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REFLECTINDO… XII
INTEGRAÇÃO E ENSINO NAS FORÇAS ARMADAS
s conceitos “conjunto” e “combinado” aplicados às estruturas Logo no início, a “formação” e o “treino de mar” acompanha um pro-
da organização militar ou à actividade operacional das Forças grama diversificado científico básico e de “instrução” técnica. Segue-se
OArmadas, são muito antigos. um período exclusivamente de “treino operacional” e de “instrução”,
O termo “conjunto” significa o envolvimento numa mesma finali- técnica e táctica, de âmbito mais limitado mas de estudo mais aprofun-
dade de mais do que um Ramo das Forças Armadas de um só país, dado, visando a especialização e dando continuidade à adaptação ao
enquanto que o conceito “combinado” tem um carácter internacional, meio. No fim do primeiro terço da carreira, a “instrução” com vista à
referindo-se à participação do mesmo Ramo das Forças Armadas de preparação para o comando de maiores unidades ou para as funções
vários países. A associação dos dois conceitos, “combinado e conjun- de apoio à decisão em Estados-Maiores, já é acompanhada de uma li-
to”, com maior aplicação hoje, engloba elementos de diferentes Ramos mitada componente de “informação”, nomeadamente de carácter in-
numa mesma estrutura ou actividade multinacional. ternacional, quer de natureza operacional, quer da área da Estratégia
A maior acção militar combinada e conjunta da história foi o desem- e das Relações Internacionais. Por último, nos cursos superiores os
barque da Normandia, em 6 de Junho de 1944. Com ele se iniciou a úl- programas visam quase totalmente a “informação” e o conhecimento
tima fase da Segunda Guerra Mundial no Teatro Europeu. de âmbito tão vasto quanto o aconselham os interesses nacionais e o
Os conceitos “combinado” e “conjunto” podem aplicar-se tanto ao permite a duração do curso.
nível do comando, como ao nível do Estado-Maior que apoia um de- Um outro aspecto a considerar no processo de integração relaciona-
terminado comando, como ainda ao nível das forças operacionais. -se com o conceito de “missão”.
Tem sido muito frequente ver um determinado Ramo em acção A preparação das Forças Armadas visa, muito directamente, a ob-
“combinada” com elementos do Ramo congénere de países amigos tenção da capacidade necessária à realização das missões que lhes são
ou aliados; já não é assim tão frequente ver desenvolver acções “con- atribuídas.
juntas”, para além de alguns exercícios ou manobras. A definição de uma missão militar tem duas componentes: a “tare-
Por exemplo, a Marinha portuguesa vem participando quase ininter- fa” e o “propósito”. Os elementos do escalão mais baixo da estrutura
ruptamente na mais importante força naval combinada do mundo, origi- operacional só se devem preocupar com a execução da tarefa, podendo
nariamente o Esquadrão “Matchmaker” que esteve em Lisboa durante a nem conhecer completamente o propósito da missão; o comandante
cerimónia de inauguração do COMIBERLANT, no longínquo 22 de Feve- tem, principalmente que se preocupar com a consecução do propósito
reiro de 1967 e que deu depois origem à STANAVFORLANT, hoje Stand- e precisa de ter uma visão global correcta de tudo quanto possa con-
ing NATO Maritime Group 1 (SNMG1). Nas últimas décadas da Guerra tribuir para o sucesso da missão – capacidades próprias e circunstân-
Fria, o exército também se preparou para actuar no âmbito da NATO e no cias externas.
teatro de operações europeu, num sistema de forças combinadas. Recordando novamente o desembarque da Normandia, ao General
Mais recentemente, tanto o Exército como a Marinha e a Força Aé- Eisenhower, Comandante Supremo, foi dado como missão: Desembarcar
rea, vêm actuando nos conflitos do Adriático, dos Balcãs, de Timor, do na Normandia (tarefa) a fim de obter a rendição incondicional da Alemanha
Médio Oriente e de África, através da participação em acções combi- e a completa destruição do seu aparelho militar (propósito).
nadas mas, normalmente, não conjuntas, pelo menos, no que se refere Também por esta razão, o conhecimento da doutrina sobre comandos
às forças portuguesas. e operações combinadas e conjuntas interessa, fundamentalmente, aos
Já ao nível de comandos a situação tem sido diferente. Desde a sua comandantes das unidades que poderão vir a participar em operações
fundação, a NATO concebeu uma estrutura baseada em comandos que deste tipo e não tanto aos executantes das tarefas.
frequentemente poderiam ter uma capacidade combinada e conjunta, O que foi dito sobre os conceitos estruturantes “combinado” e “con-
embora nunca tivesse tido necessidade de desenvolver operações mi- junto”, sobre o ESM e sobre a natureza das missões das Forças Arma-
litares reais durante todo o período da Guerra Fria. das, recorda uma ideia que não deve ser esquecida em qualquer refor-
Contudo, as principais potências que entraram em conflitos no perío- ma daquele ESM:
do da Guerra Fria, por exemplo os Estados Unidos (Coreia e Vietname) O ensino na Escola Naval e menos ainda os cursos de especializa-
e a Inglaterra (Falkland), sempre criaram um comando combinado e ção não deverão preocupar-se com a doutrina conjunta e combinada,
conjunto (EUA), ou um comando conjunto (RU), sem que tal tivesse embora se saiba que muitos manuais técnicos da NATO foram, há
implicado a reestruturação do sistema de defesa militar nacional. mais de meio século, adoptados pela Marinha portuguesa. Isto ape-
Hoje, por muitas razões tais como o desenvolvimento tecnológico dos nas significa que muitos princípios, regras, técnicas e procedimentos
sistemas de armas, a sofisticação das estruturas de informações, comu- constituem uma linguagem comum entre os aliados, tal como aconte-
nicações e comando, as diferentes capacidades necessárias para enfren- ce em inúmeras outras áreas do relacionamento humano neste novo
tar ameaças de muito diversas naturezas, a intervenção constante do mundo globalizado.
poder político sobre o desenvolvimento das operações militares e o peso Ao nível do Curso Geral, já deve haver uma parte conjunta, embora
crescente das influências externas (Estados não beligerantes, organiza- não pareça que deva ser muito extensa. O aprofundamento de matérias
ções internacionais, ONG e opinião pública), é grande a complexidade doutrinárias necessárias ao serviço em Estados-Maiores Combinados e
do ambiente dos teatros de operações ou das áreas de intervenção mili- Conjuntos deverá ter lugar em curso complementar ou de Estado-Maior,
tar, mesmo em situações aquém da guerra. A necessidade de comandos que não será necessariamente frequentado por todos os oficiais.
e de forças combinadas e conjuntas torna-se mais evidente. Os Cursos Superiores já deverão ser totalmente integrados.
Relacionada com este conceito estruturante da organização das For- Conceber ou fazer depender a transformação e integração nas Forças
ças Armadas, mesmo em tempo de paz, está a reorganização do Ensino Armadas de outros objectivos, nomeadamente dos financeiros ou de
Superior Militar (ESM). simples redução de estruturas e eliminação de infra-estruturas, apenas
O ensino militar sempre se preocupou com a valorização do profis- poderá contribuir para prejudicar a preparação do militar profissional,
sional das Forças Armadas, ao longo de toda a carreira. E sempre o fez sem a desejada economia, e com graves consequências para a eficiência
com uma intensidade e uma exigência, quer no que se refere à objecti- e eficácia da capacidade operacional das Forças Armadas, que ultima-
vidade dos programas, quer no que respeita à frequência dos cursos, que mente nos tem prestigiado.
não será fácil encontrar paralelo em qualquer outra carreira profissional. Z
A ênfase vai caindo, sucessivamente, sobre a “formação”, “instrução”, António Emílio Sacchetti
“treino” e “informação” do militar. VALM
REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2007 5