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A MARINHA DE D. JOÃO III (44)



             O Infante D. Luís na conquista de Tunes
              O Infante D. Luís na conquista de Tunes

         À                                  sempre negada a autorização régia neces-  litar de S. João de Jerusalém (hospitalários)
               parte de todas as operações navais de  defrontar os turcos na Hungria, mas vira  Itália sob domínio espanhol e da ordem mi-
               que tenho vindo a falar, e que decor-
               reram nos mares do Oriente ou nas  sária. Agora optara pelo silêncio discreto,  recém-expulsa de Rodes pelos turcos. Aliás,
         proximidades do Norte de África junto das  partilhando as suas intenções apenas com  o almirante italiano tinha ouvido falar no ga-
         praças que então estavam sob domínio por-  uns quantos fidalgos mais íntimos, sem que  leão português, e fez questão em observá-lo
         tuguês, devo salientar uma singular expedi-  D. João suspeitasse das suas reais intenções.  com atenção no porto catalão, opinando que
         ção realizada contra a cidade de Tunes, no  Quando a esquadra zarpou do Tejo no dia  em Génova fizera um outro, tão grande ou
         ano de 1535, realizada sob o alto patrocínio  1 de Abril de 1535, ao cair da noite, estando  maior que aquele, mas com menos capaci-
         do imperador Carlos V, contando com a pre-  toda a corte em Évora longe destes prepara-  dade de fogo.
         sença de uma esquadra portuguesa e onde  tivos e acontecimentos, o infante reuniu os   Em Cagliari se juntaram todas as forças,
         esteve presente o infante D. Luís, irmão do  tais amigos íntimos e pôs-se a caminho de  num total de cerca de 100 navios de guerra
         rei de Portugal.                   Barcelona, onde contava encontrar os exér-  e 300 de transporte (as fontes não são unâni-
           São complexas as circunstâncias que le-  citos do seu cunhado. D. João só teve conhe-  mes, mas estes números parecem-me razoá-
         varam o Imperador até ao Norte de África,  cimento do atrevimento quando o irmão já  veis), com cerca de 40000 soldados. A maioria
         e especialmente até à cidade                                                      das versões portuguesas que
         de Tunes, entendendo que                                                          têm origem na primeira me-
         a ocupação da praça por                                                           tade do século XVIII – quan-
         Khaïr-ed-Dine (ou Hayeret-                                                        do o embate com os turcos
         tin), o conhecido Barbarroxa,                                                     voltava a ser uma imagem
         merecia um esforço militar e                                                      presente e intensa para os
         naval, como não ousara de-                                                        portugueses (a batalha do
         senvolver quando viu cres-                                                        Cabo Matapan ocorrera em
         cer o seu poder em Argel,                                                         1717) –  dizem-nos que os na-
         muito mais perto dos por-                                                         vios portugueses seguiram à
         tos de Espanha. É assunto                                                         frente de toda a Armada, e
         que importa estudar com                                                           o “S. João” – agora rebapti-
         mais pormenor, porque aju-                                                        zado como “Botafogo” – en-
         da a perceber as decisões de                                                      trou na barra de Goleta que-
         D. João III, mas deixá-lo-ei                                                      brando uma corrente de ferro
         para mais tarde, procurando                                                       que protegia o porto. É uma
         explicar antes os factos que                                                      versão que não tem corres-
         envolveram a participação                                                         pondência em nenhuma das
         portuguesa nesta operação.                                                        abundantes (e esquecidas)
         E o primeiro desses factos é,                                                     fontes da época, onde o com-
         sem dúvida a ocupação da   Pormenor de uma das Tapeçarias de Tunes representando o galeão português “São João”.  portamento dos portugue-
         praça norte-africana por Bar-   Jan Cornelisz Vermeyen – Kunsthistorische Museum, Vienna.  ses merece o realce suficiente
         barroxa, em 1534, expulsando Muley Hassan,  estava em Espanha, e não ousou mandá-lo  para tornar desnecessário o exagero dos mitos
         soberano aliado da Espanha.        regressar, compreendendo o seu sentimen-  próprios de uma conturbada época.
           Apesar de saber que estas acções turcas  to e as suas intenções. Foi-lhe ao caminho o   As tropas desembarcaram na Goleta, for-
         se desenvolviam a par da política francesa  Conde da Castanheira, mas para lhe dar a  mando sucessivas linhas de artilharia que
         contra o Império, Carlos V não deixou de  devida autorização régia, e conceder-lhe o  avançaram de forma apoiada até às mura-
         apelar à união de toda a cristandade contra  crédito da verba necessária para as despe-  lhas, bombardeadas na fase final pelos na-
         o inimigo islâmico, e pediu ajuda directa ao  sas da jornada.         vios, e atacadas pelos veteranos das Com-
         rei português, a quem o ligavam os laços dos   António Saldanha foi avisado de que D. Luís  panhias Velhas do Terço de Nápoles. A 25 de
         casamentos de ambos. A imperatriz Isabel  estaria presente e que deveria obedecer-lhe em  Julho – dia de Santiago – deu-se o assalto
         era irmã de D. João III e a rainha Dª Cata-  todas as circunstâncias, ao mesmo tempo que  final às fortificações de Goleta e quatro dias
         rina era irmã do imperador. Portugal deci-  Álvaro Mendes de Vasconcelos, embaixador  depois o exército marchava para Tunes que
         diu imediatamente o envio de uma armada,  português na corte de Carlos V, recebeu ins-  se rendeu sem grande resistência. Barbarroxa
         cujo comando seria entregue ao veterano do  truções para integrar o infante na expedição,  perdeu cerca de 80 galés e muitos milhares
         Oriente António Saldanha, inicialmente pre-  da forma que fosse apropriada à sua condi-  de soldados, mas conseguiu fugir e salvar
         vista para englobar 22 navios e depois acres-  ção. Como era normal naqueles longínquos  uma parte da sua força naval. Carlos V não
         centada até 26, integrando o que os textos  tempos, os navios chegaram ao seu destino  conseguiu (ou não quis) explorar o suces-
         da época referem ser um grande galeão ou  quase um mês antes dos caminhantes, mas o  so de Tunes, e D. Luís regressou a Portugal
         o galeão “S. João Baptista”.       Imperador aguardou a chegada do seu cunha-  embarcando no galeão “S. João”. Recomen-
           Durante os preparativos, o infante D. Luís  do antes de mandar largar a esquadra que iria  davam os interesses espanhóis no Mediter-
         não expressou publicamente qualquer von-  reconquistar o porto e a cidade de Tunes.  râneo que se avançasse sobre Argel, aniqui-
         tade de integrar a expedição. Sabia por ex-  Estava planeado que em Barcelona se reu-  lando um inimigo enfraquecido, mas tal não
         periência que o irmão não lho permitiria, e a  niriam os navios portugueses com uma par-  foi a escolha do Imperador, cujas opções ten-
         desobediência ao rei estava completamente  te dos espanhóis e com as galés de Andrea  tarei analisar na próxima revista.
         fora de causa. Já antes manifestara vontade  Dória, o genovês que se furtara à obediência             Z
         de passar ao Norte de África para combater  de Francisco I de França para servir a aliança   J. Semedo de Matos
         os mouros, e de atravessar a Europa para  católica, que englobava forças pontifícias, da          CFR FZ

         14  ABRIL 2009 U REVISTA DA ARMADA
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