, Lei 7/2001 de 11 de Maio,  divisão de coisa comum. Podendo, haver recurso ao instituto do
                     estabelece a situação jurídica de duas pessoas  enriquecimento sem causa, quando o bem em comum foi adqui-
         independentemente do sexo, que vivam em união de facto há  rido exclusivamente com dinheiro de um dos membros, e vice-
         mais de dois anos. Entende-se por a união de facto a situação em  versa, quando o bem é próprio e foi adquirido com dinheiro de
         que os seus membros vivem em condições análogas ás dos côn-  ambos os membros.
         juges. O que consubstancia que os seus membros não só mante-  Relativamente às dívidas, estas não se transmitem ao outro
         nham relações de sexo, como também vivam em comunhão de  membro da união, com excepção das que, sejam contraídas nos
         mesa, leito e habitação como se casados fossem, sendo público  encargos normais da vida em comum (electrodomésticos, alimen-
         e conhecido.                                         tação, viagens, etc.). Assim, os bens próprios de um dos membros
           Relativamente à prova da sua existência, teremos de recorrer à  não respondem pelas dívidas do outro, a não ser que um deles
         lei geral sobre provas, dado que ainda não houve regulamenta-  tenha sido fiador do outro.
         ção da Lei 7/2001, recorrendo-se as declarações de testemunhas   Outro dos efeitos curiosos consiste no facto de que a união, in-
         para, por exemplo, passar os atestados da Junta de Freguesia  dependentemente da produção dos seus efeitos, não impeça que
         onde estão recenseados os membros da união.          um seu membro continue a receber pensão de sobrevivência por
           No entanto, como a união é dependente da existência de comu-  morte do cônjuge, paga pela CGA, ou pensão de alimentos do ex
         nhão, poderá apresentar-se como válida a certidão de domicilia-  cônjuge por divórcio. Se um titular de uma destas pensões casar,
         ção fiscal emitida pelo Serviço de Finanças do bairro fiscal ao qual  perde esse direito. Se optar por se manter em união de facto conti-
         pertencem os membros da união ou nota de liquidação do IRS  nua a mantê-lo. No mínimo…curioso, para já não dizer injusto.
         em conjunto. Poderá também recorrer-se a uma acção judicial em   A união de facto dissolve-se, com a morte ou casamento de um
         que o Tribunal declara a existência da união de facto, a chamada,  dos membros ou simplesmente pela vontade de um deles. Apa-
         acção declarativa ordinária de simples apreciação positiva.   rece assim, com relevância a questão, quanto ao destino da casa
           Os impedimentos para a produção de efeitos da união de facto  de morada comum. Se esta não tiver sido adquirida em compro-
         encontram alguma analogia com os impedimentos para contrair  priedade, o não proprietário pode recorrer ao tribunal para que
         casamento. Assim, não se considera como unido de facto as pes-  este lhe atribua a casa por arrendamento. No caso de a casa ser
         soas que se encontrem em alguma das seguintes condições:   já arrendada a um dos membros, o outro poderá igualmente so-
           Idade inferior a 16 anos, demência notória, interdição ou ina-  licitar a sua transmissão ao tribunal, ou fazê-lo por simples acor-
         bilitação por anomalia psíquica, casamento anterior não dissol-  do com o senhorio.
         vido, pais/filhos, tios/sobrinhos, afinidade em linha recta (so-  Em caso de dissolução por falecimento, o sobrevivo beneficia
         gros), ou condenação anterior por crime doloso conta o cônjuge  do direito de habitar a casa pelo período de 5 anos, a contar da
         do outro membro.                                     data da morte do membro, bem como preferência na sua com-
           Importa esmiuçar apenas o impedimento relativo ao casamen-  pra. Porém, este direito não existirá, caso existam descendentes
         to não dissolvido. A lei não atribui efeitos jurídicos a uma união  com menos de 1 ano de idade ou que, com o membro falecido
         de facto, em que um dos membros seja ainda casado. Não para  vivessem há mais de 4 anos e pretendam habitar a casa. Poderá
         evitar a bigamia, mas tão só por razões de moralidade. Para que  ainda, o falecido, dispor da casa por testamento, afastando as-
         o cônjuge separado de facto e unido de facto com outra pessoa  sim este direito, ou atribuí-lo a quem bem entender por suces-
         regularize a sua situação. Evitando assim conflitos de interesses  são testamentária.
         entre o cônjuge e o unido de facto. Como por exemplo o direito   A morte de um dos membros confere também o direito a ali-
         a usufruir de pensão de preço de sangue, ou por morte, ou ainda  mentos pagos pela herança, que deverá ser requerido no prazo de
         assistência na doença – ADM.                         2 anos a contar da data da morte, sob pena prescrição do direito.
           Os membros da união de facto, não usufruem do direito de  Estes “alimentos” destinam-se a prover ao sustento, habitação e
         adoptar os apelidos do outro membro e não permite a obten-  vestuário do sobrevivo, caso este não tenha forma de prover à
         ção de nacionalidade portuguesa como o casamento. Gozam no  sua subsistência. Sendo o seu valor proporcional à herança do
         entanto do direito de recusar-se a depor como testemunha em  falecido e à necessidade do sobrevivo.
         processos em que o unido seja parte, gozar férias no mesmo pe-  Confere igualmente direito às prestações por morte e pen-
         ríodo, no caso de trabalharem para a mesma entidade ou para  são de sobrevivência (CGA). Em qualquer dos casos o membro
         a Administração Pública, bem como concorrer à adopção, caso  sobrevivo, deverá intentar acção judicial contra os herdeiros e
         os membros tenham idade superior a 25 anos e a união durar há  contra a CGA, sempre dentro do prazo de 2 anos. Fazendo pro-
         mais de 4 anos sem interrupções.                     va da pendência dessa acção junto da Direcção de Apoio Social
           Na união de facto não se estabelece um regime de bens como  que elaborará o respectivo processo de falecimento fazendo a
         no casamento. Pelo que, o património de cada um dos membros  ponte para o pagamento do subsídio por morte, na proporção
         constitui sempre um bem próprio. E, o património eventualmen-  a que tiver direito.
         te comum, que tende sempre a existir, regular-se-á por aplicação
         da lei geral. Em tudo os membros agem como solteiros. Assim, o                              F. Batista Reis
         objecto do contrato celebrado por algum dos membros é obvia-                                    STEN TSN

         28  MARÇO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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