Page 43 - Revista da Armada
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REFLECTINDO…                                                                               XII


          INTEGRAÇÃO E ENSINO NAS FORÇAS ARMADAS


               s conceitos “conjunto” e “combinado” aplicados às estruturas   Logo no início, a “formação” e o “treino de mar” acompanha um pro-
               da organização militar ou à actividade operacional das Forças  grama diversificado científico básico e de “instrução” técnica. Segue-se
         OArmadas, são muito antigos.                         um período exclusivamente de “treino operacional” e de “instrução”,
           O termo “conjunto” significa o envolvimento numa mesma finali-  técnica e táctica, de âmbito mais limitado mas de estudo mais aprofun-
         dade de mais do que um Ramo das Forças Armadas de um só país,  dado, visando a especialização e dando continuidade à adaptação ao
         enquanto que o conceito “combinado” tem um carácter internacional,  meio. No fim do primeiro terço da carreira, a “instrução” com vista à
         referindo-se à participação do mesmo Ramo das Forças Armadas de  preparação para o comando de maiores unidades ou para as funções
         vários países. A associação dos dois conceitos, “combinado e conjun-  de apoio à decisão em Estados-Maiores, já é acompanhada de uma li-
         to”, com maior aplicação hoje, engloba elementos de diferentes Ramos  mitada componente de “informação”, nomeadamente de carácter in-
         numa mesma estrutura ou actividade multinacional.    ternacional, quer de natureza operacional, quer da área da Estratégia
           A maior acção militar combinada e conjunta da história foi o desem-  e das Relações Internacionais. Por último, nos cursos superiores os
         barque da Normandia, em 6 de Junho de 1944. Com ele se iniciou a úl-  programas visam quase totalmente a “informação” e o conhecimento
         tima fase da Segunda Guerra Mundial no Teatro Europeu.  de âmbito tão vasto quanto o aconselham os interesses nacionais e o
           Os conceitos “combinado” e “conjunto” podem aplicar-se tanto ao  permite a duração do curso.
         nível do comando, como ao nível do Estado-Maior que apoia um de-  Um outro aspecto a considerar no processo de integração relaciona-
         terminado comando, como ainda ao nível das forças operacionais.  -se com o conceito de “missão”.
           Tem sido muito frequente ver um determinado Ramo em acção   A preparação das Forças Armadas visa, muito directamente, a ob-
         “combinada” com elementos do Ramo congénere de países amigos  tenção da capacidade necessária à realização das missões que lhes são
         ou aliados; já não é assim tão frequente ver desenvolver acções “con-  atribuídas.
         juntas”, para além de alguns exercícios ou manobras.   A definição de uma missão militar tem duas componentes: a “tare-
           Por exemplo, a Marinha portuguesa vem participando quase ininter-  fa” e o “propósito”. Os elementos do escalão mais baixo da estrutura
         ruptamente na mais importante força naval combinada do mundo, origi-  operacional só se devem preocupar com a execução da tarefa, podendo
         nariamente o Esquadrão “Matchmaker” que esteve em Lisboa durante a  nem conhecer completamente o propósito da missão; o comandante
         cerimónia de inauguração do COMIBERLANT, no longínquo 22 de Feve-  tem, principalmente que se preocupar com a consecução do propósito
         reiro de 1967 e que deu depois origem à STANAVFORLANT, hoje Stand-  e precisa de ter uma visão global correcta de tudo quanto possa con-
         ing NATO Maritime Group 1 (SNMG1). Nas últimas décadas da Guerra  tribuir para o sucesso da missão – capacidades próprias e circunstân-
         Fria, o exército também se preparou para actuar no âmbito da NATO e no  cias externas.
         teatro de operações europeu, num sistema de forças combinadas.  Recordando novamente o desembarque da Normandia, ao General
           Mais recentemente, tanto o Exército como a Marinha e a Força Aé-  Eisenhower, Comandante Supremo, foi dado como missão: Desembarcar
         rea, vêm actuando nos conflitos do Adriático, dos Balcãs, de Timor, do  na Normandia (tarefa) a fim de obter a rendição incondicional da Alemanha
         Médio Oriente e de África, através da participação em acções combi-  e a completa destruição do seu aparelho militar (propósito).
         nadas mas, normalmente, não conjuntas, pelo menos, no que se refere   Também por esta razão, o conhecimento da doutrina sobre comandos
         às forças portuguesas.                               e operações combinadas e conjuntas interessa, fundamentalmente, aos
           Já ao nível de comandos a situação tem sido diferente. Desde a sua  comandantes das unidades que poderão vir a participar em operações
         fundação, a NATO concebeu uma estrutura baseada em comandos que  deste tipo e não tanto aos executantes das tarefas.
         frequentemente poderiam ter uma capacidade combinada e conjunta,   O que foi dito sobre os conceitos estruturantes “combinado” e “con-
         embora nunca tivesse tido necessidade de desenvolver operações mi-  junto”, sobre o ESM e sobre a natureza das missões das Forças Arma-
         litares reais durante todo o período da Guerra Fria.   das, recorda uma ideia que não deve ser esquecida em qualquer refor-
           Contudo, as principais potências que entraram em conflitos no perío-  ma daquele ESM:
         do da Guerra Fria, por exemplo os Estados Unidos (Coreia e Vietname)   O ensino na Escola Naval e menos ainda os cursos de especializa-
         e a Inglaterra (Falkland), sempre criaram um comando combinado e  ção não deverão preocupar-se com a doutrina conjunta e combinada,
         conjunto (EUA), ou um comando conjunto (RU), sem que tal tivesse  embora se saiba que muitos manuais técnicos da NATO foram, há
         implicado a reestruturação do sistema de defesa militar nacional.  mais de meio século, adoptados pela Marinha portuguesa. Isto ape-
           Hoje, por muitas razões tais como o desenvolvimento tecnológico dos  nas significa que muitos princípios, regras, técnicas e procedimentos
         sistemas de armas, a sofisticação das estruturas de informações, comu-  constituem uma linguagem comum entre os aliados, tal como aconte-
         nicações e comando, as diferentes capacidades necessárias para enfren-  ce em inúmeras outras áreas do relacionamento humano neste novo
         tar ameaças de muito diversas naturezas, a intervenção constante do  mundo globalizado.
         poder político sobre o desenvolvimento das operações militares e o peso   Ao nível do Curso Geral, já deve haver uma parte conjunta, embora
         crescente das influências externas (Estados não beligerantes, organiza-  não pareça que deva ser muito extensa. O aprofundamento de matérias
         ções internacionais, ONG e opinião pública), é grande a complexidade  doutrinárias necessárias ao serviço em Estados-Maiores Combinados e
         do ambiente dos teatros de operações ou das áreas de intervenção mili-  Conjuntos deverá ter lugar em curso complementar ou de Estado-Maior,
         tar, mesmo em situações aquém da guerra. A necessidade de comandos  que não será necessariamente frequentado por todos os oficiais.
         e de forças combinadas e conjuntas torna-se mais evidente.  Os Cursos Superiores já deverão ser totalmente integrados.
           Relacionada com este conceito estruturante da organização das For-  Conceber ou fazer depender a transformação e integração nas Forças
         ças Armadas, mesmo em tempo de paz, está a reorganização do Ensino  Armadas de outros objectivos, nomeadamente dos financeiros ou de
         Superior Militar (ESM).                              simples redução de estruturas e eliminação de infra-estruturas, apenas
           O ensino militar sempre se preocupou com a valorização do profis-  poderá contribuir para prejudicar a preparação do militar profissional,
         sional das Forças Armadas, ao longo de toda a carreira. E sempre o fez  sem a desejada economia, e com graves consequências para a eficiência
         com uma intensidade e uma exigência, quer no que se refere à objecti-  e eficácia da capacidade operacional das Forças Armadas, que ultima-
         vidade dos programas, quer no que respeita à frequência dos cursos, que  mente nos tem prestigiado.
         não será fácil encontrar paralelo em qualquer outra carreira profissional.                             Z
         A ênfase vai caindo, sucessivamente, sobre a “formação”, “instrução”,                António Emílio Sacchetti
         “treino” e “informação” do militar.                                                                VALM
                                                                                      REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2007  5
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