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A ACÇÃO DO ESTADO A BORDO DE NAVIOS ESTRANGEIROS
A ACÇÃO DO ESTADO A BORDO DE NAVIOS ESTRANGEIROS
A cooperação no combate aos tráficos Parte I
tráfico ilícito de estupefacientes, de informação respeitantes a um navio AM, e desde que sobre esse navio recaiam
com especial enfânse nos circui- que transporte, ilicitamente em direcção (razoáveis) suspeitas de se dedicar a uma
O tos ilegais da cocaína, é um fe- à Europa, substâncias estupefacientes e/ actividade ilícita. Resulta óbvia a impor-
nómeno irracional e criminoso que, em ou psicotrópicas, e promove diligências tância do consentimento dado pelo Flag
curto espaço do tempo histórico, rapida- de averiguação junto dos Estados-Mem- State (Estado de bandeira) num destes
mente se tornou multilucrativo, e se uni- bros aferindo qual deles tem, no espaço cenários. Contudo, novas preocupações
versalizou, destituidor de organizações, da ocorrência, uma unidade naval capaz emergem, de forma constante, para se
tipos sociais e formas de vida. Em ter- de abordar e adoptar as medidas judiciais obterem resultados profícuos e eficazes,
mos de circuitos marítimos, e no concei- relativamente ao navio, pessoas e carga. existindo mesmo quadros cooperantes
to estatuído no artigo 108.º da Convenção Se um dos Estados-membros (EM) res- (regionais) entre Estados.
das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar ponder ao pedido do MAOC-N, a respon-
(CNUDM), e bem assim das disposições sabilidade pelos acontecimentos que daí OS NOVOS QUADROS DAS
preambulares da Convenção de Viena de advierem são, em respeito às regras de INTERVENÇÕES. PROCEDIMENTOS
1988, vulgo Convenção das Nações Unidas direito internacional que regula inter-
para a Repressão do Tráfico Ilícito de Estupe- venções fora de espaços territoriais, da No âmbito das intervenções actual-
facientes, cabe aos Estados combater aque- exclusiva responsabilidade da unidade mente permitidas, e realizadas, pode-
le tráfico e promover a cooperação inter- naval que dirige a operação. Ou seja, após rão existir obstáculos não apenas quan-
estadual com o intuito de o reprimir e de o contacto entre o MAOC-N e o EM que to à abordagem ao navio em si, como,
eliminar os seus circuitos, não obstante responder afirmativamente ao MAOC, também, relativamente à subsequente
as dificuldades crescentes criadas pelos todas as situações que daí advierem tran- tramitação. Quando um navio é abor-
novos modelos de tráfico e equipamen- sitam do MAOC para as autoridades in- dado por outro, arvorando outro pavi-
tos utilizados. terventoras. lhão, impõem-se, nos termos do artigo
Os números, inacreditáveis, acoplados Em complemento ao regime internacio- 17.º da Convenção de Viena, já por nós
a este negócio torpe, potenciam novas nal estatuído pela Convenção de Viena, supramencionada, as seguintes diligên-
vias empresariais, estimulando mais re- que veio instituir novos formatos jurídi- cias: confirmar a nacionalidade do na-
cursos e motivando perícias criminosas. cos internacionais quanto ao que a CNU- vio abordado, e pedir autorização para
Sempre que os esforços das autoridades DM, em quadro, estatuía, e ao Acordo a adopção das medidas cautelares e de
de law enforcement parecem encontrar entre Portugal e Espanha no âmbito do polícia. É, contudo, precisamente no âm-
melhores resultados, as redes criminosas tráfico de estupefacientes, o MAOC-N bito do processo de confirmação da na-
descobrem novas rotas e métodos aper- assume -se, assim, como mais um instru- cionalidade do navio/embarcação que
feiçoados, como o prova, na costa leste mento de colaboração internacional no surgem os primeiros obstáculos. Desde
do continente americano e nas Caraíbas, combate ao tráfico ilícito de estupefacien- logo porque as abordagens a navios es-
a utilização de um meio submersível, com tes e outras substâncias psicotrópicas, trangeiros não ocorrem dentro do perío-
autonomia até às 5.000 milhas, sem neces- com óbvias valências no patamar prático do normal de laboração de alguns dos
sidade de reabastecimento, o que torna das operações, tendo os Estados-Parte a serviços interventores, havendo, ainda,
qualquer tentativa de abordagem a um prerrogativa de, expressamente, autori- que atentar nos diferenciais dos fusos
tal meio extremamente difícil, inclusive zarem o boarding a um navio que arvore horários. As abordagens a navios estran-
pelas condições de segurança para as pró- o seu pavilhão em caso de suspeita de geiros ocorrem, obviamente, a qualquer
prias equipas de boarding. tráfico ilícito daqueles produtos. hora, sempre que essa intervenção se
É no Alto Mar (AM), em concreto no justifique. Para evitar que a abordagem
O MARITIME ANALYSIS Oceano Atlântico, que se poderão efec- a um navio estrangeiro seja considerada
OPERATIONS CENTRE-NARCOTICS tuar acções e operações de detecção de ilegítima e, por conseguinte, infundada,
tráfico ilícito em navios, atenta a origem dando origem a um conflito - que no pior
Face à absoluta necessidade de se pro- dos grandes produtores (potencialmente cenário poderá ser de cariz diplomático
curarem vias de repressão e de combate os circuitos com origens na América do -, é necessário que o Estado ad hoc, onde
aos tráficos, e, portanto, na perspectiva Sul, com eventual apoio de postos-pilar o navio se encontra registado, confirme
de cooperação interestadual, foi criado o de reabastecimento, e acções de trasfega aquele registo em tempo útil.
Maritime Analysis Operations Centre-Nar- em países africanos). Ora, considerando De modo a permitir a prontidão de
cotics (MAOC-N), nos termos do acordo que existem grandes mercados de con- resposta, o directório das Nações Uni-
assinado, em Lisboa, a 30SET2007, entre sumo na Europa, é precisamente tendo das que se ocupa desta matéria sugeriu
a República da Irlanda, o Reino dos Paí- como referência um modelo totalmente a criação de um Blue Book (BB), do qual
ses Baixos, o Reino de Espanha, a Repú- cooperativo que os Estados que fazem devem constar os pontos de contacto de
blica Italiana, a República Portuguesa, a parte do MAOC-N têm desenvolvido a cada País sempre que seja necessário ini-
República Francesa e o Reino Unido da sua luta contra o tráfico ilícito de estu- ciar um procedimento de confirmação
Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. O pefacientes e outras substâncias psico- do pavilhão (24h/7 dias). Daqui se de-
MAOC-N visa a cooperação das Partes trópicas. De facto, praticamente todos preende que este processo não se afigura
com o Centro para a supressão do tráfico aqueles países autorizam a abordagem simples. Por um lado, porque as nomi-
ilícito de estupefacientes por mar e por ar (boarding), e consequente adopção de nações constantes do BB não conhecem
através do Atlântico com destino à Euro- medidas cautelares, averiguatórias, e de actualização sempre que a pessoa que
pa e costa marítima de África Ocidental. polícia relativamente ao navio em si, à figura no BB como ponto de contacto é
O MAOC-N recebe, e trata, informação carga e pessoas e tripulantes a bordo, de substituída por outra. Mas também por-
obtida das diversas agências e serviços um navio que arvore o seu pavilhão, no que, como se percebe num estádio inicial
4 NOVEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA