Page 328 - Revista da Armada
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Fotografias Antigas, Inéditas ou Curiosas









































                Esta imagem é a reprodução de uma aguarela da autoria do 2TEN Raúl de Sousa Machado (1921-2005), saudoso membro fundador da
              Revista da Armada e seu notável colaborador, quando em 1945 era oficial da guarnição do aviso “Gonçalves Zarco”.
                Situando-nos na época, importa referir que tudo começou em 7 de Dezembro de 1941, data em que a base naval americana de Pearl
              Harbour, no Havai, foi atacada pelo Japão. O avanço japonês no Extremo-Oriente em finais de 1941 foi fulminante. Num curto espaço
              de tempo caíram sobre seu domínio a Indochina Francesa, Hong-Kong, a Malásia, Singapura e as Filipinas.
                Entretanto Portugal, que se declarara formalmente neutro, não possuia no seu território de Timor uma defesa militar de valor minima-
              mente relevante. Cite-se que a Marinha desde 1939 apenas tinha estado presente em águas timorenses quando da visita do aviso “Gonçalo
              Velho” de fins de Março a princípios de Maio de 1941.
                Timor era na realidade um vazio estratégico. Esta conjuntura motivou que logo a 17 de Dezembro, sob forte protesto do Governo Portu-
              guês, desembarcassem em Díli tropas de infantaria holandesa e australiana. Em resposta, o Japão invade o território a 19 de Fevereiro do
              ano seguinte, quando o “Gonçalo Velho” acompanhando o paquete “João Belo” com tropas embarcadas, a fim de render as aliadas, estava
              prestes a chegar a Díli.
                A invasão japonesa foi brutal. A cidade de Díli praticamente destruída e em 31 de Maio de 1942 cessaram as comunicações com Lisboa.
              As atrocidades contra os europeus, a instigação à revolta dos timorenses e a neutralização do Governo local por parte dos japoneses foram
              extremamente violentas. Avultado número de europeus e de nativos, dominados pela fome, doenças e maus tratos, morreram e apenas cerca
              de 300 portugueses, no meio de grandes limitações de toda a ordem, conseguiram manter-se vivos em zonas de protecção que não eram mais
              que verdadeiros campos de concentração.
                A Guerra no Oriente terminou oficialmente em 15 de Agosto de 1945 mas só em 1 de Setembro, após quase três anos e meio de completo
              isolamento, o Governador de Timor tomava conhecimento da rendição japonesa.
                Entretanto, após aturadas negociações diplomáticas entre Portugal e os Aliados, que envolveram para além de Timor os Açores, foi dada
              ordem aos navios de guerra portugueses, que se encontravam em prontidão no porto de Lourenço Marques, para rapidamente rumarem a
              Macau e a Timor. Assim, às 0800 horas do dia 27 de Setembro davam entrada no porto de Díli os avisos “Bartolomeu Dias” (CMG Manuel
              Armando Ferraz) e “Gonçalves Zarco” (CFR Zola da Silva) escoltando o transporte de tropas “Angola”. Foi perante uma cidade arrasada
              e com os seus habitantes nos limites da sobrevivência que chegava uma força naval portuguesa e se reassumia a soberania nacional. A 3 de
              Outubro o aviso “Afonso de Albuquerque” (CFR Samuel da Conceição Vieira) aportava a Díli e na véspera o “Gonçalo Velho” (CFR Horá-
              cio Faria Pereira) tinha fundeado em Macau.
                Na imagem acima apresentada destaca-se, em primeiro plano, um frondoso gondão, árvore ainda hoje existente no local e ao qual ha-
              bitualmente amarravam de popa os navios que praticavam o porto de Díli. Notam-se os cabos passados ao tronco de grandes dimensões,
              como se constata comparando-o com a figura humana que junto se encontra. Ao fundo, sobressaindo frente às montanhas, do lado direito,
              situa-se a residência do CTEN César Gomes Barbosa (1897-1951), capitão dos portos desde 1940, o único oficial de Marinha presente no ter-
              ritório durante a Guerra. A balaustrada da varanda do edifício está destruída devido aos bombardeamentos sofridos não só quando da in-
              vasão japonesa como também com os ataques posteriores da aviação aliada. Os efeitos dessas acções estão igualmente patentes no monte
              de ruínas das casas situadas à esquerda, junto das quais estaciona uma viatura e um grupo de pessoas. No canto inferior direito, por cima
              da assinatura do autor, pode ler-se o título da obra – “Timor -  depois da guerra”.
                Fui o último capitão dos portos do Timor Português (Setembro de 1973 a Outubro de 75) e sempre fiquei muito ligado afectivamente àquele
              martirizado e abandonado território. Atendendo a esse facto o Comandante Sousa Machado prometeu que me ofereceria a aguarela, o que
              não se concretizou devido ao seu súbito falecimento. Mais tarde, a família do Comandante cumpriu a promessa, tendo eu, na ocasião, doa-
              do a obra ao Museu de Marinha, digno local onde pode ser devidamente apreciada uma peça de tão significativo valor histórico.
                                                                                           José Luís Leiria Pinto
                                                                                                       CALM
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